Teto invisível: falta de apoio partidário mina candidaturas femininas
Sem representatividade nas lideranças e investimento, tanto de base como financeiro, número continua baixo
Fernanda Bastos
Poucas líderes nacionais de partidos, pouco investimento em mulheres na política e não cumprimento da legislação. Estes três elementos minam a candidatura de mulheres. E todos estes aspectos, que não contribuem para o aumento da representatividade feminina em espaços de poder, partem dos partidos políticos. É o teto de vidro ou teto invisível, como destacado por Jéssica Melo Rivetti, pesquisadora da área de violência política na Universidade de São Paulo (USP).
"Quando as mulheres que vislumbram lugares de destaque, como cargos na elite política (como por exemplo, cargos no executivo, no governo dos estados), precisam romper com diversas barreiras que compõem esse "teto de vidro", ou seja, as violências simbólicas que as dificultam ascender aos postos mais prestigiosos", diz.
Ao todo, são 32 siglas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Destas, apenas seis têm mulheres ocupando o cargo de presidente nacional da legenda. Os outros 26 partidos são liderados por homens. Confira na tabela abaixo disponibilizada pelo TSE:
São estruturas, majoritariamente, patriarcais, como destaca a procuradora regional da República e uma das coordenadoras do Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero, vinculado à Procuradoria-Geral Eleitoral, Raquel Branquinho.
"São ainda tão estruturas patriarcais, né? Que que tem um domínio de poder masculino ainda repete fórmulas já extremamente ultrapassadas e as políticas que são estabelecidas ou distante da legislação tem avançado muito mas agora teve um pequeno retrocesso com a emenda constitucional", ressalta.
Para a procuradora, o domínio do poder masculino nas lideranças dos partidos impacta diretamente no número baixo de candidaturas femininas por não haver o olhar e o incentivo para as mulheres entrarem na política. "Porque não adianta um manual, um roteiro, uma cartilha. É preciso que os partidos tenham realmente uma política de inserção e uma política de inserção é uma política de base. Eles devem se inspirar lá no jogador de futebol. Os times não têm lá o estimulo desde os jovens? Não adianta seis meses antes da eleição", destaca. Raquel Branquinho ressalta que é preciso uma política afirmativa para inserir -- além de mulheres brancas e de classes altas, que já estão no eixo do poder político -- mulheres trans e mulheres negras.
Legislação sobre papel dos partidos
A legislação atual traz o incentivo a participação política das mulheres em diversos pontos. Só no ano de 2021, houve a aprovação de três propostas que indiretamente também se propõe a incentivar essa maior participação. Confira a explicação da advogada Andrea Costa especialista em direito eleitoral e direito da mulher:
- Lei n.º 12.034/2009: estabelece a reserva de 30% de candidaturas por gênero.
- Lei n.º 13.165/2015: que como diz sua descrição é conhecida como Lei da Participação Feminina na Política, a qual o determina entre outros: no ano eleitoral, a obrigatoriedade do TSE promover campanhas destinadas a incentivar a participação da mulheres na política; a destinação de 5% do Fundo Partidário para a criação, manutenção e promoção de campanhas para fomentar a participação feminina na política; a garantia de tempo de 10% para as mulheres na propaganda eleitoral. Registre-se que hoje, o tempo na propaganda corresponde a 30%, assim como na cota.
- Lei n.º 5.303/2020: institui o programa a mulher na política, mais uma vez pretendendo aumentar a participação política das mulheres.
- Lei 14.208/2021: institui a possibilidade de criação das federações partidárias, mantendo as mesmas regras dos partidos políticos, no sentido de garantir entre outros a cota de 30% de candidatas mulheres nas eleições;
- Lei 14.211/2021: assegura a participação da mulher candidata nos debates referentes às eleições proporcionais;
- Emenda Constitucional n.º 111/2021: prevê que os votos dados as candidatas femininas e negros serão contados em dobro para fins de repartição do FEFC.
Esta última teve como relatora a então senadora Simone Tebet (MDB-MS), hoje pré-candidata à Presidência, que, em entrevista ao SBT News, ressaltou que é o momento dos partidos acreditarem na candidatura de mulheres. "Esse foi um avanço. Agora é hora de conscientizar os diretórios dos partidos que não têm que buscar apenas candidatos ou candidatas 'laranjas' para contar número. Mas que elas possam ser efetivamente pessoas que tenham voto que tenham uma voz, que queiram ser candidatos e tenham essa estrutura para poder chegar nos postos, especialmente no Legislativo", destaca.
Retrocessos
No entanto, mesmo com a leis que fomentam a participação de mulheres na política, o número de pré-candidatas nas eleições de 2022 continua baixo. Como exemplo, temos apenas duas pré-candidatas ao Planalto, no universo total de 11 pré-candidaturas. Nas disputas ao Senado e aos governos estaduais o abismo entre pré-candidaturas femininas e masculinas é ainda maior, como foi mostrado recentemente pelo SBT News.
E mesmo assim, o não cumprimento da legislação pelos partidos não vai ser penalizado. Na primeira semana de abril (5.abr), o Congresso aprovou a anistia aos 22 partidos que descumpriram a cota mínima de mulheres e negros nas eleições de 2020 por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 18/21).
"Um retrocesso, vemos uma PEC para garantir os direitos das mulheres e dos negros na política, mas condicionada a uma anistia pelo descumprimento da Lei e das decisões dos tribunais. A anistia apenas confirma a violência política contra as mulheres e negros, perpetuada pelos partidos e sua grande maioria masculina, que se recusa a abrir mão do poder e coloca a culpa nas mulheres pela baixa representatividade, sem considerar ser o principal responsável pela sua ocorrência, ao descumprir a lei que determina a aplicação de 5% do Fundo Partidário para o fomento e maior participação feminina na política", destaca a advogada Andrea Costa.
Como avançar?
Por meio de fiscalização do cumprimento das leis de cotas e mais estímulo para candidaturas femininas, segundo Jéssica Melo Rivetti, pesquisadora da área de violência política na Universidade de São Paulo (USP). "O Estado e o TSE têm um papel fundamental que é o de garantir o cumprimento da justiça eleitoral, apurando o destino do fundo partidário e o cumprimento da lei de cotas, para uma distribuição equânime da verba destinada às candidaturas femininas. Já os partidos, são aqueles que irão deliberar quais os/as possíveis e pré-candidatas/os e deveriam estimular candidaturas femininas e mais plurais", ressalta.
"Há mulheres altamente capacitadas e que muitas vezes não têm oportunidades de destacarem-se nos movimentos políticos em função de uma série de opressões que as engessa no solo pegajoso. Posteriormente, quando superada essa barreira, há também a dificuldade de romper com o teto de vidro para atingir as posições mais prestigiosas. Uma mudança substanciosa desse cenário só ocorrerá a partir do momento em que os partidos promoverem uma maior pluralidade dentro de seus quadros internos, incitando um reconhecimento legítimo da participação das mulheres e atendendo suas demandas específicas. Para uma mudança substantiva do campo do poder no Brasil, é preciso, também, uma ampliação da socialização política das mulheres, com o incentivo familiar no dia a dia. Desmistificando a ideia de que jovens e meninas têm obrigação de participar de atividades do cuidado, o que abre o caminho para o desenvolvimento de perspectivas de novas profissões, antes restritas a determinados perfis. Com mais mulheres no campo do poder como representantes políticas a nível municipal, estadual e nacional, mais mulheres se sentem identificadas e vislumbram esse caminho de atuação", afirma Jéssica.
Confira a primeira matéria da série Teto invisível: