Xixi na cama: quando a fralda à noite ainda é normal
Entenda por que o controle do xixi à noite depende da maturidade da criança; saiba quando investigar e quando apenas acompanhar


Brazil Health
O desfralde noturno é um dos marcos mais aguardados do desenvolvimento infantil - e, ao mesmo tempo, um dos que mais geram ansiedade entre pais e cuidadores. É fundamental compreender que o controle urinário durante o sono não é uma questão de treino, e sim de maturação fisiológica: envolve a coordenação entre o sistema nervoso central, a capacidade vesical e a produção adequada de vasopressina (hormônio antidiurético), responsável por reduzir o volume de urina produzido à noite.
De acordo com as principais sociedades pediátricas internacionais - como a Academia Americana de Pediatria (AAP), a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a International Children's Continence Society (ICCS) -, considera-se enurese noturna (ou seja, perda urinária durante o sono que deixa de ser fisiológica) a partir dos cinco anos de idade. Até essa faixa etária, o uso de fralda noturna é perfeitamente normal, pois reflete apenas o amadurecimento progressivo dos mecanismos neurológicos e hormonais que permitem reter urina por toda a noite.
Pessoalmente, considero que até os seis anos essa situação ainda pode ser vista como fisiológica, desde que a criança esteja tranquila, a família confortável e não haja sofrimento emocional. Nesses casos, prefiro uma conduta expectante, sem antecipar intervenções medicamentosas, acompanhando a evolução natural do desenvolvimento.
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Estratégias comportamentais e rotina noturna
Por volta dos quatro aos quatro anos e meio, algumas crianças passam a demonstrar incômodo com o uso de fralda. Nesse momento, costumo orientar medidas simples e práticas:
· Hidratar bem ao longo do dia, até a hora do jantar, garantindo boa ingestão hídrica;
· A partir do jantar, reduzir significativamente a ingestão de líquidos ou evitá-los, sempre que possível;
· Urinar imediatamente antes de dormir;
· Caso ainda ocorram escapes, tranquilizar e acolher, mostrando que o processo é natural e transitório.
Quando, mesmo com essas medidas, persistirem escapes e houver desconforto familiar, os pais podem, antes de se deitarem (geralmente mais tarde do que a criança), levá-la, sonolenta, para urinar. Em geral, ela volta a dormir rapidamente, sem prejuízo do descanso.
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Quando investigar e quando apenas acompanhar
É importante distinguir entre enurese noturna isolada e enurese associada a sintomas diurnos.
· Quando os escapes ocorrem apenas durante a noite, sem perda urinária diurna, urgência miccional, infecção urinária ou constipação, não há necessidade de investigação complementar.
Nesses casos, o quadro é maturacional e benigno, e deve ser manejado com tranquilidade e acompanhamento clínico.
· Já quando há sintomas diurnos associados, escapes durante o dia ou alterações urinárias persistentes, é indicado investigar causas funcionais ou anatômicas.
O encaminhamento ao nefrologista ou urologista pediátrico, portanto, não se destina à investigação diagnóstica, mas sim ao manejo terapêutico - definição da necessidade de medicação, ajustes de dose, monitoramento da resposta e, quando apropriado, encaminhamento para acompanhamento psicológico. Esse suporte é útil sobretudo em crianças que apresentam sofrimento emocional ou impacto na autoestima.
Opções terapêuticas quando necessário
Nos casos em que há indicação de tratamento farmacológico, as opções incluem:
· Desmopressina, análogo sintético do hormônio antidiurético, que reduz a produção de urina noturna;
· Imipramina, um antidepressivo tricíclico que, em doses muito baixas, modula a resposta do sistema nervoso central ao enchimento da bexiga, reduzindo episódios noturnos (sempre sob prescrição e acompanhamento rigoroso);
· Acompanhamento psicológico, voltado a diminuir a ansiedade, fortalecer a autoestima da criança e orientar os pais no manejo do quadro.
Perfil e prognóstico
As crianças que demoram mais a atingir o controle noturno costumam ser mais sensíveis e emotivas, e muitas vezes há histórico familiar positivo. Nesses casos, o tempo e a paciência são aliados valiosos. O prognóstico é excelente: a grande maioria adquire o controle completo de forma espontânea com o amadurecimento natural.
Considerações finais
O desfralde noturno é um processo de maturação, não de treinamento específico. Até os cinco anos, é fisiológico para todas as sociedades pediátricas; até os seis, pode ser observado sem preocupação, desde que o ambiente familiar esteja sereno e a criança não se sinta constrangida. A enurese noturna isolada não requer investigação, apenas acompanhamento e orientação.
O papel do pediatra é oferecer segurança, empatia e clareza, conduzindo o processo com leveza e respeitando o tempo de cada criança.
*Alessandro Danesi é médico pediatra, head Nacional de Pediatria da Brazil Health






