Violência no transporte público do Rio de Janeiro afeta saúde mental de motoristas
Trabalhadores relatam traumas, agressões e medo após sequestros de ônibus por criminosos na zona norte da capital fluminense
Liane Borges
A onda de violência envolvendo o transporte público no Rio de Janeiro já trouxe reflexos significativos para a saúde mental dos motoristas. Um dia após o sequestro de 26 ônibus por criminosos, em represália a uma operação da polícia, a rotina foi retomada.
No dia seguinte ao caos, policiais militares reforçaram a segurança dos passageiros e dos trabalhadores do transporte público.
A rotina de medo e incerteza tem adoecido os profissionais que trabalham nas ruas do Rio. São motoristas ameaçados, agredidos e, muitas vezes, traumatizados. Muitos não conseguem retornar ao trabalho.
É o caso de Robson Carlos da Silva. Motorista há 29 anos, ele foi espancado por criminosos e perdeu a visão de um olho.
"Me trouxe a perda de três dentes, a falta de visão, fui agredido diversas vezes no rosto, no olho. E essa agressão tem aumentado, a cada dia, fazendo com que nós, que somos motoristas de ônibus, que somos rodoviários, fiquemos com sequelas, ou seja, com trauma, de estar voltando à nossa profissão, porque a gente não sabe a hora que vamos ser agredido ou não", desabafou Robson.
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Na última terça-feira, 26 ônibus foram sequestrados e usados como barricadas na zona norte. Só em 2025, já são 83 casos registrados na cidade. Segundo o Sindicato dos Rodoviários, 78 motoristas foram afastados por agressão e mais de 300 por constrangimento.
Dados do Rio Ônibus apontam que, em 2025, 78 motoristas foram afastados por agressões – número superior ao total de 2024, que registrou 220 casos ao longo de todo o ano. Por constrangimento, já são 320 afastamentos este ano, frente a 280 em 2024, um aumento de 14%.
Transportar centenas de passageiros todos os dias, enfrentando a violência, ainda causa impactos sérios na saúde mental dos motoristas. De um ano para cá, a procura por atendimento psicológico mais que dobrou. Eram 25 consultas por semana; hoje, são mais de 60. As principais queixas são medo, ansiedade e esgotamento.
"Falta profissional, os que estão operando têm pedido para mudar de profissão, feito acordo e saído das empresas. Outros estão em tratamento psicológico. Assim do jeito que tá não dá pra continuar, a categoria não aguenta mais", afirmou Sebastião José, presidente do Sindicato dos Rodoviários.
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Sequestrar ônibus para dificultar ações da polícia virou uma estratégia em áreas de conflito, segundo o ex-comandante da Polícia Militar e especialista em segurança pública, Ubiratan Angelo.
"A segurança pública tem que repensar agora as suas ações de operações. Que medidas nós vamos tomar para que, quando fizermos as operações, caso tentem novamente, a gente tenha como interromper imediatamente? E ainda, como é que a inteligência policial poderá captar a possibilidade de isso acontecer para evitar previamente?"
Para quem segue ao volante, cada viagem é uma incerteza. E o trauma, infelizmente, não fica no ponto final.
"Quando acontece alguma coisa, nesse sentido, um assalto, um acidente, mexe muito com a gente, né? Mexeu até com o meu relacionamento em casa, com os meus familiares, porque a gente acaba sendo refém, mas é muito refém mesmo", contou um motorista sob anonimato.
Procurada, a Secretaria da Segurança Pública do Rio de Janeiro não se manifestou.