Desvios em contratos com shows podem render até prisão, diz Sarrubbo
Chefe do Ministério Público em São Paulo afirma ao SBT News que pente-fino em gastos com artistas "é para sempre"
O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, dá um alerta para prefeitos, secretários, artistas e empresários: o pente-fino nos contratos de shows por prefeituras, pagos com dinheiro público, é para sempre e pode render até prisão para os envolvidos, se o mau uso do dinheiro envolver desvios e crimes.
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Chefe do Ministério Público em São Paulo, Sarrubbo assinou no início de junho uma recomendação aos promotores de Justiça paulista que analisassem caso a caso os contratos de prefeituras com artistas. O SBT News levantou com exclusividade dados sobre o pente-fino. Em 3 meses foram abertos 40 procedimentos preliminares de apuração - que podem resultar em processos na Justiça -, que têm como alvos 30 prefeituras e 93 artistas.
Em entrevista exclusiva ao SBT News, Sarrubbo falou do que motivou o pente-fino, quais as primeiras constatações, o que pode resultar para os envolvidos e afirmou que essa é uma ação que não se encerra. "O que mais chamou a atenção é que o estado de São Paulo e o Brasil vivem um momento de muita pobreza (...).Ao mesmo tempo, os municípios gastando verdadeiras fortunas na contratação de shows. Mais do que isso, não obedecendo aos parâmetros legais."
Leia a entrevista:
O que motivou o Ministério Público a fazer um pente-fino nos contratos de shows por prefeituras?
Ficou muito claro um movimento de várias prefeituras, não só no Estado de São Paulo diga-se, mas também em especial aqui no nosso estado, uma promoção e contratação de cantores famosos para shows, grandes shows. Nós passamos a perceber tem sido feito sem obediência aos parâmetros legais da Lei de Licitação, com o devida a devida fundamentação para eventuais dispensas de licitação. Então, isso ensejou um olhar especial, uma recomendação para que todos os promotores e procuradores de Justiça estivessem atentos e promovessem a adequação nos seus respectivos municípios. Ou seja, para que recomendassem também aos seus prefeitos, que obedecessem aos parâmetros legais para contratação desses shows.
O que mais chamou a atenção nessas contratações?
O que mais chamou a atenção é que o estado de São Paulo e o Brasil vivem um momento de muita pobreza, pessoas morando nas ruas, com a ausência de políticas públicas de saúde, de educação, de moradia e, ao mesmo tempo, os municípios gastando verdadeiras fortunas na contratação de shows. Mais do que isso, não obedecendo aos parâmetros legais, dispensando licitação e contratando pacotes e através de intermediários. Isso é grave, isso viola a lei e isso mostra que os recursos públicos não estão sendo utilizados adequadamente, ou seja, em benefício da população e notadamente da população mais carente.
É uma suspeita ou já há confirmação de desvios?
Na verdade, tudo se inicia com uma suspeita, porque a experiência mostra que muitos recursos estão sendo dispensados com shows e poucos recursos dispensados para temas mais relevantes para a população carente. E, em alguns casos pontuais, nós já temos identificado desvios, ou pelo menos mau uso dos recursos públicos. E o que é mais importante, desobedecendo aos parâmetros legais, em especial a Lei de Licitações.
Os desvios podem envolver lavagem de dinheiro também?
Pode até envolver, existem algumas suspeitas e investigações. Porque a contratação pela prefeitura pode ser um um ato de limpeza de recursos arrecadados de forma irregular. Então, tudo isso está no radar do Ministério Público e nós temos várias investigações do Estado de São Paulo nesse tema.
O que pode acontecer com esses prefeitos, secretários e artistas?
Em se constatando a irregularidade no campo da Lei de Licitação e da Lei de Improbidade, em se constatando, como a gente já tem constatado em alguns casos a lavagem de dinheiro, isso pode acarretar responsabilidade no campo civil administrativo para o gestor público, e responsabilidade penal com a prisão de todos os envolvidos, inclusive os agentes públicos.
Os artistas também têm participação, eles são investigados nesse pente-fino?
Qualquer um que contrata com a administração pública, se participa de um ato irregular, ele tem também a sua responsabilidade, seja no campo penal, seja no campo administrativo. A lei é para todos e a lei é de conhecimento de todos. Daí porque, quando você tem ciência de que está participando de uma contratação irregular, ainda que você seja o contratado, ainda que você seja o particular, você está sujeito a responsabilidade penal e também civil administrativa.
Os artistas têm ciência que esses contratos e gastos estão na mira do MP?
Nós fizemos questão de dar publicidade a nossa recomendação para que, inclusive, os artistas que estão sendo contratados, que estão celebrando os contratos, saibam que, a partir de agora, o Ministério Público está atento. Portanto, eles têm que obedecer a lei, tem que ficar atentos para muitas vezes até sem conhecer a irregularidade, assumirem uma contratação que pode significar a lesão ao erário, lesão ao patrimônio público.
Quem é o principal prejudicado?
Depois da pandemia, o Brasil vive uma crise muito grande, desemprego aumentou, a população de rua aumentou, e são justamente essas pessoas, aqueles que estão desempregados, aqueles que estão morando nas ruas, aqueles que estão carentes de saúde, de educação, de habitação, é que sofrem. Porque recursos que poderiam melhorar a vida deles, que poderiam trazer emprego, recursos que poderiam fazer com que eles tivessem dignidade, moradia, estão sendo desviados para shows e muitas vezes, como dissemos, podem ser inclusive objeto de lavagem de dinheiro.
E qual o papel do MP nisso?
O Ministério Público é fiador de direitos sociais da população brasileira. Segurança Pública, nós temos o dever de apurar condutas criminosas. Mais do que isso, nós temos o dever de cobrar o Poder Público para implantação das corretas políticas públicas na sua cidade. E o que se exige hoje, no momento de tanta carência por parte da população, são políticas públicas que possam gerar emprego, gerar saúde, gerar educação, gerar moradia. Portanto, esse é nosso papel e nós não vamos permitir que recursos sejam desviados ou até mesmo lavados com a contratação de shows, muitas vezes desnecessários.
Tem prazo para esse olhar mais atento do MP aos contratos de shows por prefeituras acabar?
Essa fiscalização é para sempre. Ela tem que olhar para trás, para a gente ver exatamente o que já aconteceu, que foi inclusive o que nos chamou a atenção. Mas é para sempre. Porque esse tipo de contratação ela é irregular hoje e será amanhã, mesmo que a pandemia tenha efetivamente terminado, mesmo que a situação econômica do Brasil esteja num outro patamar, nós precisamos é mudar a cultura do gestor público e a cultura da população, que precisa cobrar do seu gestor público políticas públicas eficazes e eficientes no sentido da melhoria de vida da população. E não é um show que vai melhorar a vida das pessoas.