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Jornalismo

Dos países com mais de 200 milhões de habitantes, Brasil é único com sistema universal de saúde

SUS prevê o atendimento a toda a população gratuitamente. Entre os países com sistemas similares, nenhum tem população tão grande. O Comprova analisou individualmente os países com mais de 200 milhões de habitantes

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Postagem publicada no Twitter pede a defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e afirma que o SUS é o único sistema público de saúde que “atende a uma população com mais de 200 milhões de pessoas” e que “fornece remédios de graça” – algo que, segundo a postagem, nem o equivalente britânico, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês), supostamente faria.

De fato, todo e qualquer brasileiro tem o direito de ser atendido gratuitamente pelo SUS, algo definido na Constituição e na lei 8.080, de 1990. Também é verdade que o SUS fornece remédios gratuitamente. Hoje a população brasileira é de 210,5 milhões.

A publicação, no entanto, comete um erro ao dizer que o NHS não fornece medicação “totalmente de graça”. O sistema britânico oferece remédios gratuitos para uma lista de doenças e para alguns grupos, como idosos, jovens de até 16 anos, populações pobres ou com doenças graves.

O Ministério da Saúde, contatado pelo Comprova, destacou que “o Brasil é o único país do mundo com mais de 100 milhões de habitantes que conta com um sistema público (financiado pelo dinheiro dos impostos), universal (para todos) e gratuito para toda a população”.

Há vários sistemas de saúde no mundo. Em alguns países, o sistema é público, mas, diferentemente do Brasil, a gratuidade cobre apenas parte da população e o atendimento a que as pessoas têm direito pode variar.

Dos países reconhecidos por possuírem sistema de saúde público e universal, como Reino Unido, Canadá, Dinamarca, Suécia, Espanha, Portugal e Cuba, nenhum tem população superior a 100 milhões de habitantes. O mais populoso é o Reino Unido, com cerca de 66,4 milhões de pessoas.

O Comprova só analisou individualmente os sistemas de saúde dos países com mais de 200 milhões, número citado pela postagem. De fato, nenhum deles possui um sistema público de saúde universal, como o SUS. Foram pesquisados China, Índia, EUA, Indonésia, Paquistão e Nigéria.

Esta verificação do Comprova analisou uma publicação do perfil @Adrieli_S do Twitter.

Para o Comprova, uma evidência é comprovada quando não restar nenhuma dúvida sobre a sua veracidade.

Como verificamos

Na verificação foram consultados o Ministério da Saúde, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês) e estudos sobre o SUS.

O Comprova também entrevistou Oswaldo Yoshimi Tanaka, diretor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP); Alcides Miranda, médico especialista em saúde comunitária e professor de Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); e Ivo Lima, mestre em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Além disso, por meio de sites dos governos nacionais e relatórios de organizações internacionais, analisamos como funciona o sistema de saúde em cada um dos outros países com mais de 200 milhões de habitantes

Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais.

Quem tem direito ao SUS?

A Constituição Federal brasileira define que todo brasileiro tem direito a ter acesso à saúde via SUS. A frase “a saúde é direito de todos e dever do Estado” define a ideia. Qualquer pessoa pode ir a uma unidade básica de saúde ou a um hospital e receber atendimento de graça. O SUS não é apenas atendimento médico, mas também vigilância em saúde e fornecimento de medicamentos.

Beneficiários de planos de saúde também têm direito a atendimento pelo SUS – nesse caso, no entanto, as operadoras dos planos privados são obrigadas pela lei a ressarcir os cofres públicos pelos serviços prestados que tenham cobertura do plano.

O que mais o SUS faz?

Há, também, outros serviços que beneficiam a toda população, como atendimento de emergência por acidentes por meio do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu); regulação de hemocentros assim como transplante de órgãos.

Além disso, o SUS financia pesquisas epidemiológicas, importantes para ajudar o governo a avaliar o risco de ocorrência de surtos ou epidemias e também trazer dados para o controle e prevenção de doenças. E, por meio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), fiscaliza a qualidade de alimentos em restaurantes e supermercados.

Vacinas exigidas para bebês também são oferecidas pelo SUS, por meio do Programa Nacional de Imunização, que oferece todas as proteções recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A estratégia é reconhecida mundialmente como um sucesso na vacinação infantil.

O SUS fornece remédios de graça? Quais?

Sim. Entre as doenças cujos medicamentos são fornecidos gratuitamente pelo SUS estão diabetes, pressão alta, asma, HIV e alzheimer. A lista de drogas fornecidas é atualizada anualmente e se chama Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename). O Ministério da Saúde informou ao Comprova que, na última década, o número de remédios incluídos na lista aumentou em 54%: passou de 574 drogas em 2010 para as atuais 885.

Quem precisa de um remédio que está na lista, mas não é oferecido pelo posto de saúde, ou que não está na lista, pode processar o governo (judicializar) para obrigá-lo a pagar o tratamento. Em geral, pacientes ganham a ação se provam à Justiça que correm risco de vida caso fiquem sem o remédio solicitado.

Como era a saúde no Brasil antes do SUS?

Antes de o SUS ser regulamentado em 1990, só eram atendidas as pessoas que tinham carteira assinada, contribuíam para a Previdência e, portanto, faziam parte do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps).

Quem não tinha carteira assinada podia apenas participar de programas específicos do Ministério da Saúde ou das secretarias de Saúde estaduais ou municipais (como vacinação ou combate a alguma doença específica). Caso contrário, era preciso pagar plano privado ou buscar atendimento em instituições filantrópicas, como as Santas Casas de Misericórdia.

A criação do SUS aconteceu no contexto do fim da ditadura militar e diante de denúncias sobre a medicina previdenciária, como os seus custos. O sistema brasileiro foi inspirado no britânico, o NHS (National Health Service), que havia sido implantado 40 anos antes, após o fim da Segunda Guerra.

O NHS é pioneiro no modelo beveridgiano de serviço nacional de saúde, que entende a saúde como uma forma de cidadania. Outros modelos na Europa também se baseiam na ideia do NHS de fornecer cobertura integral para todos os cidadãos, como o de Portugal, criado em 1974, o da Itália, de 1978, e o da Espanha, de 1986.

Uma diferença entre esses sistemas e o SUS é que, no Brasil, apesar de o Estado ser obrigado a dar assistência de saúde gratuita à população, o governo, proporcionalmente, investe menos na área do que outros países.

De acordo com um relatório do Banco Mundial de 2017, mais da metade dos gastos totais com saúde no Brasil são financiados privadamente (individualmente e planos de saúde privados). No país, a despesa pública com saúde representa 48,2% do total, enquanto a média entre os integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 73,4%. Já entre nações com condições econômicas semelhantes, o Brasil está acima apenas da média entre os países do BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul), 46,5%.

Como afirma Alcides Miranda, médico especialista em saúde comunitária e professor de Saúde Coletiva na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os demais países com sistemas de saúde universais como o SUS investem um valor, em relação ao PIB, bem maior do que o brasileiro. “Temos mais população e financiamento público que chega a um terço de outros países na saúde. Mas, mesmo com essas dificuldades, o SUS tem cumprido uma função de priorizar os mais vulneráveis e os mais expostos a riscos.”

O SUS britânico fornece remédios de graça?

A publicação que verificamos erra ao dizer que o NHS não fornece medicação “totalmente de graça”. O sistema britânico é financiado por impostos e fornece medicamentos de graça para doenças crônicas (como diabetes) e para alguns grupos populacionais, como idosos, menores de 16 anos, grávidas e pessoas beneficiadas por programas assistencialistas.

Para o resto da população, há uma taxa de até 9 libras (cerca de R$ 45) para medicações receitadas por médicos do NHS, pois os remédios são subsidiados pelo governo. Quando está internado, o paciente não paga pelo remédio. Remédios para câncer e infecções sexualmente transmissíveis (IST) não têm impostos.

“O NHS tem regras mais restritas sobre o que é ou não oferecido. O SUS, pela Constituição brasileira, deve oferecer tudo. Está escrito: ‘A saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado’. Temos uma relação de medicamentos obrigatoriamente fornecidos, como para diabetes ou pressão alta. Se o remédio não estiver na lista, a pessoa pode judicializar [entrar com processo] e ganhar”, explica Oswaldo Yoshimi Tanaka, diretor da faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

O atendimento primário (em postos de saúde) é de graça e cobre praticamente toda a população britânica – o SUS, por outro lado, cobria cerca de 40% dos brasileiros até 2012. O NHS ainda oferece ambulâncias de graça, internações e assistência social para doenças mentais e tratamento dentário de graça para alguns grupos. Em alguns casos, oferece desconto, assim como o SUS, para que o indivíduo pague o resto.

Como é em outros países com mais de 200 milhões de habitantes?

Nenhum dos outros países com mais de 200 milhões de habitantes no mundo tem um sistema de saúde com atendimento integral para todos os cidadãos.

De acordo com Ivo Lima, mestre em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), países em desenvolvimento têm adotado como alternativa a adoção de sistemas baseados em seguros para ampliar a cobertura em vez da criação de um sistema universal. “Há a cobertura por um seguro, mas é básico. Há uma desigualdade relevante, porque pessoas mais pobres estão mais submetidas ao risco de adoecer, mas são as que menos têm acesso ao serviço de saúde”, afirmou. “É diferente do seguro nacional alemão (onde a cobertura está ligada ao emprego). Lá, não tem diferenças no acesso ao serviço de saúde”.

Saiba qual é o modelo em cada um dos outros países com mais de 200 milhões de habitantes:

  • China

Na China, o sistema público de saúde não é gratuito. Existem os seguros de saúde públicos e os privados. O seguro público é financiado em conjunto por empregados, empregadores e pelo governo. A depender se a região é urbana ou rural, mais ou menos desenvolvida, variam também as porcentagens de subsídio pelo Estado. Além de ajudar a financiar o seguro de saúde em si, os pacientes têm que pagar taxas pelos atendimentos e medicações prescritas, e parte desses gastos pode ser reembolsada posteriormente. Estimativas mostram que, em 2011, a parcela da população coberta por seguro de saúde público passava dos 95%. O sistema de saúde chinês era universal e gratuito até a década de 80. A partir daí, ele sofreu diversas reformas.

  • Índia

O acesso à saúde é um direito constitucional na Índia. Apesar disso, não há um sistema para atendimento universal como o SUS e, segundo a Newsweek, em 2018, 70% dos custos com saúde eram pagos pelos pacientes e essa foi a causa de quase 7% da população estar abaixo da linha da pobreza. Naquele ano, foi implantado o Modicare (em referência ao primeiro-ministro Narendra Modi), um programa que oferece cobertura de até 500 mil rúpias anuais por família (R$ 28,6 mil, na conversão do dia 7 de outubro) para tratamento hospitalar para moradores pobres de áreas rurais e urbanas (neste caso, usando como pré-requisito a ocupação e incluindo empregados domésticos e trabalhadores da área de construção, por exemplo). Quatro anos antes, havia sido criado o National Health Mission, que coordenou iniciativas como o combate à pólio.

  • Estados Unidos

Não há sistema universal de saúde – é necessário pagar para ter atendimento ou remédios. Em hospitais, o paciente pode não ser atendido se não tiver plano de saúde (é o caso de 10% dos norte-americanos, o equivalente a 30,4 milhões de pessoas). O governo subsidia planos de saúde para alguns grupos específicos, como idosos ou pessoas de baixa renda – no entanto, mesmo para eles o atendimento e os remédios não são de graça. Estudo publicado em março no American Journal of Public Health aponta que, dos pedidos de falência feitos nos EUA entre 2013 e 2016, 66,5% estavam ligados a dívidas de saúde.

  • Indonésia

Existe um programa de saúde pública criado em 2014, o JKN, com o objetivo de reduzir as dificuldades de acesso a serviços básicos pela população. O atendimento é feito por meio de seguros oferecidos pelo governo, com cobertura e preço que variam a depender do indivíduo – quem tem emprego formal, por exemplo, pode ter um seguro, parecido com o funcionamento do Inamps no Brasil, antes da criação do SUS. Em alguns casos, o seguro é de graça, como para populações vulneráveis. Vacinas básicas gratuitas são oferecidas para bebês, crianças em idade escolar e para meninas jovens, por exemplo. O atendimento em unidades básicas de saúde tem custo mais acessível, enquanto serviços mais complexos são bastante caros, segundo o Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

  • Paquistão

De acordo com relatório de 2015 do Escritório Europeu de Apoio ao Asilo (Easo) da União Europeia, o sistema de saúde do Paquistão é fortemente privado. O relatório afirma que à época, mais de 65% da população rural não tinha acesso a instalações básicas de saúde ou serviços de qualidade. Segundo texto de 2018 do jornal Dawn, um dos mais prestigiosos do país, cerca de 51% da população paquistanesa não tem acesso a serviços básicos de saúde. O sistema de saúde público é descentralizado, o que significa que ele pode variar entre as diferentes regiões do país. Em 2015, o primeiro-ministro do país lançou um programa nacional de seguro de saúde (PMNHIP) voltado a famílias vivendo abaixo da linha de pobreza, e que atualmente atinge cerca de 4,7 milhões de pessoas, de 77 distritos diferentes (o país tem mais de 150 distritos). O programa consiste em fornecer cupons de saúde de valor fixo, para cobrir serviços emergenciais e de maternidade, por exemplo. Há também um segundo vale com valor maior para sete doenças consideradas de tratamento prioritário, como diabetes, câncer e HIV.

  • Nigéria

O país tem o National Health Insurance Scheme (NHIS), que é um órgão criado pelo governo federal em 1999. Ele funciona como um plano pré-pago: paga-se um valor regular fixo e os fundos dessa arrecadação devem ser destinados a Organizações de Manutenção em Saúde (HMOs), que administram os hospitais e clínicas da Nigéria. Contudo, o sistema de saúde no país é precário devido à corrupção governamental.

Repercussão nas redes

O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.

A publicação foi feita no Twitter no dia 2 de outubro. Em 9 de outubro, tinha 25,7 mil retweets e 65,8 mil curtidas na rede social.

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Investigação e verificação

GaúchaZH, Folha, Band e Sistema Jornal do Commércio participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos UOL, Poder 360, A Gazeta, O Povo e Correio.

Projeto Comprova

Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 24 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição deste ano está dedicado a combater a desinformação sobre políticas públicas. O SBT faz parte dessa aliança.

Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97795 0022.

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