De Fátima e Bonner a Virgínia e Zé Felipe: por que nos envolvemos tanto nos términos alheios?
Para psicólogo, "separação online", cobrança de fãs e julgamento coletivo são reflexos dos novos tempos, em que a dor e o afeto precisam ser validados nas redes

SBTNews
A obsessão pública com relacionamentos de famosos e seus rompimentos já virou uma marca dos tempos modernos, onde as redes sociais funcionam como portal para vida íntima - mesmo que os posts não reflitam exatamente a vida real. Todo ano, quando acontecem as retrospectivas, lá estão os términos mais comentados, onde a vida conjugal alheia vira atração nacional ou um esporte coletivo. E quem assiste se acha no direito de analisar, defender e julgar.
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O recente término do casamento da apresentadora e influenciadora Virgínia Fonseca e o cantor Zé Felipe virou um dos temas mais comentados da internet nos últimos dias, com threads no 'X' (antigo Twitter) e especulações no TikTok.
Em um passado não tão distante, a separação de Fátima Bernardes e William Bonner também era assunto para o almoço de família, fofoca de internet e comentários dos mais variados tipos nas redes sociais. Seria este interesse um simples entretenimento ou um vício social? Por que nos preocupamos tanto quando casais famosos se separam? E, pior: por que temos essa ânsia de ver a dor sendo explicada, exibida, compartilhada?
Para o psicólogo Cristiano Nabuco, da 'Associação Matera: Sustentabilidade e Bem-Estar Digital', vivemos tempos em que a dor, assim como o afeto, se tornou espetáculo e cada emoção precisa ser validada nas redes, e até o luto amoroso exige posicionamento. E o resultado de se viver sob vigilância constante de telas e fiscais de sofrimento é a criação de um "eu digital", alguém que precisa ser coerente mesmo na dor, que na é inevitável- e é completamente normal.
“Você não pode vacilar. Não pode parecer fraco. Tem que inspirar. E essa pressão faz com que muitas pessoas acabem buscando compensações perigosas para lidar com esse hiato entre o que sentem e o que mostram”, afirma Nabuco.
Da ansiedade ao esgotamento emocional, os sintomas são cada vez mais comuns entre quem vive da exposição nas redes e quem consome esse tipo de conteúdo.
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Ainda de acordo com o psicólogo, o público projeta nos famosos uma fantasia de casal perfeito, de final feliz e de uma vida ideal. E este mesmo público e se sente enganado quando essas relações chegam ao fim.
Isso acontece porque um "vínculo emocional" foi criado, mesmo que os famosos sejam completos desconhecidos na vida real. É o fenômeno que a psicologia chama de "relações parasociais" que, em linhas gerais, significa a criação de laços unilaterais que desenvolvemos com pessoas públicas, como se fôssemos íntimos.
A internet amplificou isso ao limite. Em vez de observar com distância, nos envolvemos como quem revive seus próprios traumas, consumimos esses términos como parte de um ciclo emocional disfarçado de entretenimento. Neste sentido, a dor alheia preenche a nossa, mesmo que por pouco tempo. Com isso, já não sabemos mais o que é vida privada, nem aceitamos que certas dores possam (ou devam) ser vividas em paz.
Silêncio vira descaso ou fraqueza
Na era em que toda separação precisa vir acompanhada de posicionamento, o silêncio, que costumava ser parte do processo de cura, passou a soar como descaso ou fraqueza. Essa arena emocional, de acordo com o psicólogo Cristiano Nabuco, acaba empobrecendo a própria experiência humana.
"Em vez de elaborar a dor, criamos versões editadas dela — mais palatáveis, mais estéticas, menos reais. E esse processo, por mais aparentemente inofensivo, traz consequências graves. O indivíduo perde a oportunidade de crescer com a crise, de atravessar a angústia”, diz o psicólogo.
No fim das contas, sair de um relacionamento já é difícil o suficiente e os términos não precisam de nota oficial. Precisam de tempo, talvez terapia, e um bom grupo de apoio - fora do WhatsApp.
Afinal, todo mundo só quer seguir em frente, com ou sem o aval da internet.