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Letalidade policial cai 77% em batalhões da PM em SP que usam câmeras portáteis

Medida é defendida por especialistas e pré-candidatos ao governo do estado

Letalidade policial cai 77% em batalhões da PM em SP que usam câmeras portáteis
Policiais militares com câmeras acopladas à farda (Divulgação/Governo de São Paulo)
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Nos 19 batalhões da Polícia Militar em São Paulo que -- desde junho do ano passado -- utilizam câmeras acopladas ao uniforme de PMs, para monitorar as ações dos agentes, houve uma queda de 77,37% no número de mortes em decorrência de intervenção policial nos primeiros cinco meses de 2022, em comparação com o mesmo período de 2021. As unidades que não utilizam a tecnologia também apresentaram queda no índice, mas quase 20 pontos percentuais menor: 57,5%. Os dados são da Secretaria de Segurança Pública (SSP), segundo a qual as câmeras contribuíram para a diferença. Ainda de acordo com a pasta, a tecnologia ajudou numa redução na quantidade de policiais militares mortos: em 2021, foram quatro em serviço e 11 fora de serviço, os menores números desde o início da série histórica, em 2001. Ante o registrado em 2020, houve 60% menos mortes.

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Em São Paulo, a implantação das primeiras câmeras nos uniformes de PMs foi feita em 1º de agosto de 2020. Atualmente, segundo a SSP, a Polícia Militar conta com 8,1 mil dispositivos distribuídos em 49 batalhões em todo o estado. Mais de 10,1 mil deverão estar em funcionamento até o próximo mês. De acordo com a PM, a corporação "tem em seu efetivo 81.278 policiais militares, 97 Batalhões Operacionais do interior, capital e Grande São Paulo, além de 15 unidades de BAEP [Batalhão de Ações Especiais de Polícia]".

Para a doutora em direito penal e presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Marina Coelho Araújo, no geral, o uso de câmeras nos uniformes de PMs é "positivo" e "muito produtivo". Isso porque, de acordo com ela, é necessário aumentar o "grau de racionalidade da atuação" policial no país, e a medida é "justamente" esse aumento. "Então quando você filma, quando você está com essa fiscalização na ponta, você consegue de forma muito mais eficiente controlar o uso da força pela polícia", completa.

Araújo avalia ainda que tudo que puder ser feito "para organizar e colocar o controle da força [policial] de forma racional e estruturada, conforme a nossa legislação, é bom". A doutora em sociologia e líder do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos (Gevac/UFSCar), professora Jacqueline Sinhoretto, concorda que as câmeras acopladas ao uniforme de policiais militares configuram "uma medida positiva". Em suas palavras, "o estado de São Paulo levou muito tempo para adotar diante dos padrões de letalidade policial que as polícias paulistas mantiveram ao longo de mais de uma década, um crescimento, então era necessário tomar alguma medida para frear o crescimento da violência policial e uma estabilização em níveis muito altos mesmo se comparado com outras polícias brasileiras e que é muito alta se comparado com outras polícias internacionais".

Conforme as estatísticas trimestrais da SSP, de janeiro a março deste ano, foram 96 casos de morte em decorrência de intervenção policial (PM), excluídos homicídios doloso e culposo. No mesmo período de 2021, houve 192. De acordo com Sinhoretto, a câmera no uniforme, "além de ter obrigado aos policiais um comportamento menos agressivo e menos violento nas abordagens, trouxe uma surpresa, que ninguém esperava, que era a proteção do próprio policial". "Então é muito positivo tanto para o cidadão quanto para o profissional da segurança pública."

A professora da UFSCar é favorável à implementação das câmeras portáteis em outras forças de segurança também, como a Polícia Civil, mas entende que o custo para a colocação em todos os agentes é significativo. "Talvez ter uma ação integrada com as câmeras [fixas] que já existem seja uma atitude muito positiva ou dotar de câmeras aqueles segmentos policiais que estão mais submetidos ao risco no trabalho. Então, por exemplo, o policial num serviço interno, ele não precisa estar portando o tempo todo uma câmera, porque você tem câmeras em entrada e saída, você tem outros mecanismos de monitoramento da ação policial. A câmera não é o único mecanismo de monitoramento da ação policial, ela é um mecanismo importante", pontua. Em sua visão, o monitoramento da ação do agente por meio de tablets e celulares pode surtir o mesmo efeito que a câmera portátil, "às vezes até com custos econômicos mais baixos".

As câmeras portáteis gravam de forma automática todas as atividades policiais no turno de serviço e, assim, garantem acompanhamento instantâneo das ações. Mediante requisição, os vídeos podem ser compartilhados também com o Ministério Público e Poder Judiciário. Segundo Sinhoretto, "muitas polícias americanas já usam a câmera há vários anos, inclusive no Brasil isso era uma discussão de oito anos já". "Há oito anos estava sendo discutido o uso das câmeras, então ele foi implementado recentemente, mas já tardiamente, em função daquilo que a própria Polícia Militar já havia previsto."

No Canadá, fala a professora, os policiais dispõem de câmeras também e utilizam as imagens captadas para fazer o monitoramento em tempo real. Dessa forma, nos casos em que policiais brancos abordam um grupo de jovens negros ou policiais negros abordam um grupo em que a maioria dos integrantes é branca, e, portanto, pode ocorrer racismo, por exemplo, é possível solicitar uma supervisão instantânea. Sinhoretto pondera que a câmera ou outros dispositivos que possibilitem o monitoramento não são as únicas medidas importantes para diminuir a violência policial. A regulamentação da ação de abordagem também é importante. 

"Você tem uma falta de regulamentação da ação de abordagem [no Brasil]. Então, por exemplo, o que é uma fundada suspeita? São categorias muito vagas, e mesmo os protocolos de abordagem não são vinculativos. O policial que violar o protocolo de abordagem não é necessariamente punido, e às vezes ele não dispõe de alguns recursos que ele poderia dispor, por exemplo, de apoio e supervisão imediata no seu trabalho, que as câmeras podem vir a ajudar, por exemplo. Que haja um supervisor acompanhando em tempo real o desenrolar de uma ação mais complexa, de uma ação mais tensa. Então esse tipo de coisa é esperado que seja o próximo passo, num melhor aproveitamento das câmeras", afirma.

A líder do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da UFSCar relembra que "a função de existir da polícia é poder fazer o uso da força", e, por isso, não é esperado que todos os anos não haja mortes em decorrência de intervenção policial, mas que se a maioria das ações policiais envolvem abusos de letalidades e estes "vão sempre recair sobre uma mesma população que tem uma marca de raça, que tem uma faixa etária, que tem uma região de moradia na cidade, aí nós estamos falando de uma permissividade para esse abuso e não apenas de um uso necessário".

A presidente do IBCCRIM, Marina Coelho Araújo, analisa que um treinamento constante dos profissionais, para que saibam o que podem e devem fazer, é a principal medida para reduzir a letalidade policial. Em segundo lugar, vêm as condições de trabalho. "Então as pessoas têm que trabalhar em condições humanas e legais. Então em condições de tempo, condições de estrutura. Tudo que elas puderem fazer em relação ao trabalho delas, elas têm que ter estrutura para fazer isso. Treinadas e com estrutura, ainda alinhada a essa questão da câmera, a gente tem uma situação que pode mudar a atual de ainda muitas mortes em operações policiais", acrescenta.

De acordo com ela, um número alto de mortes precisa ser evitado, "porque isso acaba aprofundando um problema de desigualdade social que a gente tem no país e que causa inúmeras consequência sociais".

Pré-candidatos a governador

Dos oito pré-candidatos a governador de São Paulo neste ano, pelo menos seis defendem o uso de câmera no uniforme de policiais militares. O ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT), que lidera as pesquisas de intenção de voto, afirmou -- em entrevista ao Poder Expresso, do SBT News, em 30 de maio -- que vai mantê-las, mas propôs um novo plano para a segurança pública: "Eu vou manter, mas eu vou fazer um plano de metas de redução da criminalidade. Aumento da resolutividade dos crimes, associado a um plano de valorização profissional dos trabalhadores em segurança. Tanto policiais civis, quanto policiais militares".

Haddad explicou que a medida pretende atuar em duas frentes: passar uma segurança maior à população e investir na valorização da carreira policial, com formação continuada de profissionais. O ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas (Republicanos), por sua vez, tem repetido que pretende reavaliar a política das câmeras. Segundo ele, a tecnologia inibe a ação policial nas ruas e é um "voto contra o agente público". Tarcísio é o provável candidato a disputar o segundo turno das eleições com o candidato Haddad. 

Apesar de não ter abordado o tema durante a sabatina do Poder Expresso, em 3 de junho, Tarcísio vem afirmando que a ferramenta limita a ação policial e não é a forma mais efetiva de se combater o crime. Ele já disse ao SBT que é mais barato comprar tornozeleiras para monitorar presos do que filmar ações policiais.

Para a presidente do IBCCRIM, "o policial que está realizando a atividade que ele tem que realizar não tem que ter receio". "E eles são treinados para isso. Então eu não vejo esse ponto negativo. Porque se a pessoa está com receio, é porque ela está fazendo que ela não deve", completa. A líder do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da UFSCar faz uma análise similar: "Nenhum profissional, em qualquer ramo de atividade que esteja bem treinado, que disponha dos recursos para exercer sua atividade, vai se sentir constrangido por uma apuração da sua ação. Eu não vejo esse lado negativo". Em sua visão, os bons policiais só terão se trabalho valorizado quando as práticas abusivas dos agentes sem "compromisso com a melhoria da segurança pública" forem combatidas.

Ao Poder Expresso, em 2 de junho, o atual governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), que pretende seguir no comando do estado o ano que vem, defende a implatação das câmeras nos uniformes -- feita no governo Doria (PSDB) -- e avaliou que os dispositivos filmam o bandido e protegem o policial. Sobre críticas a respeito da captação de imagens nos momentos mais íntimos do agente de segurança, ele rebateu. "Não é verdade que as câmeras estão ligadas num momento íntimo dos policiais, quando eles vão, por exemplo, no banheiro". Entretanto, reconheceu que o debate é importante para aprimorar a política pública em vigor.

À reportagem, o pré-candidato do Novo a governador paulista, o deputado federal Vinicius Poit (SP), disse que "as câmeras corporais são medida acertada feita em São Paulo". "Isso não é  apenas uma opinião, gente. São indicadores que dizem. Os batalhões equipados com as câmeras tiveram melhores resultados de produtividade. Os flagrantes aumentaram 41%, e as apreensões de armas, 12%. Além disso, a morte de policiais em confronto tiveram uma redução dez vezes maior do que nos batalhões que não utilizam as câmeras. Isso sem falar também na queda de resistência à abordagem policial, 32%, e na letalidade dos confrontos, 44%".

Conforme Poit, os índices mostram que a medida troxe mais segurança aos policiais e à sociedade. "É possível aprimorar e melhorar as câmeras? Lógico que é, com certeza, mas não dá para falar que acabar o que está dando certo vai ser o melhor caminho", declarou.

Vinicius Poit fala em vídeo, ao SBT News (Reprodução/WhatsApp)
Vinicius Poit fala em vídeo, ao SBT News | Reprodução/WhatsApp

Já o ex-prefeito de Santana de Parnaíba (SP) e pré-candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT), Elvis Cezar, afirmou que "as câmeras são um avanço que mostra a importância da tecnologia, seja para a Polícia Militar que está nas ruas salvando vidas, seja para a sociedade". "Elas protegem os policiais ao garantir elementos probatórios em casos em que a polícia precisa agir em legitima defesa ou quando há risco iminente, mas também protegem a sociedade de eventuais excessos das forças de segurança. Os números mostram isso: houve queda tanto no número de pessoas mortas em supostos confrontos com a polícia quanto nas ocorrências de resistência às abordagens policiais nos batalhões que usam câmeras. Precisamos garantir que todos os policiais tenham acesso a essa tecnologia e ver onde podemos avançar com equipamentos cada vez mais modernos", completou. Elvis Cezar diz entender como "fundamental" garantir que os dispositivos não firam a privacidade dos agentes.

Altino Prazeres Júnior, pré-candidato do PSTU, falou à reportagem que "as câmeras acopladas aos uniformes dos policiais são importantes para garantir que a ação da polícia sem excessos". "A polícia deve trabalhar com inteligência, para reduzir os confrontos e a letalidade. Desde que as câmeras foram implantadas, os índices de violência caíram e inclusive protegem o policial de possíveis acusações injustas. Temos visto em periferias de São Paulo vários casos de jovens negros sofrendo prisões injustificadas, 'enquadros' violentos, etc. As câmeras ajudam, mas não resolvem esses problemas".

O político diz que as polícias civil e militar tem como prioriodade no território paulista, atualmente, uma perseguição da juventude, especialmente a negra e das periferias, e, em vez disso, deveria focar "na investigação do grande crime organizado". Visando a essa mudança de prioridade, afirma, ele defende "a desmilitarização da polícia, com direito a sindicalização e conselhos populares por bairros que controlem as ações das polícias".

Gabriel Colombo, pré-candidato do PCB, diz seguir a avaliação das estatísticas, ou seja, apoia o uso das câmeras portáteis, porque ajudaram na redução da letalidade policial. "A gente está em um estado em que tem números de violência policial muito elevados. A gente teve anos que superou 900 mortes praticadas pela polícia militar, então é necessário fazer esse controle, essa vigilância sobre o elemento armado do estado", afirmou.

Ele defende a universalização do uso dos dispositivos nas fardas e considera que os governos do PSDB a adotaram tardiamente. Em relação ao custo de armazenagem dos vídeos, fala ser algo que pode ser contornado. Além disso, ressalta existir a possibiidade também de "pensar em desenvolvimento tecnológico que reduza o custo de compra desses aplicativos". "A gente está em um estado que tem vários institutos de pesquisa, três universidades estaduais que são referência no país, que tem cursos aí da tecnologia da informação, que nos permite pensar um trabalho conjunto".

Colombo apoia ainda a implementação de um acompanhamento popular das imagens captadas, "envolvendo os movimentos sociais e populares que lutam pela defesa dos direitos humanos". À assessoria de imprensa do PMB, o SBT News pediu um posicionamento, sobre o tema, do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub também. Ele é um dos pré-candidatos a governador. Entretanto, até a publicação da reportagem, não houve retorno.

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