Brasil

Jovens entram no tráfico cada vez mais cedo em comunidades dominadas pelo crime no Rio

Terceiro episódio da série "Infância Roubada" mostra como o crime organizado transforma crianças em “soldados” e destrói famílias inteiras

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Mais de 1.600 comunidades do Rio de Janeiro vivem sob influência direta do crime organizado, segundo a Polícia Militar. É nesses territórios, onde faltam oportunidades e sobram armas, que milhares de crianças e adolescentes são aliciados pelo tráfico — muitos ainda na infância.

No terceiro episódio da série “Infância Roubada”, o SBT mostra histórias de jovens que passaram a vida inteira convivendo com tiroteios, ameaças e refugiados em uma lógica imposta pelo crime. Para alguns deles, o tráfico chegou antes mesmo da infância terminar.

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A mãe que enterrou o filho no Dia das Mães

A dor de Simone, mãe de Arthur, nunca acaba. O adolescente, que tinha transtorno neurológico, morreu aos 14 anos em um confronto com a polícia.

Simone conta que o filho sofria bullying na escola e acabou encontrando acolhimento onde jamais deveria: na boca de fumo. Ela lembra que chegou a implorar aos traficantes para deixarem o menino em paz.

“Perdi meu filho num Dia das Mães. É uma dor pra vida inteira”, desabafa.

Segundo a juíza Vanessa Cavalieri, da Vara da Infância e Juventude, a maioria dos adolescentes no crime vem de lares com mães solo e extrema vulnerabilidade.

“São jovens que crescem sozinhos, sem estrutura, sem referência paterna e sem políticas públicas que os protejam.”

Entre eles está um jovem de 18 anos, que ganha R$ 300 por semana no tráfico. “Meu sonho era ser jogador de futebol, mas vi que aquilo não ia ser meu futuro”, conta.

Outro, hoje com 21 anos, entrou para o crime aos oito. Aos 14, recebeu seu primeiro fuzil. “A gente pega a visão. Vai ajudando… quando vê, já tá dentro”, lamenta.

E quando há confronto com a polícia, o discurso é brutal: “Se insistirem em entrar, a bala vai comer.”

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Ciclo de violência e falta de oportunidades

Tiroteios constantes nessas comunidades dominadas pelo tráfico limitam até o direito básico de estudar. Somente este ano, escolas municipais ficaram 167 dias sem atividades por causa da violência armada.

No último domingo, um confronto impediu alunos de fazerem a prova do ENEM em Acari. “Qual o impacto disso no futuro desses jovens?”, questiona Carlos Nhaga, do Instituto Fogo Cruzado.

Para a UNICEF, o crime se fortalece onde há ausência do Estado. “O crime floresce quando existe um vácuo de políticas públicas”, afirma Flavia Michaud, chefe do UNICEF-RJ.

A chance de recomeçar — e a dificuldade em conseguir

Quando adolescentes são apreendidos, podem ser enviados ao DEGASE, onde têm aulas, oficinas e atividades esportivas.

Mesmo assim, 4 em cada 10 jovens que passam por lá acabam retornando ao crime. A falta de oportunidade no mercado de trabalho é recorrente.

“O empresário quer um jovem de classe média com inglês. Não dá chance a quem mais precisa”, diz a juíza Cavalieri.

Projetos como o Segunda Chance, do AfroReggae, tentam reverter esse cenário. Ex-detentos, como João Victor e Nei, hoje reconstruíram suas vidas, mas carregam a marca de anos de encarceramento e violência.

Segundo o Data Favela, 6 em cada 10 jovens envolvidos no tráfico querem abandonar o crime, se tivessem perspectiva de trabalho.

“Minha vida vale muito mais que trezentos reais. Meu sonho é largar tudo”, diz um desses jovens.

“Você pode até ter sorte hoje. Amanhã, talvez vire só mais um número”, complementa outro rapaz mais velho.

Há quem consiga mudar a rota, como Alex, hoje estudante de Educação Física. “Parei e pensei no sofrimento da minha família. Recalculei a rota.”

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