Casos de envenenamento por animais peçonhentos crescem 545% no Ceará
Dado consta em em um estudo sobre as notificações feitas por profissionais de saúde entre 2007 e 2019
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O número de casos de pessoas envenenadas por animais peçonhentos como escorpiões, serpentes e aranhas, cresceu 545,4% entre 2007 e 2019, no Ceará, segundo um estudo liderado pela bióloga e professora Jacqueline Braga, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), e publicado nesta quarta-feira (10) na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. No primeiro ano analisado, foram registrados 1.492 ocorrências do tipo, e no último, 9.629.
O estudo utilizou os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), que pertence ao Ministério da Saúde (MS) e é abastecido com informações pelos próprios profissionais de saúde. No período de 13 anos escolhido pelos pesquisadores, foram notificados 54.980 casos no total.
As mulheres corresponderam à maioria das vítimas (52,4%), enquanto que as faixas etárias mais afetadas foram as de 10 a 19 anos e 40 a 59 anos (ambas com 21,4% do total). Os dados mostram ainda que maioria dos envenamentos ocorreu por picadas de escorpião (67%), apesar de as picadas de abelha terem apresentado a maior taxa de letalidade, com 56,8% dos atingidos indo a óbito.
Em relação ao local em que os acidentes com animais peçonhentos aconteceram, áreas urbanas ficaram com a liderança (72%), superando as rurais (27,6%) e periurbanas (0,46%). E mesmo com as ocorrências tendo crescido de forma expressiva ao longo dos anos, apenas 5,3% das pessoas envenenadas tiveram acesso ao tratamento com os soros já existentes, como o antiofídico e o antiescorpiônico.
Em entrevista ao SBT, Jacqueline aponta fatores que influenciaram nos números e explica como surgiu a ideia do estudo. Segundo ela, tudo começou quando fez uma viagem à Universidade Federal do Ceará (UFC), em 2019, para realizar seu pós-doutorado juntamente com os pesquisadores do Projeto Pele de Tilápia, mas precisou mudar os planos ao se deparar com o biotério do local fechado, visto que ele seria utilizado em outro trabalho.
Enquanto pensava em um novo projeto na UFC, então, conheceu uma técnica da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (Sesa) e, a partir desse encontro, foi fechada uma parceria para que dados coletados pela Sesa fossem transformados em artigos científicos. Posteriormente, como primeiro fruto da colaboração, veio a pesquisa "Epidemiologia de acidentes envolvendo animais peçonhentos no Estado do Ceará, Brasil (2007-2019)".
Motivos do aumento nos casos
Jacqueline pontua que não há apenas um motivo pelo qual o número de envenamentos cresceu no território cearense. "O perfil epidemiológico do Ceará ele é muito semelhante a outros estados nordestinos, inclusive, aqui na Bahia, então existe uma tendência de aumento de casos por várias razões. Uma delas é justamente a questão da notificação".
Segundo ela, em 2010, a notificação de acidentes desse tipo passou a ser compulsória por parte dos profissionais de saúde, em decorrência de uma decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS), emitida no ano anterior, que incluiu acidentes com animais peçonhentos na lista de doenças tropicais negligenciadas. Dessa forma, casos que não costumavam ser registrados passaram a ser e surgiu uma preocupação maior com o correto preenchimento das fichas utilizadas para esses registros.
Porém, diz a pesquisadora, o aumento ocorreu também por causa do acúmulo de "lixo, crescimento urbano desordenado, falta de condições higiênico-sanitárias". Por ser propício para aparecimento de baratas e ratos, um cenário como esse atrai também escorpiões e cobras, que se alimentam desses seres.
Perfil das vítimas
O estudo mostra que o fato de a maioria das vítimas ser do sexo feminino está relacionado com os casos de picadas de escorpião, que são muito mais expressivos nesse grupo. "Escorpião é típico de envenenamento com mulher e criança, por quê? Porque elas ficam mais em casa", explica Jacqueline.
Já envenamentos por cobra ocorreram muito mais com pessoas do sexo masculino e o motivo, afirma a pesquisadora, é o trabalho no campo. "Nos locais onde o trabalhador rural ainda bota a mão, coloca a mão, não tem uma bota para proteger, isso é o mínimo e a própria prefeitura poderia distribuir", pontua.
Jacqueline analisa que mesmo os acidentes com animais peçonhentos estando na lista da OMS, "os governos não entendem isso como uma doença negligenciada, não entendem isso, não só os governo federais, mas também os estaduais, não é visto isso como uma prioridade, porque é uma doença de pobre, é uma doença de pessoa do campo, trabalhador rural".
Problemas no tratamento
Atualmente, soros para tratamento de picadas de serpentes, escorpiões e aranhas são produzidos pelo Instituto Butantan, Instituto Vital Brazil, Fundação Ezequiel Dias (FUNED) e pelo Centro de Produção e Pesquisa de Imunobiológicos (CPPI), e distribuídos a todos os estados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com base nas notificações de acidentes.
"A gente dá sorte que no nosso país, apesar de tantas críticas ao sistema de saúde, a gente tem um tratamento gratuito, todo completo, oferecido pelo SUS", fala Jacqueline. Ela relembra ainda que o soro antiapílico, para tratar pessoas que sofreram múltiplas picadas de abelhas, está na fase final de testes pelo Centro de Estudos de Venenos e Animais peçonhentos (CEVAP), da Unesp de Botucatu (SP).
Por outro lado, a pesquisadora explica também que em "algumas regiões mais longínquas existe o problema de distribuição, então, por exemplo, alguns dos soros que são produzidos pelo Butantan e pelo Vital Brazil eles não são liofilizados [em pó], eles são líquidos, aí eles precisam da cadeia de frio".
Segundo ela, tanto o acesso ao tratamento como a eficácia dele seriam melhorados se a produção dos soros fosse regionalmente distribuída, não ficasse concentrada no sul e sudeste do país, e "existe um projeto de fazer um centro soroprodutor no norte, por conta de acidentes por serpentes, principalmente na região norte, mas no nordeste a gente não tem nada".
Tão importante quanto disseminar o tratamento, porém, é conscientizar as vítimas de picadas sobre os riscos que correm ao não passarem por ele, tendo em vista que, nas palavras da pesquisadora, "no interior as pessoas não notificam tanto porque só vão para o hospital quando o paciente está muito mal, porque normalmente eles tratam com beberagem, cachaça com escorpião dentro".
O estudo utilizou os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), que pertence ao Ministério da Saúde (MS) e é abastecido com informações pelos próprios profissionais de saúde. No período de 13 anos escolhido pelos pesquisadores, foram notificados 54.980 casos no total.
As mulheres corresponderam à maioria das vítimas (52,4%), enquanto que as faixas etárias mais afetadas foram as de 10 a 19 anos e 40 a 59 anos (ambas com 21,4% do total). Os dados mostram ainda que maioria dos envenamentos ocorreu por picadas de escorpião (67%), apesar de as picadas de abelha terem apresentado a maior taxa de letalidade, com 56,8% dos atingidos indo a óbito.
Em relação ao local em que os acidentes com animais peçonhentos aconteceram, áreas urbanas ficaram com a liderança (72%), superando as rurais (27,6%) e periurbanas (0,46%). E mesmo com as ocorrências tendo crescido de forma expressiva ao longo dos anos, apenas 5,3% das pessoas envenenadas tiveram acesso ao tratamento com os soros já existentes, como o antiofídico e o antiescorpiônico.
Em entrevista ao SBT, Jacqueline aponta fatores que influenciaram nos números e explica como surgiu a ideia do estudo. Segundo ela, tudo começou quando fez uma viagem à Universidade Federal do Ceará (UFC), em 2019, para realizar seu pós-doutorado juntamente com os pesquisadores do Projeto Pele de Tilápia, mas precisou mudar os planos ao se deparar com o biotério do local fechado, visto que ele seria utilizado em outro trabalho.
Enquanto pensava em um novo projeto na UFC, então, conheceu uma técnica da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (Sesa) e, a partir desse encontro, foi fechada uma parceria para que dados coletados pela Sesa fossem transformados em artigos científicos. Posteriormente, como primeiro fruto da colaboração, veio a pesquisa "Epidemiologia de acidentes envolvendo animais peçonhentos no Estado do Ceará, Brasil (2007-2019)".
Motivos do aumento nos casos
Jacqueline pontua que não há apenas um motivo pelo qual o número de envenamentos cresceu no território cearense. "O perfil epidemiológico do Ceará ele é muito semelhante a outros estados nordestinos, inclusive, aqui na Bahia, então existe uma tendência de aumento de casos por várias razões. Uma delas é justamente a questão da notificação".
Segundo ela, em 2010, a notificação de acidentes desse tipo passou a ser compulsória por parte dos profissionais de saúde, em decorrência de uma decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS), emitida no ano anterior, que incluiu acidentes com animais peçonhentos na lista de doenças tropicais negligenciadas. Dessa forma, casos que não costumavam ser registrados passaram a ser e surgiu uma preocupação maior com o correto preenchimento das fichas utilizadas para esses registros.
Porém, diz a pesquisadora, o aumento ocorreu também por causa do acúmulo de "lixo, crescimento urbano desordenado, falta de condições higiênico-sanitárias". Por ser propício para aparecimento de baratas e ratos, um cenário como esse atrai também escorpiões e cobras, que se alimentam desses seres.
Perfil das vítimas
O estudo mostra que o fato de a maioria das vítimas ser do sexo feminino está relacionado com os casos de picadas de escorpião, que são muito mais expressivos nesse grupo. "Escorpião é típico de envenenamento com mulher e criança, por quê? Porque elas ficam mais em casa", explica Jacqueline.
Já envenamentos por cobra ocorreram muito mais com pessoas do sexo masculino e o motivo, afirma a pesquisadora, é o trabalho no campo. "Nos locais onde o trabalhador rural ainda bota a mão, coloca a mão, não tem uma bota para proteger, isso é o mínimo e a própria prefeitura poderia distribuir", pontua.
Jacqueline analisa que mesmo os acidentes com animais peçonhentos estando na lista da OMS, "os governos não entendem isso como uma doença negligenciada, não entendem isso, não só os governo federais, mas também os estaduais, não é visto isso como uma prioridade, porque é uma doença de pobre, é uma doença de pessoa do campo, trabalhador rural".
Problemas no tratamento
Atualmente, soros para tratamento de picadas de serpentes, escorpiões e aranhas são produzidos pelo Instituto Butantan, Instituto Vital Brazil, Fundação Ezequiel Dias (FUNED) e pelo Centro de Produção e Pesquisa de Imunobiológicos (CPPI), e distribuídos a todos os estados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com base nas notificações de acidentes.
"A gente dá sorte que no nosso país, apesar de tantas críticas ao sistema de saúde, a gente tem um tratamento gratuito, todo completo, oferecido pelo SUS", fala Jacqueline. Ela relembra ainda que o soro antiapílico, para tratar pessoas que sofreram múltiplas picadas de abelhas, está na fase final de testes pelo Centro de Estudos de Venenos e Animais peçonhentos (CEVAP), da Unesp de Botucatu (SP).
Por outro lado, a pesquisadora explica também que em "algumas regiões mais longínquas existe o problema de distribuição, então, por exemplo, alguns dos soros que são produzidos pelo Butantan e pelo Vital Brazil eles não são liofilizados [em pó], eles são líquidos, aí eles precisam da cadeia de frio".
Segundo ela, tanto o acesso ao tratamento como a eficácia dele seriam melhorados se a produção dos soros fosse regionalmente distribuída, não ficasse concentrada no sul e sudeste do país, e "existe um projeto de fazer um centro soroprodutor no norte, por conta de acidentes por serpentes, principalmente na região norte, mas no nordeste a gente não tem nada".
Tão importante quanto disseminar o tratamento, porém, é conscientizar as vítimas de picadas sobre os riscos que correm ao não passarem por ele, tendo em vista que, nas palavras da pesquisadora, "no interior as pessoas não notificam tanto porque só vão para o hospital quando o paciente está muito mal, porque normalmente eles tratam com beberagem, cachaça com escorpião dentro".
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