Saúde

Marcapasso sem fio: o chip no coração que reduz cortes e acelera a recuperação

Entenda para quem é indicado, como é o implante pela virilha, benefícios, limitações e cuidados antes e depois do procedimento

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Marcapasso sem fio reduz cortes e acelera a recuperação | Imagem gerada por IA
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Os marcapassos sem fio (leadless pacemakers) representam uma das mudanças mais relevantes na estimulação cardíaca das últimas décadas. Ao serem implantados diretamente no ventrículo direito por via femoral (pela virilha), dispensam os cabos (eletrodos) e a caixinha sob a pele, presentes nos marcapassos convencionais. Isso reduz uma série de complicações mecânicas e infecciosas associadas a fios e à loja subcutânea. Desde os primeiros implantes em humanos, em 2013, a tecnologia amadureceu e hoje é uma alternativa consolidada para perfis selecionados.

Em linguagem simples: o marcapasso sem fio é um chip que fica dentro do coração, sem cicatriz no tórax e sem fios atravessando veias e válvulas.

Como funciona?

· O dispositivo é introduzido por um cateter na veia femoral até o coração.

· Fixa-se na parede do ventrículo direito e passa a emitir pulsos elétricos quando o ritmo fica lento demais.

· A bateria é interna, com duração estimada de vários anos, variando conforme programação e uso.

· O acompanhamento é feito por telemetria e consultas regulares, como nos marcapassos tradicionais.

O que muda para o paciente?

· Menos complicações de loja (sem ferida no tórax, sem hematomas na bolsa, menos desconforto local).

· Sem fios transvenosos, reduzindo problemas como deslocamento do eletrodo, fratura do cabo e infecções relacionadas ao trajeto do fio.

· Recuperação geralmente mais rápida e, em muitos casos, alta precoce.

· Opção valiosa para quem tem risco aumentado de infecção (histórico de endocardite, imunossupressão) ou acesso venoso comprometido.

· Maior conforto e liberdade nas atividades do dia a dia e imagem corporal sem saliência no tórax.

Em estudos internacionais, a tecnologia mostrou redução de reintervenções ligadas a problemas de fios e menor tempo de internação em perfis adequados.

Limitações: o que ainda não resolve?

· Hoje, a maioria dos modelos é unicameral (estimula apenas o ventrículo direito).

· Não é a melhor escolha para quem precisa de estimulação atrial ou de sincronia AV (por exemplo, em alguns casos de bloqueios atrioventriculares ou na prevenção de cardiomiopatia induzida por estimulação).

· A remoção do dispositivo pode ser tecnicamente desafiadora após longo tempo de implante; quando a bateria se esgota, muitas vezes implanta-se um novo dispositivo e o antigo permanece inativo, conforme avaliação do centro implantador.

· Ressonância magnética e outras particularidades de imagem devem ser discutidas caso a caso, de acordo com o modelo do dispositivo.

Quem costuma se beneficiar?

· Pacientes com acesso venoso difícil ou obstruído (por cirurgias prévias, tromboses, cateteres de longa permanência).

· Histórico de infecção de sistema de marcapasso (especialmente endocardite) ou alto risco infeccioso.

· Hemodiálise ou múltiplas cirurgias torácicas prévias.

· Cardiopatias congênitas e populações jovens selecionadas, quando o objetivo é preservar o sistema venoso central.

· Necessidade de estimulação predominantemente ventricular (perfil unicameral).

Decisão compartilhada: a escolha entre marcapasso convencional e sem fio considera anatomia, risco infectológico, necessidade de sincronização AV, preferências do paciente e experiência do centro.

Riscos e possíveis complicações

Nenhuma tecnologia é isenta de riscos. Entre os eventos possíveis, embora pouco frequentes em centros experientes:

· Complicações vasculares no acesso femoral (sangramento, hematoma).

· Perfuração cardíaca e tamponamento (mais raro, porém grave).

· Dificuldades de fixação ou posicionamento, exigindo reposicionamento.

· Necessidade de novo implante no futuro (esgotamento da bateria) e discussão sobre manter ou não o dispositivo antigo inativo.

· Em casos específicos, interferências com outros dispositivos cardíacos exigem planejamento.

Mitigação de risco: avaliação prévia cuidadosa, imagem complementar quando indicada e equipe treinada reduzem a chance de eventos.

O procedimento: o que o paciente precisa saber

· Antes: avaliação clínica, exames de imagem/ritmo e definição de indicação; ajustes da anticoagulação e jejum conforme protocolo.

· Durante: procedimento por cateter na veia femoral, em sala de hemodinâmica, com anestesia/sedação conforme o caso.

· Depois: monitorização por período curto, orientações de cuidados com o local de punção e retomada gradual das atividades, de acordo com a equipe.

Perguntas frequentes

Posso fazer ressonância magnética?

Depende do modelo e das condições específicas. Muitos dispositivos atuais têm compatibilidade condicional. Alinhe com cardiologia e radiologia.

Quanto dura a bateria?

Varia com a programação e o uso. Na prática clínica, a autonomia costuma ser de vários anos. O acompanhamento periódico estima a vida útil remanescente.

Se a bateria acabar, dá para trocar?

A estratégia mais comum é implantar um novo dispositivo e decidir, caso a caso, manter ou não o antigo inativo. A extração tardia é possível em cenários selecionados, com equipe experiente.

E se eu precisar de estimulação no átrio?

Pacientes que necessitam de sincronia AV ou estimulação atrial contínua podem não ser bons candidatos aos modelos unicamerais atuais.

É mais seguro que o marcapasso convencional?

É diferente. Em perfis adequados, reduz complicações de loja e de fios; em outros, o convencional ainda é a melhor escolha. Cada caso é avaliado individualmente.

Como esta tecnologia se compara ao marcapasso tradicional

· O marcapasso tradicional segue indispensável quando se requer estimulação em mais de uma câmara ou ressincronização.

· O sem fio se destaca quando o problema são complicações de fios/bolsa, acessos venosos ruins ou alto risco infeccioso.

· Em centros aptos, a seleção criteriosa do paciente tende a reduzir reintervenções relacionadas a eletrodos e loja.

O que vem por aí?

· Sistemas sem fio para duas câmaras: comunicação entre dispositivos no átrio e no ventrículo para recuperar a sincronia AV.

· Integração com desfibriladores subcutâneos e, no futuro, estratégias de ressincronização sem fio.

· Baterias mais duráveis e algoritmos de economia de energia.

· Conectividade aprimorada para telemonitorização e ajustes automáticos.

· Avanços em técnicas de extração e em materiais que facilitem o reposicionamento quando necessário.

Os marcapassos sem fio não substituem todos os marcapassos, mas já são uma realidade consolidada para perfis selecionados - especialmente quando a meta é reduzir complicações de fios e da loja subcutânea, preservar acessos venosos e oferecer recuperação mais rápida. O avanço rumo a sistemas sem fio em duas câmaras e à integração com outros dispositivos cardíacos aponta para um futuro de estimulação mais segura, menos invasiva e cada vez mais personalizada.

* Rodrigo Almeida Souza é cardiologista clínico e intervencionista, membro da Brazil Health

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