Demissão de Lucon decreta "morte" de Fórum, afirma ex-coordenador
Fabio Feldmann diz que ambientalista emprestava credibilidade ao governo; Lucon espera que saída chame atenção para o colegiado
Fernando Jordão
O pedido de demissão do ambientalista Oswaldo Lucon -- avaliado como técnico e considerado uma referência global no estudo das mudanças climáticas por fontes consultadas pela reportagem -- pode ter decretado, na prática, o fim dos trabalhos do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima. A avaliação é do também ambientalista Fabio Feldmann, primeiro a ocupar o cargo de coordenador executivo do colegiado, de 2001 a 2003. Ao SBT News, ele disse que a decisão do colega foi tomada "no timing correto" -- em meio à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP26.
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"Se ele tivesse saído duas semanas atrás, a repercussão teria sido nula. E isso demonstra o desprestígio que esse governo relegou ao Fórum. Praticamente deixou de existir. O Lucon e o papel que ele exercia eram as bases. No momento que ele [Lucon] sente que não tem mais condições, sai e praticamente decretou a morte do Fórum na prática", pontuou Feldmann, acrescentando que o governo terá "muita dificuldade de encontrar alguém que possa substituir" o agora ex-coordenador: "Esse governo tem como marca a recusa da participação social, que é o propósito principal do Fórum".
De Glasgow, onde segue participando da COP26 -- agora como público --, Lucon contou ao SBT News esperar que sua saída possa exatamente chamar a atenção da sociedade para a existência do colegiado. "Eu acho que a sociedade brasileira não sabe da existência do Fórum. E como eu não consegui promover reuniões aqui, acho que esse gesto dá uma sobrevida ao Fórum, sem a minha presença", disse. "Pelo menos agora o Brasil está falando sobre o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, que é algo que está na lei. Não é algo esquecido. Deixar esquecer seria matar o Fórum. Morto ele não está. Ele está na mente das pessoas e essa é a minha missão. Minha missão foi principalmente lutar pela ciência e pelos acordos", completou.
Presente em diversas edições da COP, Feldmann explica que era comum os diplomatas brasileiros reunirem-se diariamente com representantes do Fórum durante a Conferência para passar atualizações sobre as negociações. Isso, porém, não vinha ocorrendo. Segundo ele, Lucon sequer tinha um crachá da comitiva brasileira e, por isso, não teve acesso a essas informações, tampouco a autoridades públicas. "A COP faz a ponte entre a sociedade e os negociadores. Até Bolsonaro, o governo sempre teve a postura de permitir a ampla participação de brasileiros na delegação oficial. E é muito importante, porque ajuda a ter acesso a informações. Mas desde Madri [sede da COP25, em 2019] isso não acontece", afirmou.
Criado por decreto em 2000, na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e reestruturado em 2017, no governo Michel Temer (MDB), o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima tem por função assessorar o presidente da República nas questões climáticas. Presidido pelo próprio chefe do Executivo, o colegiado é composto ainda -- entre outros -- por ministros, dirigentes de agências reguladoras, governadores, prefeitos de capitais e representantes da sociedade civil. Lucon assumiu o cargo de coordenador executivo em maio de 2019. No período, contudo, ele afirmou nunca ter se reunido com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Saída
Lucon apresentou o pedido de demissão do Fórum na 3ª feira (2.nov). A comunicação foi feita, inicialmente, por e-mail. Depois, por telefone, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, limitou-se a confirmar se a decisão estava tomada. "Foi uma conversa cordial, curta e objetiva", resumiu o ambientalista. Questionado sobre se poderia seguir contribuindo com o Fórum, ele disse que prefere aguardar a nomeação do próximo coordenador. Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente ainda não se pronunciou sobre a demissão ou sobre a escolha do substituto. O espaço segue aberto.
Para os dois especialistas, a saída em meio à COP26 terá reflexos já na própria conferência. Medindo palavras, Lucon diz que o encontro ainda está no começo e que os negociadores brasileiro terão tempo para "refletir e buscar um bom resultado". Mais incisivo, Feldman afirma que a demissão "revela a existência de um vácuo no governo e uma incapacidade de dialogar nacional e internacionalmente". "O Lucon promovia esse diálogo e emprestava sua credibilidade. A presença dele no Fórum sempre deu muita credibilidade", opinou. "O Brasil chegou à COP pela porta dos fundos e, nesses últimos 10 dias, está tentando sair do corner, porque é insustentável a situação brasileira. O país está rigorosamente isolado. Talvez [a saída] provoque um esforço de retomar o diálogo com a sociedade", arrematou.
Assista à íntegra da entrevista com Oswaldo Lucon: