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"Já vi esse filme", diz ex-secretário da Receita Federal

Marcos Cintra fala do cartão vermelho para equipe econômica e diz que presidente sofre de "angústia eleitoral"

"Já vi esse filme", diz ex-secretário da Receita Federal
"Já vi esse filme", diz ex-secretário da Receita Federal
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O ex-secretário da Receita Federal do Governo Jair Bolsonaro, Marcos Cintra, disse que vê um filme repetido no episódio em que o presidente deu cartão vermelho para quem defendesse medidas como o congelamento das aposentadorias para garantir verba para um novo programa social, o Renda Brasil.

A ideia foi apresentada à imprensa pelo secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues, na semana passada. "É o mesmo filme. São as mesmas circunstâncias. Tanto no meu caso, quanto neste agora, eu tenho certeza de que os temas estavam sendo abordados dentro do ministério (da Economia). Havia plena consciência de que a questão seria tratada publicamente", afirmou.

Cintra foi demitido há um ano, por defender a recriação de um imposto nos moldes da antiga CPMF. À época, o Governo disse que não havia aval do ministro Paulo Guedes e do presidente Jair Bolsonaro, para propor a nova tributação. O assunto, porém, voltou à pauta pública, com o nome de microimposto digital, que vem sendo defendido por Guedes.

Nesta entrevista ao SBTNews, ele avalia que o Renda Brasil também é uma realidade, principalmente depois de a população receber a renda emergencial durante a pandemia. Mas, ele ressalta que para não furar o teto será preciso enfrentar pautas impopulares, como os três Ds - desindexação, desvinculação e desobrigação.

"Essas coisas precisam ser discutidas mas, quando começa a achar uma saída, o presidente tem essas crises de angústia eleitoral e susta o debate. Eu acho que precisamos fazer com que ele (Bolsonaro) compreenda que é a busca de soluções que vai reforçar ao invés de enfraquecê-lo politicamente", ressaltou.

Roseann - O sr. está vendo o mesmo filme acontecer, quando o presidente Jair Bolsonaro dá cartão vermelho para quem falar em mexer em reajuste das aposentadorias, ficando um clima muito desconfortável com o Secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues?

Cintra - Não tenho dúvida. É o mesmo filme. São as mesmas circunstâncias. Tanto no meu caso, quanto neste agora, eu tenho certeza de que os temas estavam sendo abordados dentro do ministério. No caso da tributação sobre pagamentos (que ficou conhecida como nova CPMF), mais que isso, havia um claro entendimento entre mim e o ministro de discutir o tema, de aprovar uma discussão mais abrangente sobre a questão para que a conversa pudesse avançar, sem preconceitos, sem qualquer interdição do debate. Havia uma plena consciência de que a questão seria tratada publicamente.

Fiz várias palestras sobre o imposto sobre pagamentos sem consequência nenhuma. Naquele dia, um assessor meu estava fazendo uma palestra, falando sobre a antiga CPMF no Brasil, o impacto que teve naquele momento, e tiraram uma fotografia da palavra CPMF no telão, e disseram que o Governo ia reimplantar a CPMF. O presidente ficou muito aborrecido, o ministro Paulo Guedes acabou me exonerando. Eu vejo o mesmo fenômeno se repetir, porque a questão da renda básica está sendo tratada há bastante tempo e o presidente sabe que é preciso se buscar um espaço orçamentário para isso.

O limite do teto de gastos está aí desde 2016, é uma âncora importantíssima para dar garantia da saúde financeira e fiscal do país, não pode ser rompida. Então vai ter que se buscar em algum momento, em algum local, em alguma rubrica orçamentária o espaço para custear o Renda Brasil. De modo que eu estranho muito essas crises de nervosismo do governo quanto a temas que podem ser eleitoralmente impopulares, mas que trarão bons resultados. E é uma pena que não haja uma visão de longo prazo que o administrador público deve ter.

Roseann - Tal qual a discussão de um novo imposto sobre transações financeiras, que voltou à pauta, o Renda Brasil em menos de 24h já estava autorizado a ser tratado no Congresso. Não dá para dizer nem que o assunto hibernou né?

Cintra - Nem o imposto sobre transações financeiras hibernou (naquela época), porque na mesma semana que eu fui exonerado, o ministro falou novamente que aquilo era uma alternativa, que era importante discutir, que não havia espaço para aumentar outros tributos, que era a única alternativa encontrada. Da mesma forma, o Renda Brasil é uma realidade, eu não vejo como fugir disso. Hoje, a sociedade brasileira, recebendo esse grande apoio emergencial corretamente que, diga-se de passagem foi o que garantiu a sustentabilidade da economia, agora criou um ambiente onde ele tem que ser preservado com o mínimo de garantia de renda para a sociedade menos aquinhoada do ponto de vista econômico. Então esse espaço vai ter que ser encontrado e vai ser debatido novamente. De modo que são questões que infelizmente têm muitas dificuldades de serem discutidas quando o governo é regido por preconceito, palavras de ordem e sobretudo por uma visão eleitoral de toda a discussão. Então, essa é uma discussão técnica que tem que ser aberta e não pode ser interditada como faz o presidente.

Roseann - Dos três D (desindexação, desvinculação e desobrigação) que se fala como alternativa para não furar o teto de gastos qual é o melhor deles? 

Cintra - Não adianta buscar novas receitas, não adianta acabar com incentivos fiscais porque isso gera recursos, mas fura o teto de gastos. O que se precisa é abaixar o piso, ou seja, há que se buscar espaço dentro do orçamento. Por exemplo, a desindexação desobriga os agentes econômicos a concederem reajustes salariais. Com uma inflação de 3%, 4% ou 5% ao ano, em dois ou três anos, você abre um espaço de 10% sobre aquela rubrica que não está sendo corrigida. É espaço para se alocar para um programa como o Renda Brasil. A mesma coisa com as desobrigações. Existem vários fundos que estão dentro do orçamento do governo federal, mas que simplesmente não estão sendo utilizados e poderiam ser alocados para essa despesa. Tem também obrigatoriedade (vinculação) de tantos porcento do orçamento ir para a saúde e para a educação. É um critério equivocado para mostrar que há prioridade em saúde e educação. É possível que parte desses recursos esteja sendo mal utilizada ou utilizada de maneira apenas a cumprir essa meta, mas que poderiam ser diminuídos. Então, flexibilizar limites nesses tetos abre espaço orçamentário. Essas coisas precisam ser discutidas mas, quando começa a achar uma saída o presidente tem essas crises de angústia eleitoral e susta o debate. Eu acho que precisamos fazer com que ele (Bolsonaro) compreenda que é a busca de soluções que vai reforçar ao invés de enfraquecê-lo politicamente.

Roseann - Enquanto o sr. estava no governo, porque a proposta de  imposto de renda negativo não avançou? (Pela proposta, todos devem declarar imposto de renda e quem não alcança uma renda mínima anual recebe uma bolsa mensal do Governo. Quando ganhar mais, a pessoa deixar de receber o benefício). 

Cintra - Isso foi analisado, foi discutido. A questão é que durante o período em que eu estive no governo, todos os debates e esforços no ministério foram concentrados apenas em um projeto que foi a reforma da Previdência. Eu tenho dúvida se essa foi a estratégia política mais adequada. Eu sempre defendi junto ao ministro Paulo Guedes que nós deveríamos apresentar a totalidade dos projetos e, com isso, atender a uma demanda reformista muito forte no Congresso Nacional, que queria reformas e ainda quer reformas. Mas hoje há estudo no sentido de se criar um programa de imposto de renda negativo que me parece extremamente interessante e constava no plano de governo de Bolsonaro na eleição. É um programa conceitualmente simples, ainda que a operacionalização possa ser mais complexa. Seria uma oportunidade de inovarmos.

Roseann - E se a pessoa não quiser ou não tiver condições de fazer a declaração do imposto de renda?

Cintra - A experiência nossa mostrou que, quando o governo faz um programa em que disponibiliza recursos, as pessoas se cadastram. Tanto é que apareceram mais de 20 milhões de invisíveis que se cadastraram e que ninguém conhecia. Por isso é que hoje o Bolsa Família se for atender a população necessitada vai ter que sair de 14, 15 milhões de famílias para chegar a 35 milhões de família.  

Roseann - De toda forma isso não resolve o teto. 

Cintra - Não resolve o teto, mas racionaliza o projeto. O teto é uma absoluta necessidade. Qualquer que seja o programa, qualquer que seja a prioridade. Se a prioridade é o desenvolvimentismo com obras públicas, há que se respeitar o teto. Se a prioridade do presidente é o atendimento das necessidades sociais do país, há que se preservar o teto. Se há uma combinação dos dois, há que se preservar o teto. Portanto, a preservação do teto é uma condição necessária para que nós retomemos o crescimento econômico. Se fura esse teto, nós perdemos credibilidade, nós perdemos investimentos externos, a taxa de juros vai subir, vai empinar no futuro e com isso nós vamos perder espaço, inclusive com um prejuízo muito forte, até as nossas exportações e eventualmente a retomada do crescimento econômico. E até mesmo, quem sabe, pressões inflacionárias, não imediatamente, há de vir desse processo. O respeito ao teto é para mim a âncora mais importante. Agora, respeitado o teto, vamos ter que buscar espaço orçamentário para bons programas e eu acho que o imposto de renda negativo é um bom programa. Manter o Bolsa Família como está, fazendo remendos e criar outros paralelos não é um bom caminho. Eu defendo a racionalização desses projetos, que é o que o Renda Brasil pretendia fazer. Agora, é questão de achar espaço orçamentário e aí é que nós estamos tendo dificuldade, porque certamente o calo vai doer em alguém, vai doer em algum setor. A liderança política que nós precisamos tem que enfrentar esses percalços, senão, nós não faremos política econômica, faremos apenas uma política populista e política populista não vai fazer o Brasil retomar a sua trajetória de crescimento. 
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