Buri, em SP, gastou R$ 1,5 milhão com shows: dinheiro da saúde e obras
MP levou artistas e ex-prefeito da cidade de 20 mil habitantes à Justiça por contratos irregulares e improbidade
SBT News
Na pequena Buri, cidade do interior de São Paulo de pouco mais de 20 mil habitantes, uma investigação mostra que mais de R$ 1 milhão em recursos da saúde e de obras foram direcionados para pagar shows. O processo foi aberto após pente-fino do Ministério Público Estadual, iniciado em junho, e virou uma ação civil pública contra o ex-prefeito da cidade Omar Chain (PP), que renunciou ao cargo há dois meses.
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O caso integra a lista de municípios e artistas que estão na mira das autoridades. O Ministério Público do Estado de São Paulo investiga contratos milionários fechados por 30 prefeituras para shows. As informações exclusivas foram repassadas ao SBT News e envolvem 93 artistas.
Anualmente, a cidade tranquila do interior paulista realiza a Expomandioca, tradicional festa local, que anima os moradores em todo aniversário do município. Foi justamente por causa das atrações do festejo que a cidade, localizada a 270 quilômetros da capital, virou alvo da Justiça.
A Promotoria acusa o prefeito e demais envolvidos pelo destino de R$ 1,5 milhão dos cofres municipais para pagar os shows da festa de 100 anos da cidade, entre o dia 29 de junho e 3 de julho. O Tribunal de Justiça (TJ-SP) determinou, a pedido do MP, a suspensão de apresentações da festa, como Leonardo, Raça Negra e Israel & Rodolffo - a festa foi realizada com outros artistas.
Os três shows foram cancelados na véspera da festa que foi realizada numa praça da cidade. Os cantores chegaram a receber 50% do cachê. A Secretaria de Administração da Prefeitura de Buri, diz que, até agora, apenas a dupla Israel e Rodolffo devolveu o valor: R$ 175 mil, dinheiro que foi depositado numa conta judicial e que, segundo o Ministério Público de São Paulo, deveria ter sido gasto para melhorar a qualidade de vida dos moradores.
Fabiane Lara, que mora na cidade, critica o repasse de valores da saúde para a festa. E relata que o atendimento da área no município não é satisfatório. "Às vezes, não tem médico para atender", diz. "Eu acho que tinha que investir mais em medicamento, em enfermagem, médicos, pra pessoa ir lá e não perder tempo", completa a comerciante.
O mesmo é reforçado pela dona de casa Patrícia Luciano. "Como mulher, grávida tem que sair da cidade pra fazer o parto em outra cidade. É complicado. Tinha que ter aqui, né?", indaga.
Investigação
Buri atualmente está entre os últimos municípios do estado no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) -- o município ocupa a 636º posição entre as 645 cidades paulistas, segundo o IBGE.
O então prefeito, Omar Chain, do PP, pediu autorização da Câmara Municipal para o gasto. Os vereadores autorizaram, mas questionaram de onde viriam os recursos para pagar os shows.
"A gente viu que estava tirando dinheiro da saúde, da parte da assistência social e da infraestrutura. Nossa cidade tem grandes necessidades na parte da saúde principalmente, pessoas esperando exames médicos", disse o vereador Maciel Pedro.
Entre os cachês direcionados para as atrações artísticas canceladas foram encaminhados R$ 888 mil. Eles receberam: Leonardo, R$ 299 mil, Raça Negra, R$ 259 mil, e Israel & Rodolffo, R$ 330 mil -- a dupla devolveu o cachê após cancelamento do show.
Em decisão de 24 de junho, a juíza Gilvana de Souza apontou que as três contratações para a festa apresentaram problemas nos preços. "Tem-se vultoso valor de contratação, cuja soma corresponde a aproximadamente R$ 900 mil pela realização de três shows com duração de aproximadamente 1h30 cada. Chama a atenção também que a divulgação dos shows já vinha ocorrendo ao menos desde março, antes mesmo da autorização legislativa de abertura de crédito suplementar e da efetiva contratação dos artistas pela prefeitura."
A juíza também aponta indícios de superfaturamento, "aliado à vultosa quantia que será despendida para os referidos shows, com verba que havia sido inicialmente destinada para educação, saúde e outros serviços públicos essenciais, evidência efetiva lesão à economia administrativa e prejuízo aos cofres públicos".
Ex-prefeito defende
O ex-prefeito negou que a verba que pagaria os artistas viria da saúde. "É um dinheiro que estava previsto para se gastar em obras e em esporte que a gente faz uma suplementação para poder gastar em cultura porque no ano passado não tinha como prever o fim da pandemia então ficou para se gastar quanto com cultura? Zero", disse.
As investigações começaram em junho deste ano. Dois meses depois, Chain renunciou. "Eu estava gastando dinheiro meu, tirando dinheiro das minhas lojas para contratar advogados bons advogados particulares para me defender de diversos processos de improbidade a qual nenhum eu fui julgado e condenado."
Na ação, o MP usou ainda as novas regras da Lei de Improbidade Administrativa e apontou que o então prefeito teria agido com dolo, isso é, com a intenção de cometer os desvios. Em seu segundo mandato, o prefeito renunciou ao cargo no início de agosto e alegou motivo pessoal. Em seu lugar assumiu o vice, Germano Peschel (PP). O processo será analisado pela juíza Gilvana Mastrandréa de Souza.
Artistas
Por meio de sua assessoria de imprensa, a dupla Fernando & Sorocaba informou que não faz distinção de contratante, público ou privado, e que os negócios são feitos dentro da lei. "A dupla Fernando & Sorocaba informa que possui sua agenda disponível para contratação pública ou privada, não fazendo distinção do tipo de contratante, desde que a contratação seja formalizada de modo a respeitar a Lei".
A dupla Israel & Rodolffo informou, por meio de seu departamento jurídico, que "o show na cidade de Buri (SP) não foi realizado e que a parte do valor recebido já foi depositado, estando à disposição do juiz". "Já foi apresentada defesa no referido processo e estamos aguardando a decisão final."
A dupla João Bosco & Vinícius informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "o show dos cantores tem excelente custo benefício para o mercado, principalmente para as prefeituras". "Em virtude disso, João Bosco & Vinícius são muito procurados para compor grades de eventos e festas importantes de todo país, devido à entrega de uma apresentação completa e com repertório impecável." Segundo ele, "a demanda de apresentações, tem preço justo e equilibrado".
"Todos os valores pagos estão dentro da margem de comprovação dos valores exigidos pela lei, e as variações de preços ocorrem por conta da logística dos cantores e sua equipe de estrada."
Os demais artistas citados e sob investigação não se manifestaram.
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