Descoberta de documento falso do PCC frustrou ataque a Moro em 2022
Criminosos mudaram às pressas endereço de primeiro esconderijo em Curitiba, durante o 2º turno das eleições, diz PF
Em agosto de 2022, os moradores do edifício Bellagio, na região central de Curitiba, estranharam os novos vizinhos do apartamento 51. Três homens tatuados, de pouca conversa e que usavam uma moto estilo de corrida e um carro importado. A desconfiança aumentou depois que tomaram chá de sumiço. Deixaram o prédio, menos de dois meses depois, sem dar satisfação, nem pagar as contas do aluguel, condomínio, água e energia.
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O motivo da fuga, revelado depois pela Polícia Federal, foi a descoberta pela imobiliária de que Gabriel Antonio Basso, o homem que constava como locatário no contrato, não existia. Os suspeitos eram Janeferson Mariano Gomes, o Nefo, que se apresentava como Arthur, Claudinei Gomes Gomes Caria, o Nei, que se apresentava como Marcelo dos Santos, e um membro ainda não identificado que disse ser Gabriel. Todos integrantes do PCC, de alta periculosidade, estavam ali para vigiar os passos do ex-ministro da Justiça Sergio Moro e da família, afirma a PF.
Desde fevereiro, policiais federais monitoravam telefones dos criminosos, montaram campana nos locais usados e visitados, levantaram dados e fizeram registros de imagens, inclusive com drone. O grupo usava o que chamam de "circuito fechado" para comunicação, para dificultarar o rastreamento,lém de códigos e codinomes. Um dos alvos, mostra a PF, trocava o celular a cada duas semanas.
O trabalho da Grupo Especial de Investigações Sensíveis (Gise), da PF em Cascavél (PR), mapeou a movimentação da quadrilha, no Paraná, e resultou na Operação Sequaz, deflagrada na 4ª feira (21.mar). A ação desmontou o plano em execução do PCC de sequestros, atentados e até mortes contra Moro, família e outras autoridades, em São Paulo e Rondônia, pelo PCC.
As movimentações dos membros do PCC responsáveis pela vigilância, em Curitiba, começaram em agosto de 2022, pelo menos. A PF identificou nos monitoramentos dos alvos que "as ações para a concretização do ataque ao senador Sergio Moro iniciaram-se, efetivamente, em setembro do ano passado".
O apartamento no Edifício Bellagio fica em uma região estratégica, segundo avaliou o delegado da PF Martin Bottaro Purper, por ser próximo da rodoviária e dos endereços alvos.
Ele foi um dos primeiros alugados, dos quatro imóveis que a facção usou, nesses oito meses de execução do plano. Naquele momento, eles monitoravam o prédio da residência da família Moro, o prédio onde funciona o escritório político e o clube em que o ex-ministro vota, no bairro Bacacheri.
No dia 29 de outubro, segundo turno das eleições, Moro votou no clube e também foi com a mulher, Rosângela Moro, no local em que ela votou e andou pelas ruas da capital.
Eleito naquele momento senador da República e ela deputada federal, Moro postou mensagens em suas redes sociais sobre os motivos que o levaram a votar naquele dia na reeleição de Jair Bolsonaro (PL) - de quem foi ministro da Justiça, após abandonar a carreira de juiz federal, rompeu relações e virou desafeto e reatou depois do primeiro turno.
Em uma das postagens, Moro dá ênfase ao aumento dos assassinatos no Brasil durante os governos do PT, para atacar o adversário Luiz Inácio Lula da Silva, e sobre o endurecimento contra as facções e as transferências de presos realizadas durante sua gestão como ministro da Justiça.
"Sei, porém, que não se deve negociar com terroristas ou com o crime organizado. Os crimes caem em todo país desde 2019 principalmente porque se resolveu combater de verdade o crime organizado, com isolamento dos líderes, apreensões dee drogas e confisco dos bens", escreveu na postagem.
Janela de oportunidade
Para a PF, o dia de votação no segundo turno, 30 de outubro, era uma oportunidade de ação para o PCC. Candidato ao Senado eleito, Moro estaria sem segurança, em tese, no dia da votação.
O delegado da PF destaca que naquele período foi aberta "uma janela de oportunidade" para o crime. "Moro permaneceu com escolta por 180 dias, o que expirou em 24 de outubro, motivo pelo qual ocorreu uma janela de oportunidade interessante para os criminosos."
Não há detalhes sobre o que levou o PCC a não agir no dia da votação do segundo turno, em 2022. Mas as suspeitas dos investigadores são de que a descobertas da imobiliária de que os documentos usados por eles para locação eram falsos e a cobrança levaram eles a abandonar o local, o que teria interferido na execução
"Em diligências ao local, foi constatado que os criminosos, especialmente Janeferson, Claudinei e mais dois indivíduos, ainda não qualificados, alugaram um apartamento e uma casa na mesma imobiliária, sendo que por causarem transtornos no referido edifício e, também, por não pagarem os valores devidos pela ocupação dos imóveis, foram procurados tanto pelo síndico do prédio quanto pela própria imobiliária. Por isso, chegamos às imagens já apresentadas, bem como a confirmação de utilização de documentação falsa por Claudinei, bem como pelos dois homens ainda não qualificados e a presença de Janeferson", trecho da representação da PF na Operação Sequaz.
Um segundo imóvel, uma casa na rua Marechal Cardoso Júnior, no Jardim das Américas, em Curitiba, também foi alugado nessa fase, na mesma imobiliária do apartamento 51 do Bellagio, mas esse em nome de Bruno Hass Antoniassi, também documento falso usado pelo PCC.
Uma das mensagens interceptadas pela PF do celular de Nei - que também aparece como "Carro sem moto léguas" do grupo -, ele conversa com outro membro da facção chamado MIlca e citam o apartamento que "nós perdeu".
Na interpretação dos policiais eles se referem ao "apartamento 51, do edifício Bellagio, em Curitiba/PR, do qual saíram fugidos sem pagar o aluguel porque a imobiliária descobriu que foi alugado com documentos falsos".
Plano em execução
Os dados levantados pela PF sobre essa fase da ação do PCC, ainda em 2022, deram os elementos para apontar os motivos da escolha de Moro como alvo dos crimes. Desde documentos que foram localizados nas diligências, análises de conteúdo obtidos com as quebras de sigilos dos quatro telefones celulares usados pela quadrilha, como informações repassadas pelo Ministério Público de São Paulo.
As investigações da PF começaram após um ex-membro do PCC jurado de morte, que virou informante dos promotores do Gaeco, do MP paulista, ter relatado saber do plano, e ter indicado algumas de suas lideranças, bem como informado quatro números usados. Disse que havia monitoramento em andamento, locais em operação, armas etc.
Com autorização da juíza federal Sandra Soares, da 9ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, eles iniciaram o acompanhamento das linhas e análise das contas usadas. Descobriram que o monitoramento do PCC era detalhado.
A PF interceptou um relatório feito por um dos vigias da facção nos celulares usados. Nele há detalhes do local, o Clube Duque de Caxias, rotas de fuga, pontos de câmeras, onde existem seguranças etc.
Analisando as imagens do Edifício Bellagio descobriram que os veículos usados pelos criminosos, no final de 2022, eram uma moto CB 1000R e um carro Mercedes Benz ML500, em nome de transportadora de Contenda (PR), mas com comunicação de venda, em 2 de fevereiro deste ano.
A PF buscou os dados e viu que estava em nome de José Abrantes, que descobriram ser pai de Hemilly Adriane Mathias Abrantes, mulher de um membro do PCC e irmã de dois outros faccionados. O marido foi resgatado em 2018 do presídio de Piraquara (PR). Mesmo ano em que o PCC iria resgatar Marcola e outras lideranças da Penitenciária 2, de Presidente Venceslau (SP).
Descobriram também que uma outra casa havia sido alugada, após abandonarem os imóveis anteriores, na Rua Coronel José Ribeiro De Macedo Júnior, no Jardim Social. Foi montada campana no endereço e feito diligências.
Imagens de drones da PF, por exemplo, mostram que os imóveis estariam em uso até março. Foram localizadas também imagens internas do QG do PCC para a ação contra Moro, no monitoramento dos celulares.
No pedido de prisão e buscas nos endereços dos alvos entregue à Justiça Federal, de 13 de março, o delegado da PF Martin Borttaro Purper afirma que os dados levantados "demonstram a intensidade de ações dos criminosos" em Curitiba e aponta dois fatores novos para justificar a deflagração da Operação Sequaz.
Foram 120 policiais federais nas ruas, no Distrito Federal e mais quatro estados, São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul e Rondônia. Eles cumpriram 11 ordens de prisão e 24 de buscas e apreensões. Nove alvos foram detidos, entre eles, o Nefo, que estava em sua casa em Sumaré (SP). As ordens foram da juíza Gabriela Hardt, que ocupava no plantão a 9ª Vara Federal de Curitiba.
Fatos novos
Dois novos elementos e o esgotamento das análises das quebras de sigilo levaram a PF a colocar nas ruas a operação contra o plano investigado do PCC, de sequestros e atentados contra Moro e autoridades na última semana: novas descobertas nas diligências do inquérito e uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do início do mês.
Em relação ao inquérito, foram encontrados dados, anotados em um caderno dos integrantes, que indicariam "continuidade das ações" contra Moro até fevereiro.
"Chegamos a novas anotações que estavam em um mesmo caderno sendo que uma das folhas tem a data de 09.02.2023 referindo-se à Cidade de Cascavel/PR e outra tem claramente a anotação da continuidade das ações em Curitiba vinculadas diretamente a "Tokyo", código estabelecido pelos criminosos para se referir ao senador Sérgio Moro", registra o delegado da PF.
Outro elemento de risco identificado pela PF foi a decisão do STF, do dia 7 de março, de julgar prejudicada a Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF) 518, que previa o retorno das visitas íntimas e o fim da regra de contato só por parlatório.
O delegado da PF registra que o processo era uma "esperança dos criminosos voltarem a comandar com desenvoltura os atos ilícitos das suas organizações criminosas".
"O julgamento da ADPF 518-DF, que pedia a volta da visita íntima como "frente", mas tendo o nítido propósito de permitir o repasse de ordens ilegais como pano de fundo.
"Uma das esperanças dos criminosos voltarem a comandar com desenvoltura os atos ilícitos das suas orcrims era o julgamento da ADPF 518-DF, que pedia a volta da visita íntima como "frente", mas tendo o nítido propósito de permitir o repasse de ordens ilegais como pano de fundo", diz representação da PF na Operação Sequaz
O delegado informa estar certo de que a derrubada da ADPF 518 "acirrará ainda mais os ânimos". "Vale comentar que os custodiados em presídios federais ainda transmitem ordens disfarçadas por códigos no parlatório."
O pedido da ADPF 518 foi do Instituto Anjos da Liberdade, que atua na assistência a familiares de presos, e da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim). O ministro do STF Edson Fachin entendeu que os autores não têm legitimidade para propor o tipo de ação, entre outros.
A PF deve concluir nesta semana a análise do material físico apreendido nas buscas da Operação Sequaz. Os presos não se manifestaram na audiência de custódia, na semana passada na Justiça Federal.
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