Policiais citam quebra de protocolo e ordem truncada em recuo da PM
Presos pela PF relataram desmobilização da Tropa de Choque no acesso ao STF, no dia das invasões em 8/1
As versões dadas para a Polícia Federal por um major e um tenente da Polícia Militar do Distrito Federal, que estavam em posições de comando nos atos golpistas de 8/1, citam "quebra de protocolo" e troca de ordens truncadas ao retratar o recuo da Tropa de Choque, no acesso ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), em um momento crucial da invasão aos prédios dos Três Poderes, em Brasília.
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O major Flávio Silvestre Alencar e o tenente Rafael Pereira Martins foram questionados sobre a desmobilização e o recuo da tropa de elite da PM, que estava perfilada no acesso ao Congresso e ao Supremo.
Ouvidos no dia 7 de janeiro, Alencar e Martins contaram sobre o episódio, considerado central pela PF para apurar possível responsabilidade de autoridades de segurança do Distrito Federal em crime de omissão dolosa, entre outras coisas.
São alvos dessa frente de investigação o governador afastado do DF Ibaneis Torres (MDB), o ex-ministro da Justiça e então secretário de Segurança do DF Anderson Torres e o ex-comandante da PM coronel Fábio Vieira.
Major Alencar e tenente Martins foram presos na 3ª feira (7.jan), na última fase da Operação Lesa Pátria, contra os golpistas do 8/1.
Ao todo, quatro PMs foram detidos, todos suspeitos de omissão na segurança do DF. Os outros dois são o chefe do setor operacional da PM, coronel Jorge Eduardo Naime, que estava afastado, mas foi depois ao local, e o ajudante de ordem do comando da PM capitão Josiel Perreira César.
Versões
Os depoimentos dos PMs foram tomados no dia da prisão, pelos delegados da PF Eduardo Moreno Izel e Raphael Soares Astini. Os investigadores quiseram saber dos PMs sobre o momento em que uma viatura passa pela barreira da Tropa de Choque, no acesso ao STF, a formação é desfeita logo depois e os policiais recuam, enquanto a multidão avança para as novas invasões.
Ambos relataram que a remoção da tropa do local decorreu de uma ordem repassada pelo ajudante de ordem do então comandante-geral da PM, Fábio Vieira, para um socorro a ele e outros policiais, que estariam sob risco dentro do Congresso, em um cerco formado por golpistas.
Tenente Martins é o comandante do 1º Pelotão de Choque da PM do DF. Revelou que, naquele momento, 24 homens da PM treinados e equipados para enfrentar os golpistas estavam perfilados, em uma barreira humana em frente a ônibus, viaturas e um blindado. Quando o carro ocupado pelo major Alencar encosta, a versão de Martins é de uma quebra de protocolo.
Segundo seu depoimento, no dia 8 foi acionado às 12h20 para que fosse com sua equipe, de 30 homens, para a Esplanada. A Tropa de Choque chegou às 14h45, sem saber o número de manifestantes. Martins relata que recebeu a ordem para posicionar sua equipe na rampa superior de acesso ao Congresso e que logo avistou "centenas de manifestantes nas dependências".
Os 24 homens do Choque formaram então a linha com escudos e material químico para bloquear e enfrentar os golpistas.
"A equipe teve muitas dificuldades em realizar a contenção da turba de manifestantes. Algumas pessoas na multidão lançaram pedras e fogos de artifício contra os policiais", comandante do 1º Batalhão do Choque da PM tenente Rafael Pereira Martins.
Como o terreno tinha obstáculos e havia o risco da tropa ser empurrada para uma região perigosa, relata o tenente, "teve que recuar a equipe para a via S1", pista que dá acesso ao STF.
"Em dado momento, visualizou uma viatura da PMDF cor branca se aproximar", contou Martins. Major Flávio Alencar, comandante do 6º Batalhão da PM, responsável pelo policiamento na Esplanada, era quem estava no carro, com seu motorista, sargento Ortiz.
"O major Flávio Alencar informou que o comandante geral da PMDF, coronel Fábio Augusto estava encurralado por manifestantes dentro do Congresso Nacional e que necessitava de apoio", registra o termo do depoimento do chefe da Tropa de Choque. "O declarante respondeu ao major que não poderia, naquele momento, desmembrar a sua tropa de Choque e que este era o protocolo a ser seguido."
Martins afirmou que o major respondeu "ter conhecimento do protocolo, porém, ponderou" que, naquele momento, "a situação de risco pela qual passava o comandante-geral exigia um apoio imediato da Tropa de Choque".
"Em razão disso, deu a ordem para que a equipe de Patamo se deslocasse para o interior do Congresso Nacional a fim de prestar apoio ao comandante geral e a outros policiais que porventura estivessem em dificuldades na contenção dos manifestantes."
Tenente Martins afirma que "em momento algum contribuiu, seja de maneira dolosa, seja de maneira culposa, para que os manifestantes invadissem o prédio do Supremo Tribunal Federal".
Ordem
Major Flávio Silvestre contou que determinou o envio de reforço do Choque para dentro do Congresso, após ser acionado por um ajudante de ordem do comandante da PM Fábio Vieira.
No depoimento, declarou ter recebido informação do ajudante de ordens do comandante-geral da PM, capitão Josiel, "de que ambos estavam presos, cercados, por manifestantes, que o comandante-geral estaria ferido. Ainda que havia outros policiais feridos".
"Solicitou ao tenente Martins de que lhe dispusesse quatro viaturas do Choque, ou seja, 16 policiais, para que o acompanhassem até o interior do Congresso Nacional, para resgatar o comandante-geral (da PM, Fábio Vieira), assim como outros policiais que ali estariam cercados e feridos", major Flávio Silvestre Alencar, comandante da PM na área da Esplanada, no 8/1.
Major Alencar contou que não facilitou a invasão ao STF e que os policiais do Choque que o acompanharam na tentativa de socorrer o comandante da PM dentro do Congresso não estariam "realizando confronto com os manifestantes".
"Estavam desembarcados de suas viaturas, mas fora do confronto. Os policiais que estavam era confronto com os manifestantes, assim continuaram, e a retirada dos 16 policiais para lhe acompanhar não prejudicou o confronto com os manifestantes."
Em seu depoimento à PF, o ex-comandante-geral da PM Fábio Vieira havia relatado que foi para o Congresso para conter os golpistas e depois para o STF, tendo inclusive se ferido, como relataram os outros policiais.
"Chegou a ser ferido na cabeça ao tentar que as pessoas não entrassem", registra seu depoimento. "Com um efetivo inicial muito pequeno, ficou mais tempo tentando tirar as pessoas de dentro do prédio."
Alencar afirma "que entende que aquele efetivo do Choque não conseguiu conter mais os manifestantes quando as munições químicas acabaram". Antes do fim da tarde, os prédios foram retomados pela PM e outras forças de segurança, que foram enviadas ao local.
"O efetivo do Choque empregado naquela ocasião era insuficiente", afirmou o major Flávio Alencar, que comandava a área da Esplanada no 8/1.
Segundo ele, o vídeo que foi divulgado foi editado. "A equipe de choque que ficara na S1 deixou de ser capaz de conter os manifestantes muito tempo depois da sua saida."
Depoimentos
Os depoimentos do major Alencar e do tenente Martins, assim como dos outros dois PMs presos pela PF, coronel Jorge Name e sargento Josiel, são importante spara os investigadores decifrarem se houve facilitação ou outro tipo de omissão, intencional, das autoridades de Segurança do DF, sob o comando do ex-secretário Anderson Torres e do governador afastado Ibaneis Rocha.
O cruzamento das declarações, dos documentos do planejamento de segurança com os documentos, imagens e outros dados das investigações sobre os crimes do 8/1, apurados nos processos do STF, vão apontar se houve quebra de comando e quem foram os responsáveis.
Os crimes investigados são:
- Associação criminosa armada
- Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
- Golpe de estado
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça com emprego de substância inflamável contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima
- Deterioração de patrimônio tombado
Tanto Alencar como Martins relatam problemas na operação de segurança na Esplanada, naquele dia 8 de janeiro, e negam terem sido omissos ou colaborado com os crimes. Os dois relataram sequer saberem previamente quantos policiais tinham disponíveis e quantos manifestantes estavam no local.
A ordem dada para o recuo, em salvamente ao comandante-geral da PM, também é um ponto que a PF quer se aprofundar. As versões têm similaridade, mas pontos que precisam ser melhor detalhados. Outro ponto é sobre a falta de informações que as equipes policiais chamadas relataram.
Major Alencar conta que nos dias anteriores os policiais receberam informes a respeito de manifestantes, com um folder enviado pelo coronel Casemiro por Whatsapp, "dando conta de que haveria uma manifestação nos dias 7 e 8 de janeiro com a chamada 'Tomada do poder pelo povo'". "Contudo, não recebeu qualquer comunicado oficial do comando regional."
As apurações contra os policiais prosseguem. A PF deve realizar novas diligências, a partir dos depoimentos dos PMs presos, para descobrir se o comando-geral, ou a Secretaria de Segurança, ou mesmo o governador afastado tiveram responsabilidades sobre os crimes.
Laudo da perícia técnica científica da PF, anexado junto com os depoimentos ao processo, informa que não há como concluir que Ibaneis tenha agido intencionalmente, por ação ou omissão, para a falta de capacidade da PM de reprimir os atos golpistas e a invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes.
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