Clima e vacina serão principais pautas internacionais em 2022
Disputa de influência entre Estados Unidos e China continuará e vai atingir até mesmo a distribuição global de imunizantes contra covid
Giovanna Colossi
A pandemia de Covid-19 e a sua atual proporção era algo impossível de ser premeditado em novembro de 2019, ainda sim aconteceu. As mudanças climáticas são um tema frequente, principalmente nas Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, conhecidas como COP, onde líderes do mundo se unem uma vez ao ano para firmar soluções que possam conter o aquecimento global antes que cheguemos a um ponto sem retorno. No entanto, eventos extremos do clima marcaram o ano de 2021. O Ártico atingiu uma nova temperatura máxima, estados do Brasil enfrentaram secas históricas. Situados no mesmo continente, Alemanha e Itália viveram situações distintas, enquanto um foi atingido por enchentes, o outro sofreu incêndios florestais e temperaturas acima de 40ºC. Os Estados Unidos elegeram um novo presidente, do Partido Democrata, e a tensão com a China que vinha crescendo desde o governo de Donald Trump não diminuiu, e, segundo especialistas, só tende a crescer.
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Esses três tópicos deverão continuar sendo os principais assuntos em pauta no ano de 2022, de acordo com o professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Laerte Apolinário Júnior. Ele pontua que as predições levam em consideração os assuntos que estão mais em evidência na reta final de 2021, mas que tudo é em "termos de probabilidade".
Pandemia
A medida que a vacinação avança, o número de novos casos e óbitos está diminuindo gradualmente ao redor do mundo. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) apontam que mais de 8 bilhões de doses de vacina já foram administrados. No entanto, regiões mais pobres ainda enfrentam problemas para ter acesso aos imunizantes, e isso, segundo o especialista, será tema de debates em 2022.
"O gerenciamento da pandemia, em especial em relação à distribuição global de vacinas, e possíveis novas mutações que possam ocorrer do vírus justamente em função dessa desigualdade em relação ao acesso global de vacinas, será algo bastante discutido no próximo ano", mencionou o professor.
A inequidade vacinal foi, inclusive, tema das últimas coletivas de imprensa dadas por Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS. Em 14 de dezembro, ele alertou para o fato da nova variante Ômicron estar presente em 77 países e ter um grande potencial de transmissão. O chefe da OMS reforçou que a prioridade é vacinar os não vacinados e mostrou preocupação com o fato de que o surgimento da Ômicron possa exacerbar a desigualdade na distribuição de imunizantes. "Se acabarmos com a desigualdade, acabaremos com a pandemia. Se permitirmos que a desigualdade continue, permitiremos que a pandemia continue.", afirmou. Opinião compartilhada com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
"A iniquidade da vacina está dando às variantes um passe livre para correr solta - devastando a saúde das pessoas e economias em todos os cantos do globo", afirmou ao endereçar a meta estabelecida pela OMS de vacinar 40% da população mundial até 31 de dezembro e 70% das pessoas em todos os países até o meio de 2022. Guterres pontuou que, no ritmo atual - com as taxas de vacinação nos países de alta renda 8 vezes maiores do que nos países da África - o continente não atingirá o limite de 70% até agosto de 2024, dois anos depois da meta estabelecida.
"Estou profundamente preocupado. Se as coisas não melhorarem - e melhorarem rápido - teremos tempos ainda mais difíceis pela frente ", alertou o chefe da ONU, em coletiva de imprensa, em 16 de dezembro.
Mudanças Climáticas
"Essa é uma temática que tem dominado cada vez mais a pauta internacional. É um tema que tem aparecido em diferentes negociações internacionais, em diferentes espaços institucionais, e deve continuar dominando a agenda, não apenas no ano que vem, mas ao longo dos próximos anos.", comentou o professor da PUC-SP. Para ele, enquanto a pandemia será tratada com mais imediatismo, nos próximos anos, a questão climática deve ser um assunto frequente.
A preocupação é justificável. Em relatório global de riscos divulgado no início de 2021, o Fórum Econômico Mundial, apontou as mudanças climáticas entre os principais riscos à humanidade. Segundo a organização, o fracasso da ação climática e outros riscos ambientais estão à frente dos riscos de armas de destruição em massa e de crises de subsistência e de débito, perdendo apenas para doenças infecciosas.
O impacto ambiental causado pela humanidade é também um dos riscos mais prováveis de nos afetar diretamente nos próximos dois anos. Segundo relatório divulgado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), em agosto do ano passado, as mudanças no clima, na realidade, já podem ser sentidas em todas as regiões do planeta. Se continuarmos no ritmo anual, o painel apontou que a previsão de aumento de 2°C na temperatura global vai ser ultrapassada antes mesmo do fim deste século, e foi por isso que o acordo final entre os quase 200 países-membros na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26) realizada em Glasgow, na Escócia, entre 31 de outubro e 12 de novembro de 2021, desagradou muitos especialistas da área ambiental. O texto final deixou perguntas sem respostas e uma nítida divisão entre as nações participantes
Ainda sim, promessas foram feitas e o acordo costurado prevê redução gradativa dos subsídios aos combustíveis fosseis e uso do carvão. Um outro ponto positivos do "Pacto de Glasgow" é que, já na próxima COP, em 2022, no Egito, os países terão que aumentar suas metas de redução nas emissões.
Ao ser questionado se podemos esperar sanções ou acordos comerciais que levem em consideração as mudanças do clima, o especialista acredita que sim. "Eu diria que as mudanças climáticas terão um peso cada vez maior nessas relações, tanto diplomáticas, quanto comerciais - entre os países de forma mais específica "
Conflito Estados Unidos x China
A eleição do democrata Joe Biden, após quatro anos de Donald Trump, não significou uma trégua na atual tensão entre Estados Unidos e China. Diferente do previsto, ao assumir o cargo de 46º presidente dos Estados Unidos, Biden não reduziu ou atenuou as disputas geopolíticas e econômicas, o que te sem observado é uma continuidade e acirramento dessas tensões.
O professor de relações internacionais explica o por que, "a gente observa que essa disputa, ela envolve mais do que diferentes opiniões domésticas ali nos Estados Unidos em relação ao significado da ascensão da China, o que está acontecendo é a velha disputa, por assim dizer nas relações internacionais, entre a potência estabelecida e a potência emergente. É uma disputa que sempre se observou na história, em diferentes situações, porém com diferentes características"
Ainda segundo o especialista, essa guerra de influência acontece em diferentes âmbitos, só que agora com uma linguagem mais diplomática. "O Biden tem adotado uma abordagem mais diplomática, tem buscado soluções multilaterais para destacar que os Estados Unidos estão de volta nas grandes arenas de discussão global", como o fortalecimento do Quad (Diálogo de Segurança Quadrilateral, em português), grupo criado em 2007 para tratar de questões do Indo-Pacífico e visto por muitos como uma tentativa de barrar a influência de Pequim na região. A disputa, no entanto, não deve escalar para um conflito bélico.
" A China tem uma preocupação de de expandir a sua influência econômica pelo mundo e, por outro lado, a gente observa que os Estados Unidos vão tentar conter na medida do possível. Eu acho que esse aumento nas disputas econômicas entre ambos os países nessas várias frentes, e o fortalecimento na militarização da China vai acabar gerando uma tensão cada vez maior, como é o caso ali, por exemplo, do mar no sul da China. Eu não acredito que essas tensões escalem para uma guerra generalizada entre as duas potências, eu acho que isso seria impensável, mas acho que a gente pode esperar episódios de violência localizados, com os dois países se enfrentando de forma mais indireta. Em especial em países pobres, ricos em recursos naturais, por exemplo, com ambos os governos apoiando um lado ou outro, em contextos específicos."
A guerra de influência, porém, deve atingir até mesmo a distribuição de vacinas para países mais pobres. O professor explica que o combate global à pandemia deve continuar sendo uma das principais pautas do cenário internacional, em especial debates sobre distribuição de vacinas, como levar as vacinas para as populações dos países mais pobres e, nesse sentido, tem se observado disputas geopolíticas muito explicitas entre grandes produtores de vacina - que por sua vez, são as grandes potências - por influência no sistema internacional, naquilo que ele chama de "diplomacia da vacina"
"A observou que, após a chegada de Biden ao poder, os EUA anunciaram a doação de milhões de doses de vacinas para os países mais pobres. A China e a Índia já estavam bastante ativos nessa diplomacia da vacina, por assim dizer, desde o começo do ano. Recentemente, com o surgimento dessa nova variante e desses anúncios feitos pelo governo Biden, o Xi Jinping anunciou a doação de novas doses - uma quantidade bastante significativa também para esse país - então, eu diria que o debate sobre distribuição de vacinas vai se dar por um caráter muito mais competitivo, em termos de influência no cenário internacional por essas principais potências, do que um caráter mais cooperativo, colaborativo. Eu não acredito, por exemplo, em uma cooperação muito expressiva entre a China em Estados Unidos nessa temática"