Correspondente do SBT reencontra juiz afegão ameaçado pelo Talibã
Reencontro foi num cenário simbólico: ao lado de um muro, com a palavra "esperança"
Sérgio Utsch
Há cerca de um ano, o correspondente do SBT em Londres, Sérgio Utsch, foi enviado ao Afeganistão para mostrar, de perto, a realidade do país logo após a volta do Talibã ao poder. Lá, ele conheceu um juiz afegão que buscava, desesperadamente, fugir do país com a esposa e os filhos. Agora, o repórter se reencontrou com o entrevistado, mas na Alemanha, onde a família vive refugiada.
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Foi numa estação de trem em Kiessen, no interior do país, que combinaram de se encontrar. Mas nada dele aparecer. Já do lado de fora, depois de um pequeno atraso, o reencontro foi num cenário simbólico: ao lado de um muro, com a palavra "esperança" pintada em inglês. Em setembro do ano passado, eles se conheceram em Cabul. Naquela ocasião, estava em frente a um banco, desesperado, como muitos afegãos, para tentar ter acesso ao próprio dinheiro.
Com a voz embargada, contou ao repórter que ele e a família estavam sendo perseguidos pelo Talibã. Ele era o juiz que tinha condenado um integrante do grupo e estava jurado de morte. Só aquela conversa com o correspondente do SBT já poderia levantar suspeita. Ele tentou de tudo pra sair do país, inclusive procurou o Brasil. Dois meses e muitos esconderijos depois, Naqebullah não teve resposta do governo brasileiro, mas acabou sendo acolhido pela Alemanha.
Neste mês, após o reencontro, seguiram para o lugar que agora ele chama de casa, financiada pelo governo alemão. É onde estão duas das grandes razões que o fizeram temer tanto pela segurança da família: Erfan, de 5 anos, e Mehna, de 7. Os pequenos ainda não entendem muito o risco que corriam em seu próprio país.
Eles são da etnia hazara, que tem hábitos um pouco mais modernos que os talibãs. A corrente xiita do islã, da qual eles fazem parte, são alvo tanto do talibã quanto dos principais inimigos do grupo, a filial do Estado Islâmico que atua no país. Ainda mais radicais e extremistas, eles têm atacado mesquitas dessas minorias.
Naqebullah tinha razão de ter medo. Por ele e por sua companheira. No atual Afeganistão, Utsch dificilmente me sentaria perto de Rahima, dificilmente conversaria com ela e, se precisasse, não poderia ser atendido por ela, que é dentista. "Os tabilãs acham que mulheres não podem tratar de homens. Eles queriam punir a mim e a meu marido", relatou.
Ela disse a Utsch ainda que sempre atendeu a todos e, hoje, está no grupo de muitos profissionais qualificados que o Afeganistão perdeu no último ano O país dos talibãs não consegue oferecer a esta família o que Naqebullah diz ter encontrado na Alemanha: "me sinto completamente seguro aqui".
A conversa com o correspondente do SBT foi uma mistura de inglês e alemão, idioma que eles estão aprendendo. Na Alemanha, eles esperam aprender, mas ensinar também. A comida afegã, diz o casal, é incomparável. Na nova casa, eles dividem as funções. Rahima foi para a aula de alemão, e Naqebullah ficou com as crianças.
Seria algo também difícil no país que deixaram para trás. Naqebullah fala ter admiração em ver tantas pessoas diferentes convivendo em paz. "As pessoas têm várias nacionalidades e religiões, mas vivem juntas, sem problemas. Isso é bonito, muito bonito", pontuou. Na Alemanha, ele se sente mais à vontade para dar escolhas aos filhos, inclusive se querem ou não seguir a sua religião muçulmana.
"Eu não posso impor isso a eles. Eu tenho que aceitar. Eles são livres. Podem decidir o que quiserem, a religião que quiserem. Eles são livres", repetiu, como quem tem gosto de dizer isso. Os filhos já vão crescer com outra referência. Ele e a esposa ainda aprendem o idioma para entrar no mercado de trabalho alemão. Naqebullah tinha uma vida acima da média no Afeganistão, mas está feliz em recomeçar. O encontro com o repórter terminou com muitas fotos naquele mesmo cenário da esperança. Naqebullah e sua família perderam seu país, mas o Afeganistão também perde em tê-los tão longe de lá.
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