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Fim de ataques em escolas passa por investimentos e mudança cultural

Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da USP aponta necessidade de apoio a jovens

Fim de ataques em escolas passa por investimentos e mudança cultural
Policiais próximo a escola atacada na Vila Sônia (Reprodução/Primeiro Impacto)
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A única forma que a sociedade brasileira tem de tentar reduzir e, em algum ponto, acabar com a ocorrência de ataques em escolas no país como o registrado nesta 2ª feira (27.mar) na Vila Sônia, em São Paulo, é criando realmente uma cultura de respeito ao outro. A análise é da doutora em Sociologia e pesquisadora de pós-doutorado no Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), Veridiana Campos.

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"E esse respeito é um respeito que envolve desde a forma como você se porta e trata o outro ser humano quanto com as próprias ideias que você tem do que você pode fazer com o outro", complementa a especialista. Segundo Veridiana, "quando uma pessoa acha que pode ferir a outra, quando acha que pode tocar na outra sem consentimento, falar do corpo do outro sem consentimento, falar da cor do corpo do outro, tudo isso são matizes da mesma violência".

"'Ah, se você colocasse outra viatura na frente da escola, essa violência seria diminuída? Se você colocasse um policial dentro da sala de aula, essa violência seria diminuída?'. Olha, podemos até pensar que, por exemplo, se houvesse um policial, pode ser que houvesse outro tipo de ação. Mas a verdade é que você não vai ter tratado a causa".

A causa dessa violência, conforme a especialista, está em uma estrutura social que a coloca como uma forma de ação no mundo e diferencia pessoas por valores simbólicos que os indivíduos dão. Nessa estrutura, então, algumas pessoas valem mais do que as outras.

Por isso, fala Veridiana, em sua percepção e na dos demais integrantes do Projeto Observatório de Direitos Humanos em Escolas (Podhe), a única maneira de acabar com os ataques em escolas como o desta 2ª "é uma criação lenta, uma criação cuidadosa" de uma cultura de respeito ao outro, ao qual a doutora em Sociologia se refere também como cultura de paz e cultura de direitos humanos. Nela, todos os indivíduos têm o mesmo valor, na visão deles.

Para criá-la, ressalta, as iniciativas como o Podhe são necessárias. "Que é exatamente você entrar e abrir um espaço dentro da comunidade escolar, que a gente chama de um espaço seguro, entre os e as estudantes, para que eles conversem e pensem sobre situações de violência que eles vivem em casa, na escola, veem na televisão, veem no videogame, escutam em letra de música", explica a pesquisadora.

"A gente traz tudo isso para, digamos assim, uma grande discussão, e essa grande discussão pode vir por meio de arte, por meio de roda de conversa, de teatro, de representação e é um processo lento e que aos poucos ele vai trazendo uma mudança de percepção de como a coisa pode ser na vida".

A ideia é ensinar os alunos que nenhuma forma de violência é uma opção. E para projetos desse tipo terem condições de serem aplicados nas escolas, pontua Veridiana, são necessários recursos financeiros.

"Tem muitas escolas públicas em que vários gestores e professores têm boas ideias e têm noção do tipo de assunto que a gente trata no Podhe, mas eles não têm tempo ou não tem recurso", afirma. Assim, a pesquisadora defende a implementação de uma política pública que fomente espaços como o Projeto Observatório de Direitos Humanos em Escolas. Segundo ela, os países que conseguirem diminuir o nível de violência tem feito isso há décadas.

Ainda de acordo com Veridiana, no mundo contemporâneo, há vários estímulos a uma cultura da violência, em vez de paz. "Por exemplo, quando a gente pensa nos papéis hegemônicos de gênero, que os homens precisam ser fortes, que os homens precisam ser potentes ou que a gente vê, por exemplo, a competição como uma coisa de você ser melhor do que o outro. Você ganhar um jogo. Então a gente só pensa jogos como uma coisa que um ganha. Então, são valores que estão estipulando um individualismo muito alto. Vale mais o indivíduo do que a comunidade".

Há muitos estímulos à violência, diz a pesquisadora, para que uma pessoa jovem consiga filtrar por si só "sem ter um amparo, por exemplo, de um projeto como o Podhe, para pensar com ele 'mas veja, tudo bem, isso existe, mas será que é o melhor caminho para você? Será que a sua vida vai ser boa se você cometer esse ato de violência, por exemplo? Onde isso vai te conduzir? A longo prazo, onde você vai parar com essa questão?".

Ações necessárias

O advogado criminalista e ex-delegado de polícia João Ibaixe Jr., que é também mestre em Direito e pós-graduado em Filosofia e Teoria Psicanalítica, elenca oito ações necessárias contra a violência escolar:

  1. Preparar o corpo docente para o tema, que está em evidência no cotidiano escolar, posto que hoje em dia não basta apenas o preparo pedagógico;
  2. Identificar condutas no ambiente escolar que podem ser chamadas de "preparatórias" de ações violentas graves, tais como ameaças, bullying, agressões verbais e furtos;
  3. Diante de tais ações, tomar medidas mais efetivas de comunicação dos pais ou responsáveis e de colocação do autor em observação mais atenta;
  4. Colocar em diálogo com os alunos a questão da violência, apontando mecanismos de superação de conflitos por meio de acordos como principal foma de solução;
  5. Engajar os alunos em ações de combate à violência, como, por exemplo, participação em reuniões de mediação e gestão de conflitos;
  6. Preparar o corpo de apoio administrativo (bedéis e demais auxiliares) para identificar situações de violência e efetivar sua comunicação à direção;
  7. Criar um canal de comunicação com a polícia, guarda municipal de preferência, para que apoie as medidas preventivas e colaborem na fiscalização;
  8. Em situações de suspeita de ação iminente, manter um canal de solicitação de apoio policial, para fiscalização preventiva e/ou providências de segurança eficazes.

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Nesta 2ª feira, após o ocorrido na Vila Sônia, em São Paulo, os secretários de Educação e Segurança Pública do estado, Renato Feder e Guilherme Derrite, respectivamente, anunciaram medidas de apoio às vítimas do ataque na escola e de combate à violência no ambiente escolar. 

Segundo Feder, a pasta vai aprimorar programas antigos, como o Conviva, no qual todos os diretores de escola alimentam um sistema que consolida as ocorrências no ambiente escolar. "São centenas de atendimentos de todos os tipos, brigas, agressões verbais, tristeza, depressão. Vários tipos de problemas que a gente tem na escola, a gente tem essa rede de proteção com 300 profissionais". O programa prevê atendimento com psicólogos e psicopedagogos às diretorias de ensino.

"Independente da tristeza de hoje, já está no cronograma a contratação de 150 mil horas de atendimento de psicólogos e psicopedagogos para as escolas. O processo está na cotação de preços e mais algumas semanas a gente vai fazer essa licitação para o atendimento presencial nas escolas", falou o secretário. "Vamos ampliar de 500 para 5 mil profissionais dedicados ao Conviva, um por escola, para que a gente consiga estar mais presente nas escolas".

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