PF intensifica ação contra crimes ambientais, e em de terras indígenas
Em meio a escalada da tensão na Amazônia, há uma tendência de aumento de operações em 25% este ano
As operações da Polícia Federal de combate aos crimes ambientais na Amazônia e nas terras indígenas aumentaram. Nos três primeiros meses de 2022 foram destruídos 158 maquinários usados por devastadores, em oito grandes ações deflagradas pela PF, em parceria com o Ibama, Funai, Força Nacional e Exército. Consequência e reação, ao mesmo tempo, ao aumento da tensão entre índios e grileiros, garimpeiros e madeireiros ilegais, que intensificaram as ações criminosas.
São escavadeiras, caminhões, tratores, motores, dragas e outros equipamentos usados em territórios isolados da Amazônia, na maioria das vezes, locais em que a remoção é inviável e, em geral, foram deixados para trás pelos alvos das operações.
A destruição dos maquinários é uma forma de coibir a continuidade dos crimes ambientais e serve também para desestimular os criminosos. Permitido por lei, ela acontece quando não há como retirar os equipamentos do meio da floresta. Dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambientes e dos Recursos Naturais (Ibama), confirmados pela PF, indicam que cerca de 2% dos equipamentos apreendidos nas operações acabam inutilizados. Muitos são apreendidos e usados pelas prefeituras.
Foi o que aconteceu com 26 escavadeiras hidráulicas e 67 motores-bombas apreendidos numa das maiores operações de 2021, o Muiraquitã II, contra o garimpo ilegal na Terra Indígena Kayapó, em Cumaru do Norte e Ourilândia do Norte, no Pará. A megaoperação durou cinco dias, em agosto, e envolveu 220 homens da PF, das Forças Armadas, da Força Nacional de Segurança Pública, da Defensoria Pública da União, Ibama, Funai, Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho. Além dos equipamentos destruídos, foram apreendidos três caminhões e quatro pessoas foram presas.
Aumento
No ano passado, a PF bateu recorde de operações especiais de repressão e combate a crimes ambientais e contra as comunidades indígenas. Foram 24 ações do tipo deflagradas em todas as regiões do Brasil. Um aumento de 42% em relação a 2020, registra documento da polícia sobre as atividades da Coordenação-Geral de Repressão contra Crimes contra o Meio Ambiente e Direitos Humanos.
Em 2022, só nos três primeiros meses foram oito operações especiais - um indicativo de crescimento de 25% até o final do ano. Os 158 equipamentos destruídos foram descobertos em ações nos estados de Mato Grosso, Pará, Rondônia, Rio Grande do Sul e Tocantins.
Uma das operações foi a Caribe Amazônico, deflagrada em março para reprimir o garimpo ilegal no Rio Tapajós, dentro da Terra Indígena Munduruku, no Pará - uma das áreas de maior tensão. Durante uma semana, a ação interagências inutilizou pás escavadeiras, motores, veículos, balsas, dragas, tratores, entre outros, em um total avaliado em quase R$ 15 milhões.
Balanço recente da PF registra que em 2021 foram deflagradas "24 operações policiais especiais" (consideradas de maior porte) de "repressão e combate a crimes ambientais e contra as comunidades indígenas, todas elas executadas no interior de terras indígenas". "Trata-se de incremento na ordem de 42%" em relação ao ano anterior.
O aumento das operações dentro de terras indígenas nos últimos anos decorre de múltiplos fatores. Um deles, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709/2020 -, que obriga o governo a executar, em sete terras indígenas sob maior risco, a retirada dos invasores, a desativação dos garimpos, apreensão e destruição de maquinários utilizados.
Números da PF obtidos pela reportagem mostram que, considerando as operações especiais, as ações em flagrante e as que envolvem cumprimento de ordem judicial, foram 87 ações entre 2020 e 2021 - 51, no ano passado, e 36, no ano anterior. Foram presos 39 pessoas.
O aumento é também reflexo da estruturação da coordenação de combate a esses crimes na PF e, ao mesmo tempo, da queda das ações do Ibama, segundo entidades. O órgão tem sido alvo de esvaziamento de suas funções preventivas e repressivas aos devastadores, no governo Bolsonaro. O Grupo Especializado de Fiscalização (GEF), que desde 2014 intensificou as ações que resultaram na destruição do maquinário, foi um dos alvos.
Tensão na floresta
Na Terra Indígena Yanomami, uma das que vivem uma escalada da tensão, estima-se que cerca de 20 mil garimpeiros ilegais coloquem em risco as comunidades e o meio ambiente. Na aldeia Arakaça, autoridades acompanham desde meados de abril supostos crimes e mortes, que teriam ocorrido em conflito com garimpeiros.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, e a coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal, Eliana Torelly, acompanham o caso, informou a PGR, na semana passada. "Esclarecer o que realmente aconteceu nesse caso é uma prioridade para o MPF. Todas as providências estão sendo adotadas para que, não apenas os indígenas, mas toda a sociedade receba essas respostas", afirma Augusto Aras, em nota.
Na Terra Indígena Parakanã, os índios Awaeté também estão sob ameaça, principalmente após o sumiço e a morte de três caçadores. Na região de Itaituba, Altamira, Novo Progresso, no Pará, índios da comunidade indígena Xipaya têm relatado aumento das investidas de garimpeiros e grileiros.
Em abril, por exemplo, a cacique Juma Xipaya denunciou em vídeo publicado em uma rede social que a aldeia Karimaa, na Terra Indígena Xipaya, foi invadida por garimpeiros armados. Na denúncia, imagens de uma balsa para a extração de ouro do rio e os relatos de agressões e intimidações. O equipamento acabou apreendido. O governo informou que "agentes da Polícia Federal, do ICMBio, da Força Nacional, do Ibama e da Funai, órgãos que mantêm trabalhos ostensivos".
"Espero que a mobilização social no país contribua para que o público reconheça a situação de ameaça aos direitos indígenas e se posicione contrariamente às iniciativas governamentais e legislativas que tragam retrocessos na política indigenista brasileira", afirmou a subprocuradora-geral da República Eliana Torelly.
Na 5ª.feira (5.abr), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocou petição no Supremo Tribunal Federal (STF) cobrando proteção do governo e de autoridades para os Yanomami, que seguem "sob ameaça do garimpo ilegal, na região de Roraima".
No documento, a Apib "denuncia a convivência do governo federal com os crimes cometidos pelo garimpo em territórios indígenas, que provocou uma nova onda de migração de garimpeiros para os locais de extração de minerais". Cita ainda a "recente sinalização"do governo Bolsonaro", que pediu urgência em um projeto que regulariza exploração comercial de áreas protegidas, teria "estimulado a violência sobre os povos da floresta".
Política de governo
Entidades e representantes do Ministério Público atribuem, em parte, ao governo, o aumento da ofensiva de grileiros, desmatadores e garimpeiros. No início da gestão Bolsonaro, em 2019, o presidente chegou a gravar um vídeo ao lado do senador Marcos Rogério (PL-RO) em que afirmava que não era para queimar equipamentos.
A fala foi divulgada pelo parlamentar, logo após uma grande operação do Ibama na Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia, contra extração ilegal de madeira. "Não é para queimar nada, maquinário, trator, seja o que for. Não é esse procedimento, não é essa a orientação."
Em Rondônia, o governador Marcos Rocha (União), aliado de Bolsonaro, editou uma lei (nº 5.299/2022), em janeiro deste ano, que proibia a destruição e inutilização de maquinários apreendidos em garimpos ilegais. O Ministério Público foi à Justiça e conseguiu barrar a validade da lei.
Na Câmara dos Deputados, tramita um projeto de lei (PL 571/2022) que libera a mineração em qualquer área do país, incluindo unidades de conservação, terras indígenas e propriedades particulares. A proposta é do deputado José Medeiros (PL-MT), que é vice-líder do governo Bolsonaro. Em 2019, ele propôs um projeto de decreto legislativo (PDL 36/2019), que entre outras coisas anularia a norma ambiental do governo que permite a destruição ou inutilização de bens associados à infração ambiental.
Procurados, o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama, não se pronunciaram. Em março, o governo federal deu início a uma nova fase da Operação Guardiões do Bioma, que foca no combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e tem R$ 170 milhões investimentos. A ação é coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública com a participação dos ministérios do Meio Ambiente e da Defesa.
Na ocasião, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, disse em nota que "um dos maiores desafios dessa região é diminuir o tempo de resposta no combate ao crime". Os investimentos servirão para montar seis bases operacionais, com estrutura de pessoal, helicópteros e equipamentos que permitam às forças de segurança e órgãos ambientais uma atuação mais célere. "Atuaremos firmes, com estratégia, inteligência, integração e pessoal capacitado em uma dura resposta contra o crime."
Incentivo
Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o governo e parte do Congresso têm atuado para disponibilizar áreas indígenas e de proteção ambiental para apropriação privada, favorecendo interesses de grandes empresas do agronegócio, da mineração e grupos econômicos.
Entre as iniciativas elencadas pela entidade, está a Instrução Normativa 09, editada pela Funai em 2020, que possibilita a emissão de título de terras para invasores. Em alguns estados, como Amazonas, Mato Grosso, Pará e São Paulo, a validade da norma foi suspensa pela Justiça, a pedido do MPF.
Tanto entidades como o Ministério Público Federal consideram que essa normativa e outras ações e discursos do atual governo representam retrocesso na proteção socioambiental, incentivam a grilagem de terras e os conflitos fundiários, além de restringir indevidamente o direito dos indígenas às suas terras.
Segundo membros do MPF, a garimpagem ilegal é incentivada pela omissão das entidades e órgãos do Estado na proteção das terras indígenas e pela tolerância com crimes como os de usurpação, lavagem de capitais e associação criminosa.