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"Qualquer autoridade que suceda outra pode rever sigilo", diz especialista

Ex-presidente Lula disse que, se eleito, dará "um jeito" nos sigilos de 100 anos impostos por Bolsonaro

"Qualquer autoridade que suceda outra pode rever sigilo", diz especialista
Jair Bolsonaro (Divulgação/Palácio do Planalto)
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Apesar de o presidente Jair Bolsonaro (PL) ter ironizado em abril, dizendo "Em 100 anos saberá", ao responder um usuário do Twitter que lhe perguntou sobre o porquê de decretar sigilo, no prazo máximo permitido pela legislação, em todos "os assuntos espinhosos/polêmicos de seu mandato", a medida pode ser revogada ou ter o prazo reduzido por um eventual novo chefe do Executivo federal. Isso é o que explica o professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Elival Ramos.

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Em entrevista ao SBT News, ele pontuou que "qualquer autoridade que suceda outra pode rever classificações, restrições de sigilo". Ainda em suas palavras, "os atos administrativos sempre são reformáveis ou podem ser anulados também em caso de vício. Então, por exemplo, nesse caso, se houve um abuso e houve uma ilegalidade na classificação ou na restrição que foi imposta, isso pode ser até anulado. Eu anulo e declaro 'isso contraria a Lei de Acesso à Informação, contraria a Constituição Federal', anulo e divulgo. Mas pode haver também situações de, por exemplo, 'olha, até poderia restringir, mas incluíram lá em 25 anos em algum documento aí ultrassecreto. Não, vamos diminuir isso para cinco anos'. Também pode fazer", completa.

De acordo com o professor, essas ações estão previstas em súmula do Supremo Tribunal Federal (STF). Por outro lado, acrescenta, no caso de informações pessoais de terceiros, "evidente que se algum presidente muda de opinião, ele está sujeito também a controle". "Então alguém que diga assim 'ah, agora divulgou um dado meu e eu não queria que divulgasse, eu acho que isso é pessoal'. Sempre o Judiciário vai poder se manifestar sobre isso".

Na última 3ª feira (26.abr), em coletiva para youtubers e veículos da chamada mídia independente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que, se ele eleito presidente nas eleições de 2022, dará "um jeito" nos sigilos de 100 anos impostos por Bolsonaro. "Nunca antes na história do país teve um presidente tão rastejante diante do Congresso Nacional do que o Bolsonaro. Ele não tem força nenhuma. Nem o orçamento que é uma coisa do presidente executar, ele não executa. Quem executa é o presidente da Câmara. Quem executa é o presidente do Senado. E ele vive fazendo os seus decretos-leis, fazendo indulto fora de hora, transformando qualquer coisinha que o filho dele faça no sigilo de 100 anos. Tudo é 100 anos. Mas nós vamos dar jeito nisso, se preparem, que nós vamos dar um jeito nisso", pontuou o petista.

O Governo Federal impôs sigilo de 100 anos em pelo menos quatro casos: dados de encontros entre o presidente da República e os líderes evangélicos Gilmar Santos e Arilton Moura, apontados como pivôs das denúncias de repasses irregulares de verbas do Ministério da Educação; informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto que estão em nome de Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filhos do presidente; processo interno do Exército contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello pela participação em ato político, ao lado do chefe do Executivo, em maio do ano passado; e o cartão de vacinação do presidente. De acordo com a Lei de Acesso à Informação (LAI), que visa a assegurar o direito fundamental a acesso, previsto no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal, a divulgação das informações deve ser feita em conformidade com o princípio da "observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção".

Dessa forma, conforme a lei, a imposição de sigilo pela União, estados, Distrito Federal ou municípios só pode ser aplicada em dois tipos de situações: se a publicação do dado configurar risco ou dano à segurança da sociedade ou do Estado; ou se desrespeitar a intimidade, vida privada, honra, imagem da pessoa, liberdades ou garantias individuais, todos esses direitos constitucionais. No primeiro tipo, o dado poderá ser classificado como reservado (prazo máximo de cinco anos de sigilo), secreto (15 anos) e ultrassecreto (25 anos). Já no segundo, a restrição ao acesso pode ser mantida pelo prazo máximo de 100 anos.

A LAI pontua ainda que, no caso das informações pessoais, ou seja, as do segundo tipo de situação, a divulgação ou acesso por terceiros poderá ser autorizado "diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem". Segundo o professor Elival Ramos, o prazo do sigilo para dados pessoais foi estabelecido em 100 anos porque "é mais ou menos a estimativa de vida máxima das pessoas". "Exatamente por isso, então se estipulou como média [que quando] você vai pedir informação de alguém, essa pessoa já deve ter algum tempo de vida, então os 100 anos são suficientes para cobrir todas as situações". O especialista acrescenta, porém, que "o conceito de informações pessoais, o conceito se for pensar intimidade, vida privada honra e imagem, isso tem inclusive jurisprudência no Supremo, ele vai mudar em função de uma série de dados". Um exemplo, afirma, é que os dados de pessoas comuns, isto é, aquelas que não são artistas, jogadores, políticos ou governantes, normalmente tem um tratamento mais restritivo.

Assim, diz Elival, se fosse juiz e precisasse analisar a legalidade de um sigilo imposto num caso como o da carteira de vacinação do presidente Jair Bolsonaro, falaria "'não, o presidente da República, numa questão envolvendo saúde pública, que é de interesse público, as pessoas querem evidentemente saber como as autoridades estão se pautando', até para saber, por exemplo, vamos dizer que uma pessoa fale assim 'ah, eu não sei se esse negócio faz mal ou não faz. Ah, um bom critério que poderia usar é o seguinte: vou pegar os governantes, o ministro da Saúde, o presidente, quero saber se eles tomaram ou não tomaram essa vacina para ver se eu tomo ou não'. Então é outra situação, e nesse caso não se pode alegar que é uma informação de natureza pessoal que protege a intimidade e tal". O especialista avalia que no caso da vacina de gripe -- se o presidente tomou ou não --, o sigilo poderia ser aplicado, pois não foi estabelecida qualquer restrição de convivência na sociedade para quem deixar de tomar, como ocorreu com a da covid em estados e municípios, configurando, na visão do professor, uma obrigatoriedade de se vacinar. "Se existe uma obrigatoriedade é porque a visão é de que a vacina protege e quem não é vacinado é um foco de transmissão. Então há interesse sanitário público nesse tipo de informação", afirma.

A restrição de acesso ao dado no prazo máximo de 100 anos, diz Elival, não poderia ser invocado também, por exemplo, para os áudios comprovando a prática de tortura na ditadura, porque, segundo a LAI, não pode ser aplicado "com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância". Nas palavras do professor da USP, "as pessoas querem, enfim, recuperar o que aconteceu, não se trata nem de avaliar se alguém vai ser punido, tem a Lei da Anistia, que está em vigor aí". "Não é questão de punição, a questão é outra, é reconstituição da memória histórica, e isso está cuidado pela lei aqui", acrescenta.

Independentemente da opção que União, estado, DF ou município faça em relação à imposição de sigilo, explica o especialista, sempre "caberá ao Judiciário dar a última palavra". "Não é porque a autoridade administrativa fala assim 'não, isso aqui é ultrassecreto, porque protege a segurança do Estado'. Tá bom, então o juiz pode pedir, claro, com sigilo, que seja divulgado, ele faz a liberação e fala 'não, isso não protege a segurança do Estado coisa nenhuma, isso é para ser divulgado' e dá uma ordem em mandado de segurança para aquilo ser divulgado, ou seja, anula aquela classificação que foi feita. E, da mesma maneira, nesse caso da informação de caráter pessoal".

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