Diego, morto por Evali aos 20 anos: entenda doença causada pelo uso de cigarro eletrônico
Médico da USP divulgou alerta após morte de jovem que usava vape a cerca de cinco anos; quais são os riscos?
Em agosto deste ano, Diego Paiva dos Santos foi internado com um quadro de choque séptico causado por uma infecção bacteriana em razão de um furúnculo. Passou quatro dias no hospital para o tratamento e quase todos os órgãos melhoraram, fígado, rins e coração, menos um: o pulmão. Ele morreu após ter um infarto pulmonar aos 20 anos.
+ Como funciona o cigarro eletrônico, que causou colapso no pulmão de jovem de 22 anos
O jovem foi acometido pela Evali, uma doença causada exclusivamente pelo uso do cigarro eletrônico, segundo o cirurgião torácico pela Universidade de São Paulo, Rodrigo Sardenberg.
Sua mãe, Lia Paiva, compartilhou o raio-X do pulmão do filho (na capa da matéria) e contou que ele fumava vape desde os 15 anos. "Eu quero falar para vocês que, de fato, o vape mata", afirma Lia.
O que é a Evali?
Na tradução livre, Evali significa "lesão pulmonar associada à vaporização". Recente na literatura médica, ela foi descrita pela primeira vez em 2019, nos Estados Unidos, quando pacientes jovens começaram a ser internados com falta de ar, tosse, dor no peito, náusea, vômito, diarreia, fadiga, febre e perda de peso, segundo Sardenberg.
Ainda de acordo com o especialista, essa lesão causada pelo uso do vape pode progredir para um dano permanente no pulmão, levando o órgão a se deparar com um processo de fibrose e o paciente pode precisar de um transplante pulmonar.
Segundo André Nathan, do Hospital Sírio Libanês, a doença, que se caracteriza por uma insuficiência respiratória aguda, é grave e pode levar o paciente para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com indicação de ventilação mecânica.
"Cada doença pulmonar tem uma causa. A asma, por exemplo, você nasce com essa predisposição. Outras doenças pulmonares são infecciosas, como pneumonia, covid, tuberculose. A Evali é uma doença inflamatória causada pela exposição às substâncias do cigarro eletrônico", afirma André Nathan
O detalhe mais assustador é que a EVALI pode acometer o usuário a curto e médio prazo. Já a longo prazo, há riscos cardiovasculares apontados pelo uso do produto, principalmente relacionados às doenças coronárias, infarto, arritmia e insuficiência cardíaca, segundo Elie Fiss, pneumologista do Hospital Oswaldo Cruz.
Qual é pior: cigarro eletrônico ou comum?
Sardenberg aponta que um estudo recente da USP mostrou que o vape provoca até seis vezes mais intoxicação por nicotina do que cigarro convencional.
"Ou seja, se a pessoa fuma uma carga por dia, ela está fumando o que corresponde a 50 cigarros", alerta.
De acordo com Nathan, a quantidade de nicotina presente no cigarro eletrônico é muito maior do que a do comum.
"Nesse sentido ele é, sim, mais nocivo, porque causa uma dependência química mais rápida do que o cigarro normal, por levar níveis muito maiores de nicotina ao nosso corpo", explica
Nathan alerta que outro fator que pode favorecer o vício no Vape e, consequentemente, fazer com que ele seja mais nocivo à saúde: permitir o uso dele em ambientes onde o cigarro normal não é permitido. "Socialmente, ele é mais fácil de ser utilizado. Isso faz com que você use mais", completa.
De acordo com Fiss, da mesma maneira que o cigarro comum, o Vape vai afetar o corpo como um "todo": "Ele aumenta a produção de ácido do estômago no refluxo; a depender da composição e concentração causa dor abdominal, náusea e vômito; hipertensão arterial; aumento da frequência cardíaca; irritação nos olhos; alterações de comportamento, dentre outros sintomas".
Ele ressalta que foram descobertas alterações, inclusive, na saúde bucal de usuários. Para ele, o vício é igual ao do cigarro normal. "É um vício, como qualquer outro, e há jovens que não conseguem se livrar dele", diz.
Regulamentação
No ano de 2022, a diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, por unanimidade, um relatório técnico que indicava a necessidade de se manter a proibição dos dispositivos eletrônicos para fumar e a adoção de medidas adicionais para coibir o comércio irregular desse tipo de produto, além do aumento das ações de fiscalização e a realização de campanhas educativas.
Fora o debate no âmbito da Anvisa, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) 5008/2023, de autoria da senadora Soraya Thronicke, que permite a produção, importação, exportação e o consumo dos cigarros eletrônicos no Brasil.
Com um alto número de pessoas que consomem cigarros eletrônicos, a falta de regulamentação e o aumento do consumo irregular preocupam as autoridades.
Cerca de 83 países permitem a venda de cigarros eletrônicos, com prévia regulamentação da distribuição e composição dos dispositivos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que é preciso tratar esses produtos da mesma forma que o cigarro normal, com adoção de medidas de controle e proibição dos dispositivos que tenham sabor.
Embora o produto seja proibido no Brasil, cerca de 2,2 milhões de pessoas fumam 'Vape', segundo pesquisa do Instituto Ipec - Inteligência em Pesquisa e Consultoria.