Criadores do Plano Real decidem apoiar Lula por "risco político"
Em entrevista ao SBT News, Armínio Fraga diz que a prioridade é a preservação da democracia
A candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência tem buscado apoios para o 2º turno em diferentes núcleos da sociedade. Importante salientar que, em alguns casos, a decisão por declarar o voto em Lula e na Frente Ampla Brasil da Esperança, encabeçada pelo petista, tem se dado de maneira espontânea -- e até certo ponto, surpreendente.
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Adversário histórico do Partido dos Trabalhadores, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), tem entre seus simpatizantes economistas renomados com trajetória amplamente vinculada ao partido. E ao governo de Fernando Henrique Cardoso, durante o qual implementou-se o Plano Real, de combate à inflação. É o caso de André Lara Resende, Edmar Bacha, Armínio Fraga, Pedro Malan e Pérsio Arida. Eles próprios são formuladores do Real, que mostrou-se o mais eficaz plano para encaminhar a questão da alta do custo de vida. Em 1994, ano da adoção do Real, a inflação não raro passava de 80%. Os desdobramentos daquela política, ao longo dos anos seguintes, levaram a muitos embates entre pensadores da economia de dentro do governo e da oposição ao governo. Não é exagero entender que, até os dias de hoje, as correntes de pensamento dos dois lados ainda "trocam ideias" a respeito da condução da economia do país, nem sempre em termos consensuais.
Passo a passo
Daí ganha mais peso ainda o movimento dos economistas do "Tucanato de Densa Plumagem" em direção a Lula. Ainda no primeiro turno, o apoio veio de André Lara Resende. Ao longo desta semana foi a vez de Fraga, Arida, Malan e Bacha indicarem o voto em Lula, assim como o ex-presidente Fernando Henrique.
O PT soube retribuir. Nesta 5ª feira (6.out), a coordenação de campanha chamou o apoio de "Ato de grandeza" e divulgou nota oficial agradecendo aos grandes nomes da economia por se alinharem à chapa de Lula.
"Estivemos juntos no processo de redemocratização que derrotou a ditadura militar e, agora, juntos novamente, vamos derrotar o autoritarismo, o obscurantismo, o negacionismo e os desmontes de Bolsonaro, além de recuperar a economia brasileira, reduzindo a inflação e voltando a gerar emprego e renda para o povo brasileiro", diz a campanha do PT.
Em rápida conversa ao telefone, um dos pais do Real conversou com o SBT News. Veja os trechos da conversa com Armínio Fraga:
Qual o ambiente, quais os motivos da decisão dos senhores?
Minha decisão foi eminentemente política. Em função do progresso da questão eleitoral, entendi que há riscos sobretudo para a preservação da democracia, representados na candidatura de Bolsonaro. A partir daí, priorizei o voto que considero que vá caminhar melhor no sentido qualitativo, de manter o Estado de Direito, sem riscos de rompimento com o equilíbrio das instituições e a democracia.
Neste caso a economia não foi a prioridade?
Até porque, do lado eminentemente econômico, ainda não há o que se falar em profundidade. Ambos os candidatos só mencionaram aquelas ideias previsíveis, superficiais e quase burocráticas de período de campanha. Não há nenhuma sinalização minimamente aprofundada de algum aspecto para o qual um candidato ou outro deixem claro qual será o encaminhamento. Isso tudo vai ficar realmente para depois de encerrada a eleição, ao que parece.
Mas não totalmente de lado?
É claro que essas questões qualitativas [respeito e preservação da democracia e das instituições, por exemplo] têm impacto sobre a vida econômica e financeira, no dia a dia e no longo prazo. O próximo presidente vai ter que trabalhar pra recuperar, por exemplo, a imagem desgastada que o Brasil tem hoje lá fora. Vamos ver o que propõe o vencedor dessa disputa.
Um dos pontos que estão em aberto é a questão do equilíbrio fiscal: nenhum dos dois assumiu, até agora, grande compromisso demonstrado ao menos em propostas para este aspecto em particular. Ao contrário. Ouve-se falar com frequência que eles estariam, isto sim, buscando "alternativas" ao que existiu até recentemente, uma vez que o Teto de Gastos foi largamente extrapolado. Como o senho vê isso?
Eu acho muito mal. Claro que o respeito a limites ao gasto público é saudável, o problema é que em meio a um cenário amplamente permeado pela política, política eleitoral ainda por cima, dificilmente se terá uma discussão séria a esse respeito. No meio da disputa eleitoral não dá, ninguém vai assumir isso. De qualquer forma, essa conta fica para o próximo presidente, seja ele quem for, e em algum momento quem assumir vai ter que tratar dessa questão.
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