Crise da Evergrande seguirá preocupando investidores, dizem economistas
Corretoras avaliam, porém, que ápice de impacto nas bolsas de valores já passou
Quedas em cadeia nas bolsas de valores de São Paulo, Hong Kong, Londres, Frankfurt e Paris. Foi assim que a semana teve início, com o receio dos investidores de que a segunda maior incorporadora da China, o conglomerado Evergrande, não conseguiria quitar valores dos títulos de dívidas e traria problemas ao conjunto da economia chinesa. Fundada em 1996, a empresa -que tem 200 mil funcionários, está em mais de 280 cidades e gera 3,8 milhões de trabalhos indiretos na China- registra um saldo devedor de US$ 300 bilhões (R$ 1,6 trilhão). Após o desempenho negativo dos mercados financeiros na 2ª feira (20.set), o anúncio de um plano para pagamento de juros acalmou os ânimos, mas a aproximação das datas de vencimento de outros montantes fará com que as atenções continuem sobre a companhia por algum tempo.
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Isso é o que avaliam especialistas consultados pelo SBT News. Segundo Arthur Mota, economista do BTG Pactual Digital, até meados de outubro o mercado naturalmente vai monitorar um posicionamento do governo chinês para esse problema. "Então se ele vai efetivamente usar os outros aparatos estatais do setor financeiro, bancos, estatais, para tentar socorrer ou aumentar a liquidez ali para ajudar o sistema ou especialmente particionar essa empresa em outras, até eventualmente estatizar algumas delas, mas, mais do que isso, socorrer ou reforçar o cenário para os fornecedores e as demais empresas que estão expostas a ela."
Mota afirma que a expectativa dos investidores é de um movimento das autoridades chinesas no sentido de ajudar a Evergrande, visto que a companhia já mantém conversas com elas "para criar um grupo de trabalho". Advogados, contadores e profissionais especializados em reestruturação, explica, já foram contratados. Nesta 6ª feira (24.set), o índice Hang Seng da Bolsa de Valores de Hong Kong caiu 1,5%, puxado pelas ações da incorporadora, depois que ela falhou em pagar os juros de um dos seus títulos de dívida.
Para a estrategista de ações da XP Investimentos, Jennie Li, a crise do conglomerado chinês continuará pesando nas decisões dos investidores em diferentes países. Entretanto, o "epicentro de preocupações" deles já ficou para trás. Segundo ela, no começo da semana, havia uma percepção de que a incapacidade da Evergrande em cumprir os compromissos para com os credores poderia desencadear uma crise mundial como a de 2008, que teve início com a quebra do banco Lehman Brothers, nos Estados Unidos, mas, agora, em suas palavras, "o consenso dos analistas é que não parece que vai ser isso". Ainda de acordo com Jennie, se o problema se agravasse, o governo da China "poderia dar um baioult (socorro financeiro), poderia ajudar a levar a empresa a fazer os pagamentos que ela deve".
Por outro lado, fala a estrategista, o Partido Comunista Chinês não deseja auxiliar totalmente a Evergrande, para não dar o "exemplo para as outras empresas de que 'se vocês se endividarem muito, a gente vai estar sempre lá pra pagar as contas". Dessa forma, em sua visão, o governo deverá agir no meio-termo: não permitir que a incorporadora quebre, dada sua importância para a economia local, mas também deixar que investidores tenham perdas. Jennie acrescenta que bancos chineses já foram avisados sobre calotes a caminho, para se prepararem, mas que a maioria das instituições financeiras credoras, nesse caso, pertencem ao próprio Estado.
Com as autoridades chinesas já reagindo à crise da companhia e grande parte da dívida dela concentrada em bancos públicos, o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, por sua vez, acredita que provavelmente as dificuldades da empresa impactarão nas bolsas nas próximas semanas, mas não tanto. "Porque o problema da Crise do Subprime [de 2008] é que [a dívida] estava espalhada em todo o sistema financeiro. Não é o caso da Evergrande", explica.
Desaceleração
Mesmo antes dos alertas sobre a dificuldade financeira da Evergrande que levaram às quedas das bolsas na 2ª feira, a China já vinha apresentando outros desafios, aos olhos dos investidores ao redor do mundo, de acordo com o economista do BTG Pactual Digital. Entre eles, uma desaceleração da economia desde meados do segundo trimestre, um intenso processo regulatório no setor de tecnologia, planos de longo prazo que exigem maior controle sobre setores como o de educação e a prática de uma pauta de descarbonização, que culminou em menos aço sendo produzido e, consequentemente, na queda de demanda por minério de ferro. Este é uma commodity (matéria-prima) exportada pelo Brasil e que está correlacionada ao preço da ação da Vale, por exemplo, principal empresa do Ibovespa.
Assim, segundo Mota, analistas do mercado financeiro e investidores no país latino-americano, especificamente, estão e seguirão com as atenções mais voltadas para a economia chinesa em si do que para a Evergrande -que, como integrante do setor de construção civil, porém, consome bastante commodities também, como o próprio minério de ferro. "Terceiro trimestre que a gente tem de dados de alta frequência e seja para o mês de agosto que já foram divulgados, mas especialmente agora pra setembro também, continua mostrando uma acomodação e uma China acreditando menos aí, seja por um motivo cívico ou por uma questão de redução, uma restrição à oferta, a gente tem impactos para o desenvolvimento do preço das commodities, uma certa limitação de um novo rali como a gente viu no começo do ano", pontua o economista.
Ele fala ainda que, diante da desaceleração da economia local, a China tem sinalizado uma possível mudança, para os próximos meses, em sua política monetária -com alteração na taxa de compulsórios e redução dos juros básicos-, o que leva os mercados financeiros a ficarem atentos. O país asiático, nas palavras, de Jennie Li, "é o grande motor de economia global". "Ele é importante não somente para o Brasil, para tudo. Tem uma frase em inglês superinteressante que é: 'você pode não ter interesse na China, mas a China vai ter um interesse em você'. Ou seja, ela acaba influenciando a economia global. O Brasil é muito afetado acho que pela questão de commodities, que a gente é um país muito exportador, quase 40% da nossa bolsa são de empresas ligadas a commodities", completou.
Dívida da Evergrande
Com a Evergrande atuando principalmente em um setor que representa cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) chinês, o imobiliário, uma eventual falência do conglomerado -que está presente nos segmentos de carros elétricos, parques temáticos, seguros e futebol também- poderia intensificar a desaceleração da economia chinesa, pontua a estrategista de ações da XP Investimentos.
Porém, a crise da incorporadora, dizem os especialistas, surgiu a partir de mudanças promovidas pelo próprio governo chinês na regulação sobre o setor imobiliário. Notando riscos para o sistema financeiro gerado por empresas que estavam se endividando muito devido a um acesso facilitado ao crédito, as autoridades chinesas criaram regras mais duras para a concessão de empréstimos.
Para consegui-los, as companhias precisariam diminuir o nível de endividamento e aumentar sua capacidade de pagamento. Não conseguindo se adaptar aos requisitos, a Evergrande perdeu acesso, sendo que imobiliárias funcionam com base em crédito. Além disso, a China registrou um forte aumento de preços de imóveis nos últimos anos -provocado por regras de mobilidade que impedem pessoas de se mudarem de cidades e por hábito de especulação- e, sob o entendimento de que imóveis são para morar, e não especular, vem trabalhando para evitar a subida de preços. Isso, em determinado momento, fez com que as propriedades desvalorizassem e, consequentemente, afetou os negócios da incorporadora.