107 crianças são estupradas por dia no Brasil, diz levantamento
Mesmo com o número elevado, o estupro de vulnerável, apresentou redução de notificações durante a pandemia
Por hora, entre 4 e 5 crianças são estupradas no país. Em um dia, o número sobe para 107. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em 2020, foram 39.070 casos de estupro de vulnerável, crianças menores de 14 anos. Apesar dos números alarmantes, houve queda de 11,7% nos estupros de vulnerável registrados se comparado ao ano de 2019, que teve um total de 43901 vítimas. O motivo, segundo Luciana Temer, advogada, professora da Faculdade de Direito da PUC-SP e presidente do Instituto Liberta, é a falta de contato do estudante com o ambiente escolar.
"A mulher tem a condição de fazer uma denúncia, as crianças, muitas vezes, não. Elas não estão indo para a escola, que é o lugar onde essa violência pode ser enxergada. Durante a pandemia deve ter tido um aumento desses casos, mas houve diminuição dos registros", ressalta a presidente do Instituto Liberta, focado no enfrentamento da exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil.
Além disso, quando uma criança vive uma situação de abuso sexual, a sociedade se indigna, mas essa indignação não se traduz na consciência da dimensão do problema, segundo Luciana. "As pessoas acreditam que é uma questão policial, residual, quando, na verdade, essa situação de violência é uma situação institucionalizada no nosso país, naturalizada e eu falo de todas as classes sociais. As crianças são objetificadas e muitas vezes não são tratadas como sujeitos de direito", destaca.
Em 2020, 73,7% dos casos de estupro foram de crianças menores de 14 anos e a maioria das vítimas pertence ao gênero feminino (86,9%). Além disso, 85,5% das vítimas conheciam o seu abusador. "A gente não tá falando do maluco do saco que sequestra crianças, não é do pedófilo que é um monstro, estamos falando de um sujeito que é adequado socialmente, trabalha, paga as contas, tem família, amigos e se sente no direito de abusar de crianças. É preciso desmistificar essa imagem do abusador desconhecido. Acaba que a violência sexual é praticada por pessoas muito próximas, de relações intrafamiliares", ressalta Luciana.
Um dos fatores para o abuso sexual de crianças e adolescentes é a impunidade, enfatiza a especialista. "É um crime muito silencioso. Primeiro, as vítimas não acreditam no que aconteceu. Depois há o silêncio da vergonha ou o não conhecimento do que aconteceu por ser muito nova. O sentimento de culpa acaba também acompanhando as vítimas, que se sentem constrangidas. Esse constrangimento gera um silêncio, o silêncio gera impunidade e a impunidade traz a mensagem de que está tudo bem, que pode", finaliza.
De acordo com a especialista, é preciso olhar para essa violência contra crianças e adolescentes e colocá-la em pauta da sociedade. Só assim, é possível a criação de políticas públicas efetivas e eficientes para o enfrentamento desse problema.