Longevidade antes mesmo de nascer: seleção de embriões esbarra em limite ético
Testes genéticos prometem bebês mais saudáveis e menos propensos a doenças; legislação brasileira proíbe triagem nesses casos

Brazil Health
A empresa Nucleus Genomics lançou em 2025 o serviço Nucleus Embryo, que, por cerca de US$ 6 mil analisa amostras de células de embriões gerados por fertilização in vitro. O objetivo é calcular as pontuações poligênicas para mais de 900 condições relacionadas ao envelhecimento, como doenças cardiovasculares e Alzheimer. O resultado é um "ranking" que estima a probabilidade de longevidade saudável para cada embrião com base no menor risco de desenvolver esses problemas.
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Pontuações poligênicas somam milhares de variantes de DNA estatisticamente associadas a características complexas. No entanto, modelos matemáticos sugerem que a escolha do "melhor" embrião entre cinco, com base em seu QI (Quociente de Inteligência), oferece um ganho médio de apenas 2 a 3 pontos em relação ao irmão não selecionado. Para a altura, a diferença dificilmente ultrapassa 2 centímetros.
No caso da longevidade, os próprios autores desses testes admitem que fatores ambientais são responsáveis por mais de 60% do resultado. Além disso, a precisão dos algoritmos diminui consideravelmente em pessoas de etnias que não sejam de origem europeia, pois foram desenvolvidos principalmente a partir de bancos de dados genéticos dessa população.
Implicações éticas e sociais
Sem regulamentação adequada, a prática pode intensificar desigualdades sociais, já que apenas quem pode pagar terá acesso a embriões "estatisticamente superiores", enquanto a maioria permanece dependente do acaso biológico. Bioeticistas alertam que a ideia de "maximizar o potencial" se aproxima de uma forma de eugenia liberal, na qual pressões econômicas e culturais determinam quais traços genéticos são mais valorizados pela sociedade.
Vale ressaltar que a legislação brasileira (Resolução CFM 2.294/21) restringe a triagem pré-implantacional à prevenção de doenças graves, proibindo o uso para selecionar atributos como longevidade ou QI.
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Futuro e responsabilidade
A mesma tecnologia que hoje impede a transmissão de doenças fatais pode, se for utilizada de maneira inadequada, reforçar preconceitos e criar um mercado de "aperfeiçoamento genético". Especialistas defendem uma moratória internacional para testes poligênicos não terapêuticos até que:
- Haja validação científica em populações diversas;
- Sejam estabelecidos limites legais claros entre prevenção e aperfeiçoamento;
- Exista transparência quanto às margens de erro e benefícios reais.
Enquanto isso, casais em tratamento de fertilização in vitro devem exigir explicações detalhadas sobre o que o teste realmente mede, qual é o ganho previsto e quais dilemas éticos a decisão envolve. Afinal, a escolha entre avanço médico e risco social não pode ser reduzida a uma simples transação comercial.
*Luiz Eduardo Albuquerque é especialista em Reprodução Assistida e diretor clínico do Centro de Reprodução Humana Fertivitro, além de membro da Brazil Health credenciado pelo CRM 61351/SP | RQE: 30799 / 307991