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Jornalismo

A transformação da televisão brasileira nos 40 anos do SBT

TVs de tubo deram lugar às digitais, e o acesso à internet criou formas de ver a programação e se divertir

Imagem da noticia A transformação da televisão brasileira nos 40 anos do SBT
Pessoa utiliza controle remoto para mudar canal de televisão (Valter Campanato/Agência Brasil)
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"A gente pode dizer de modo geral que o brasileiro se comunica muito. Ele gosta", diz o professor Gilson Schwarcz, livre-docente em Economia do Audiovisual na Universidade de São Paulo (USP). Adoramos ver, ouvir e falar sobre tudo.

Quando o SBT fez suas primeiras transmissões, em 1981, as tecnologias usadas para isso ainda eram restritas. O radinho de pilha funcionava de Norte a Sul do Brasil, mas a televisão ainda chegava a apenas pouco mais da metade das casas. Eram TVs de tubo, geralmente transmitindo em preto-e-branco e com muita interferência.

Assistir aos desenhos e aos programas da emissora com toda a sua gama de cores ainda era luxo: a primeira transmissão oficial de programação colorida não tinha nove anos ainda, e os aparelhos eram bem mais caros. Ao longo da década de 1980, eles foram se tornando mais acessíveis. 

Em 1992, quando o IBGE começou a coletar dados a respeito do tipo de TV presente em cada domicílio, seis a cada 10 casas com TV assistiam tudo em cores. Praticamente não há televisão preto-e-branco no Brasil desde 2007, e a TV digital também tornou obsoletas as antigas TVs de tubo. Em 2019, três de cada quatro TVs no Brasil eram de tela fina.

"A integração nacional durante o regime militar se fazia principalmente pelas comunicações. Depois vinham as estradas, e outras dimensões do contato, da conexão. Mas foram as comunicações que integraram o Brasil, um país continental, que fala a mesma língua, não tem a mesma cultura exatamente, mas é uma cultura diversificada e unificada, e integrada pelas comunicações.", diz Schwarcz.

Com o advento das televisões digitais, os programas do SBT precisaram se adaptar. Hoje, não é mais possível fazer algum nos moldes do TV Powww!, de 1984, ou do Gol Show, de 1997, nos quais os participantes interagiam com um jogo eletrônico por meio do telefone. Isso é o que fala o supervisor de sistemas José Carlos de Almeida. Segundo o profissional, que é responsável pela criação de softwares para atrações do gênero game show na emissora há 23 anos, o motivo são "problemas de transmissão, de demora para chegar na casa do telespectador".

Com a tecnologia digital, diz ele, "o que está acontecendo no estúdio, a pessoa, o telespectador, demora pelo menos quatro segundos para poder receber essa imagem. Então é um atraso muito grande". Para exemplificar, José, ou Bill Gates -como é chamado pelos colegas no SBT, em referência ao fundador da Microsoft, desde que fez um ótimo trabalho na criação do software de sorteio de perguntas do Show do Milhão, em 1999 -cita o caso da imagem de um pequeno boneco em movimento: "Se você põe um bonequinho para correr, ele vai receber cinco segundos depois que ele começou a correr. Só que o bonequinho, no estúdio, ele já está lá na frente, ele já está em dez segundos".

Ele relembra ainda que, em determinada ocasião, chegou a comprar um equipamento e desenvolveu uma brincadeira para o Bom Dia e Companhia com interação por telefone, "mas não foi possível, porque não tem condição, a pessoa recebe muito tarde a informação".

No tempo em que o SBT surgiu, o telefone era outro luxo. Havia apenas 4,8 milhões de linhas fixas para pouco mais de 120 milhões de habitantes. As linhas eram geralmente urbanas, e custava tão caro ter uma que era preciso declarar como patrimônio no Imposto de Renda. Na década de 1980, comprar uma linha custava cerca de US$ 5 mil, ou mais de R$ 25 mil a valores de hoje. Além disso, como a rede crescia devagar, havia fila de espera para conseguir uma. Depois de chegar a linha, havia ainda mais gastos: a conta chegava todo mês, e também era salgada.

Ainda assim, o aparelho passou a ser a primeira ferramenta de interação à distância entre o público e a programação da TV, ainda nos anos 1980. No programa do Bozo, crianças telefonavam para participar ao vivo torcendo das brincadeiras (e, de vez em quando, alguma resolvia xingar o apresentador ao vivo).

"Sempre houve interesse dos meios de comunicação para aumentar a audiência através de jogos. Seja na produção de jogos, na transmissão de jogos, programas com formatos de jogos, isso, claramente, apareceu desde o início na televisão americana, o SBT também seguiu esse caminho com muita força", diz Schwarcz. Nos anos 1980 e 1990, o SBT pôs no ar vários programas "gamificados" com participação do público, como o próprio TV Powww!.

"Até hoje, praticamente, todos os canais de televisão estão de alguma maneira buscando comunicação com modelos de gameficação. Com modelos que tragam a competição, a premiação, tragam essa lógica para a grade de programação, e utilizem o jogo como forma de fidelizar, criar fidelidade, para a sua audiência", acrescenta Schwarcz.

Diferentes programas tiveram contribuições do Bill Gates do SBT para que conseguissem funcionar sobre esse fundamento. O software do Show do Milhão foi o primeiro que desenvolveu e, relembra, representou "um negócio, assim, corrido e muito suado. A gente passou madrugadas dentro do SBT. Mas foi sucesso total". Pouco depois, com seus colegas, desenvolveu o game Show do Milhão, para computador, que vendeu quase 4 milhões de cópias. Posteriormente, fez o software do Qual é a Música, de 1999, e do jogo eletrônico homônimo. Já no tradicional Roda o Roda Jequiti, de 2003, ficou responsável pela tecnologia do painel com as palavras.

"Eu tive o prazer em desenvolver todo o Roda a Roda, na parte analógica, ou seja, eram cubos de lâmpada que a gente inseria uma película com a letra na frente, e a (apresentadora) Patrícia Salvador virava a letra ao contrário, por exemplo, (o participante) pedia a letra 'A', ela ia lá, eu acendia onde estava a letra 'A', ela virava e aparecia ali de novo a letra. Das perguntas, do painel. Aí evoluiu para digital. Hoje a gente controla um painel de LED gigante, não precisa mais de nenhum operador", fala o supervisor de sistemas. O trabalho que considerou mais complexo, porém, foi para o quadro musical Levanta-te, do Programa Silvio Santos. Nesse caso, foi instalado um sensor de presença nas 200 cadeiras do auditório.

"Era assim: uma criança cantava, quem gostava da criança cantando, levantava. Isso daí é  um ponto para ela. Então, por exemplo, em 200 pessoas, 104 levantavam, e eu contava em tempo real e mostrava isso em um painel de LED gigante", explica. E sempre aproveitando o surgimento de tecnologias para se tornar atrativa e conquistar mais pessoas, então, a emissora se ramificou para a internet também e hoje conta com, entre outros, o SBT Games. Segundo Willian Pesenti, diretor de novos projetos do digital do SBT e responsável por coordenar a plataforma voltada para os gamers, a ideia de criá-la surgiu na edição de 2019 da feira Brasil Game Show (BGS).

"A gente viu que a gente tinha uma oportunidade de mostrar para as pessoas o SBT, no sentido de toda a sua memória afetiva, tudo que tinha de legal que a emissora sempre teve", afirma. Ainda de acordo com ele, naquela ocasião, pôde perceber "o quanto a comunidade gamer conhecia o SBT e sabia o quanto ele representava para todo mundo".

A ascensão dos smartphones

A telefonia se popularizou a partir dos anos 1990, quando também chegou ao Brasil a internet. Depois da privatização das teles, ficou muito mais fácil e barato obter uma linha telefônica. O celular, que era luxo de executivo, passou a ser ferramenta de trabalho básica de todo tipo de profissão. Nos últimos 10 anos, foi o smartphone o aparelho responsável por levar milhões de brasileiros à internet pela primeira vez, especialmente com aplicações de voz e vídeo.

O acesso à internet no bolso de cada um transformou o entretenimento tradicional e criou novas formas de se divertir. Se na década de 1980 era preciso estar na poltrona da sala sempre na hora marcada para assistir aos seus programas favoritos, hoje todos os espectadores têm acesso a um imenso acervo de programação no YouTube e nos serviços de streaming. Outros formatos se reinventam com o novo ambiente.

"Há vários casos de renascimento das mídias antigas. Um exemplo que quase todo mundo conhece é o podcast. Ou seja, a transmissão de conteúdo só em áudio. Praticamente, uma reinvenção do áudio, com muito mais oportunidades, porque para você produzir um programa de rádio, você gravar e compartilhar com os amigos, todo mundo hoje sabe fazer uma gravação, compartilhar um áudio", diz Schwarcz.

O SBT Games nasce dessa transformação do entretenimento. Para o diretor Willian Pesenti, a importância de o SBT investir em vertentes para internet é acompanhar o público em todos os momentos e lugares: "o SBT de modo digital é uma forma de chegar na palma da mão das pessoas, é uma forma de chegar na casa das pessoas de qualquer lado. Eu acho que é um giro 360º de tecnologia que nós temos hoje e precisamos aproveitar isso".

E além de trazer lives e competições com os jogos mais novos, a plataforma tem modernizado outros do passado. Willian cita o Gol Show e o Show do Milhão. Em relação ao primeiro, recentemente, a mesma mecânica pôde ser reproduzida por meio de uma transmissão ao vivo, na qual era precisa marcar gol em uma versão miniatura em 3D da apresentadora Patrícia Abravanel. Já sobre o segundo, rodadas de perguntas como as da TV, mas pautadas em assuntos do mundo gamer, foram feitas online com o streamer TheDarkness.

O celular também popularizou ainda mais os jogos. Se na década de 1980 o videogame era algo elitizado -e para a garotada-, hoje isso mudou. Segundo a pesquisa Game Brasil 2021, quase um terço dos jogadores de games tem mais de 35 anos. Nove em cada dez jogam no smartphone, e quatro em cada dez até preferem jogar assim. Metade dos gamers hoje está nas classes C, D e E, e mais da metade são mulheres.

No SBT Games, segundo Willian, o público é "muito diversificado". "Acho que o espaço é para todos. Games eu acho que é isso. O espaço é para todos mesmo e cada vez aí ficando mais forte. Times femininos fortíssimos em disputa de campeonatos, de LOL (League of Legends), de CS (Counter-Strike), e vem mostrando a força feminina, a presença muito forte", pontua.

Lidar com esse novo ambiente de popularização dos games pode trazer uma renovação da televisão nas próximas décadas. "Tudo pode virar um game, porque a internet é por natureza um ambiente de interação, um ambiente de imersão, um ambiente divertido. E quem não gosta de um momento de lazer, de um momento de diversão, usando a internet? Então, todo mundo está em games, e os games estão cada vez em mais áreas das vidas das pessoas. ", diz Schwarcz.

"O que a gente percebe é que as novas tecnologias não são contra as mídias antigas, mas para que o efeito seja positivo no bem-estar, na qualidade de vida e até na geração de renda é preciso mais educação, mais oportunidade para produzir conteúdos inteligentes e diversificados", acrescenta.

Benefícios da tecnologia

Além de terem proporcionado a criação de programas e plataformas, as novas ferramentas melhoraram a organização nas gravações para a TV. De acordo com o supervisor de sistemas José Carlos, emaranhados de fios que que compunham o cenário dos estúdios desapareceram: "Eu tinha um computador com um monitor, e esse monitor eu tinha que passar um cabo até o palco para poder exibir. Depois passou para computadores multi-monitores, ou seja, eu tinha um computador com 10 monitores. E em cada monitor eu tinha um vídeo diferente, conseguia controlar. Mas mesmo assim eu passava cabo até o palco. Hoje funciona tudo Wi-Fi, eu não tenho mais cabo, é só limpo, o trabalho é muito limpo, muito rápido e muito eficiente".

Outro benefício da tecnologia destacado por José é o incentivo à criatividade. Em suas palavras, "ela abre todo dia um espaço a mais para você".

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