Mendonça no STF "simboliza muito" para evangélicos, diz especialista
Juliano Spyer, autor de O Povo de Deus, fala sobre o significado da indicação do ex-ministro da Justiça
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A aprovação de André Mendonça para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Senado foi um marco para a história dos evangélicos no país, de acordo com Juliano Spyer, autor do livro O Povo de Deus (Geração Editorial). "Para o evangélico, é a conquista, do ponto de vista político, mais importante da história desta religião e destes religiosos no Brasil", afirma.
A indicação do presidente Jair Bolsonaro (PL), que o próprio caracterizou como "terrivelmente evangélico", foi aprovada por 47 votos a 32 no Senado na tarde desta última 4ª feira (1°.dez). Para Juliano, que escreveu o livro depois de um ano e quatro meses de pesquisa de campo em um bairro periférico da Grande Salvador de 20 mil habitantes, André Mendonça representa um número de religiosos que cresce mais a cada ano e abrange as periferias brasileiras.
"De acordo com o mais recente Datafolha, os evangélicos são predominantemente pretos, pardos, majoritariamente mulheres, moradores de cidades, jovens, com menos recursos financeiros e menos escolaridade", diz.
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Em números, a pesquisa Datafolha, de 2020, ainda ressalta que 50% dos brasileiros são católicos, 31%, evangélicos, e 10% não têm religião. Dentre os evangélicos, a maioria ganha até 2 salários mínimos (48%) e é formada majoritariamente por pessoas negras (43% parda e 16% preta), além da maioria ser de mulheres (58%).
Confira três respostas de Juliano Spyer sobre nomeação de André Mendonça:
Como o senhor avalia a resposta de André Mendonça durante a sabatina sobre sobre a defesa da laicididade do Estado, na qual ele diz "ainda que eu seja genuinamente evangélico, entendo não haver para manifestação pública religiosa durante as sessões do Supremo Tribunal Federal"?
Vi a igreja evangélica ser responsável por uma série de coisas positivas, não estou falando de Brasília, do governo, do novo ministro, mas do bairro de Salvador. A redução da violência doméstica, de situações de violência, desde violência falada, simbólica e até violência física.
Também percebi o envolvimento do cristão evangélico com educação. Muito contra estereótipos generalizantes contra alguém. "Evangélico tende a ser o aluno mais disciplinado da sua turma", como André Mendonça falou. Vi isso com muita frequência, já que a maioria das pessoas que eu conheci nesse bairro de 20 mil habitantes e que cursavam o ensino superior, eram quase todas evangélicas.
A redução da violência doméstica e o envolvimento com escola e educação são dois pontos importantes, mas além disso, há a oportunidade do processo de redignificação da pessoa a partir da conversão. Há pesquisas de presidiários em cadeias convertidos nas penitenciárias.
A igreja evangélica é mais eficiente na recuperação de pessoas que estão em situação de rua, em dependência, praticando crimes, do que o Estado brasileiro. É preciso frisar que um país que tem um terço de evangélicos continua sendo subrepresentado tendo seu primeiro ministro do supremo evangélico em 2021.
Depois da aprovação do Senado, o senhor acredita que André Mendonça mudou seu discurso? Ao dizer que é um "salto para os evangélicos"?
Isso está dentro de uma área jurídica que eu não domino e acho confusa, porque o Brasil é um país historicamente católico. O catolicismo está entranhado na vida dos brasileiros, junto com os bandeirantes e colonizadores estiveram com brasileiros, cidades do Brasil surgem ao redor de uma igreja. Só no século XIX essa igreja deixa de ser um monopólio de igreja. Acho confuso que um país com tanto catolicismo cultural, mesmo que a pessoa não se entenda católica, nem frequente as missas, ainda assim a gente não se desvencilha desse tipo de laço, de uma hora para outra e muito do cristão evangélico, foi até recentemente católico.
País já era cristão, se formou cristão e talvez não continue católico, porque a Igreja Católica não está nas periferias. Um padre para ser formado e a igreja para ser construída demoram décadas. Fico confuso, pois em que medida você pode separar qualquer outro ministro que seja católico, da função dele como ministro, você pode dizer isso, mas isso é impossível, não pode tirar a pessoa de onde ela é formada, de onde ela vem. Muito da questão preconceituosa em relação ao evangélico tem raiz em uma disputa mais antiga entre o catolicismo e o protestantismo.
O que esperar da aprovação de André Mendonça ao STF?
Em termos de população brasileira, tenho a impressão que a quantidade de pessoas que são representadas pelos atuais ministros do STF são principalemente pessoas brancas, do sexo masculino que tiraram proveito dos seus privilégios. É um outro mundo.
Não está subrepresentado só o número de evangélicos no STF, mas de negros, de mulheres. Muitas vezes, o evangélico é acusado de intolerante por pessoas que nem se dão conta do tipo de intolerância que elas têm, por não conhecer o fenômeno ou de falar sobre ele de uma forma agressiva e simplória.
Para dialogar com problemas verdadeiros, complicados, delicados que surgem com emergência de uma população do ponto de vista moral muito conservador, é preciso estar mais em contato com o local onde as pessoas vivem, estar em contato com a realidade, com o conhecimento produzido na universidade de excelente qualidade que existe no Brasil e no mundo.
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