Efeitos da crise hídrica poderão influenciar decisão do eleitor em 2022
Especialistas avaliam que impactos econômicos da falta de água poderão influenciar decisão do eleitor
O Brasil se prepara para entrar em mais um ano eleitoral, e especialistas entrevistados pelo SBT News dizem que, ao falar sobre o tema no momento, é possível ter em mente ao menos uma certeza: os problemas gerados pela crise hídrica em curso no país poderão influenciar a decisão do eleitor no pleito.
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O doutor em ciência política e professor do curso de Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS Augusto de Oliveira pontua que "as eleições são fortemente influenciadas pelo cenário da véspera, pelo cenário que antecede o pleito no próprio ano eleitoral, por exemplo". Dessa forma, acrescenta, os eleitores responsabilizam candidatos à reeleição ou um político apoiado pelo atual ocupante do cargo "por um conjunto de condições na vida do cidadão que não depende diretamente de ideologia ou de programa".
"Quer dizer, tem um conjunto de situações que são avaliadas como sucesso ou insucesso, condições normais ou condições difíceis. E quando existe uma piora da situação, uma condição difícil, em especial antes das eleições, no mesmo ano ou recentemente, esse tipo de situação costuma ter um impacto negativo no desempenho dos candidatos à reeleição".
Em relação especificamente às crises hídricas, ressalta, pode-se pensar que em dois níveis de reflexo eleitoral. O primeiro seria um reflexo direto na eventual ocorrência de alguma falta de abastecimento. "Por exemplo, como aconteceu no final do governo Fernando Henrique, quando teve o apagão. Então uma demonstração clara e direta de que o governo foi incapaz de manter as condições de abastecimento para a população e isso, digamos assim, prejudica diretamente as condições do governo atual. Então uma situação, uma crise que aparece como falta de capacidade do governo de manter as condições da oferta de um determinado produto para a população".
Segundo o professor, outros possíveis reflexos eleitorais de uma crise hídrica são inflação e falta de abastecimento de água regionalizado. "Esse tipo de situações impactam em outras variáveis que ao longo do tempo podem causar uma percepção mais duradoura de dificuldade do governo em enfrentar a situação da crise. Mas nesse caso ela não é sentida como crise hídrica, ela é sentida como inflação, como aumento de preço, como falta de abastecimento de água regionalizado", explica.
Na última 4ª feira (20.out), participando de encontro com a Frente Parlamentar Mista pelo Brasil Competitivo, o secretário de Energia Elétrica do Ministério de Minas e Energia (MME), Christiano da Silva, disse que, no início do ano, o Executivo estava preparado para um cenário de atraso, em que o período úmido só iniciaria no final de novembro, mas que, a menos de dez dias para o fim deste mês, mesmo o Sistema Interligado Nacional (SIN) estando com um nível de armazenamento "muito baixo", houve um aumento de 0,1%. "Então entrou água no sistema suficiente para atender os requisitos de carga e ainda tem um ganho incremental pequeno, mas um ganho que acaba sendo importante num cenário de bastante escassez", completou.
No mesmo evento, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque afirmou que a conta de luz continuará com taxa extra em novembro e provavelmente até abril do ano que vem. De acordo com o titular da pasta, a promessa do presidente Jair Bolsonaro de acabar com a tarifa ainda não será possível por causa dos custos de geração das termelétricas.
Para o cientista político e professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Maurício Santoro, o encarecimento da conta de luz e de alimentos por causa dos atuais problemas hídricos causa um impacto negativo na imagem do governo.
Também segundo Maurício, a chamada crise do apagão pela qual o Brasil passou em 2001 e 2002, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, "acabou sendo um dos fatores que levou à vitória do Lula na eleição de 2002". Ainda refletindo sobre aquele pleito, pondera que "o essencial ali foi realmente a questão do mal desempenho da economia. A gente teve ali, entre 1998 e 2003, um período econômico bastante difícil, e foi aquele período da desvalorização do real, do impacto no Brasil de uma série de crises financeiras internacionais. Isso só foi revertido já depois do início do governo Lula, com o boom global das commodities [matérias-primas]".
Porém, ele classifica os problemas relacionados à escassez de chuva e ao abastecimento de energia como fatores importantes no cenário eleitoral da época, "inclusive porque reforçou uma visão em muitos brasileiros, em muitos eleitores, de que o governo não estava conseguindo responder àqueles desafios econômicos da maneira adequada". Ainda na avaliação do professor, o principal tema a ser abordado nos debates eleitorais do ano que vem será a economia.
Até mesmo a pandemia em si, portanto, ficaria em segundo plano. O cientista político chega à conclusão ao analisar a aprovação e reprovação a Bolsonaro nos últimos meses: "no ano passado a gente teve também um ano muito duro em termos pandêmicos, mas a popularidade do presidente aumentou, mesmo com todas as dificuldades da pandemia. Ele só começou realmente a perder esse apoio quando acabou o auxílio emergencial e quando começou a sentir na sociedade brasileira de uma maneira mais profunda todos esses impactos negativos na economia".
Mas descartar a possibilidade de Bolsonaro utilizar o enfrentamento à crise hídrica como um fator positivo de sua gestão, em uma eventual participação em debate eleitoral, seria um erro, acrescenta o professor. Em suas palavras "se ele [presidente] conseguir realmente passar esse período mais duro sem ter um racionamento [obrigatório], ou sem que haja um impacto econômico muito grande no bolso do consumidor, na conta de luz e tal, ele pode utilizar esse discurso. Mas depende do que vai acontecer nos próximos meses".
Meio ambiente
Tanto o especialista da PUCRS como o da UERJ falam que um impacto da atual crise hídrica na imagem do Governo Federal pode vir pelo fato de o evento instigar discussões sobre a forma como assuntos relacionados ao meio ambiente são tratados. "Essa questão da temática do aquecimento global está se tornando cada vez mais um tema também do cotidiano. E aí eu penso sobretudo nas cidades do interior de São Paulo que tem vivido aqueles episódios das tempestades de areia. Como a gente tem visto em várias localidades. E no país como um todo, em muitos estados brasileiros, uma seca que tem sido recorde, a pior em décadas, quer dizer, isso também acaba sendo uma questão política", afirma Maurício.