Brasil já tem áreas com três vezes mais desastres naturais, mostra estudo
Em 10 anos, ES triplicou, RS dobrou e SP teve aumento de 48%. Veja a pesquisa da Unifesp em primeira-mão no Foco ESG
Pablo Valler
O que evitaria as 59 mortes e os quatro mil desalojados em São Sebastião (SP), quando choveram 682 milímetros em seis horas, em fevereiro desse ano? Provavelmente, a mais simples ação: avisar moradores de áreas de risco que deveriam deixar suas casas nas próximas horas. Mas, foi feito. Porém, "os brasileiros não estão acostumados aos alertas e nem os governos, que precisam comunicar incisivamente, do tamanho da importância do problema", considera o pesquisador científico Ronaldo Christofoletti.
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Tanto que não houve quem se preveniu, saindo antes da chuva. Tanto que as ações anteriores não surtiram efeito, até porque foram lançadas três meses antes da tragédia. Como o programa que construiria casas populares em terrenos planos. Ou o que reformaria e regularizaria áreas de risco. Ou então, o maior trabalho de drenagem de rios do município.
Na realidade, foram reações aos quase 40 processos judiciais que surgiram só nos últimos três anos. O que também reforça a apatia do poder público com o problema. Ou seria a descrença? Pois, ao que parece, a análise da Organização das Nações Unidas (ONU) de que, nos últimos 40 anos, o aquecimento global aumentou em 75% os desastres naturais, não foi levada a sério.
Pensando nisso que Christofoletti pesquisou os extremos climáticos no Brasil, para chamar atenção e facilitar o entendimento dos governantes locais. Entre os dados importantes, de que os temporais, enxurradas, estiagens e outros desastres naturais quase triplicaram (188%) no Espírito Santo, dobraram (100%) no Rio Grande do Sul e aumentaram em 84% em São Paulo.
Além disso, o pesquisador identificou os tipos de extremos comuns em cada região ou até área menor. Por exemplo, no ES são as fortes chuvas que causam deslizamentos e também episódios de seca. Já no estado gaúcho é a falta de chuva em períodos prolongados. Em São Paulo é o excesso de chuva. Situações que também causam prejuízos bilionários na agropecuária.
"Todo o agronegócio foi desenvolvido considerando o clima como era. Quando começa a variar, ter períodos incertos de temperatura, pode levar a uma perda de produção, produtividade, mortalidade, que também significa interferir na maior contribuição do nosso PIB. Isso vai, inclusive, ter impacto na inflação e no nosso bolso", explica Christofoletti.
As consequências podem ser muitas, mas o Brasil também já tem um arcabouço de leis para esse tema, como esclarece o advogado especialista Alexandre Abby: "A legislação prevê e reconhece um ciclo relacionado aos desastres, que passa pela prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação voltada à proteção e defesa civil. Essa é a diretriz da política nacional de defesa civil. Um exemplo muito importante é a alteração profunda no Estatuto das Cidades, que veio depois de um dos episódios mais graves do país, que foi em 2010 na região serrana do Rio de Janeiro. Daí você tem uma média provisória de 2011, justamente falando da recorrência de desastres naturais e a articulação dos três níveis de poder, o federal, o estadual e o municipal, e a necessidade de incorporação dos mecanismos de planejamento e gestão por um lado e por outro, prevenção dos impactos".
Entretanto, falta acontecer. O exemplo também é do estado de São Paulo, que tinha R$ 10,4 bilhões à disposição para prevenção de desastres naturais no ano passado e usou R$ 6,4 bilhões. Como explicação, Márcio França, o governador da época, utilizou a corrida eleitoral e as restrições de uso dos recursos -- ou seja, não houve planejamento.
Assista à íntegra do 21º episódio do Foco ESG:
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