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Apesar das mudanças, ABL está longe da diversidade, afirmam especialistas

A Academia Brasileira de Letras elegeu a nona mulher e o terceiro homem negro de sua história

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Fachada da ABL
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A Academia Brasileira de Letras deu boas-vindas a quatro novos imortais -- como são nomeados os membros da ABL -- neste mês de novembro. A chegada dos nomes representa um período de mudanças dentro da Academia. Entre os motivos, por haver uma nova mulher, a atriz Fernanda Montenegro, e a nomeação do terceiro negro na história da instituição: o cantor Gilberto Gil. Ambos fazem parte do grupo de notáveis, visto que não são escritores. Mas o espaço dado à diversidade e a pessoas de outras áreas que vão além da escrita ainda é curto, e são necessárias mudanças, segundo análise de especialistas consultados pelo SBT News.

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Fernanda Montenegro chega à ABL acompanhada da jornalista Ana Maria Machado, da professora Cleonice Berardinelli e das escritoras Lygia Fagundes Telles e Nélida Piñon. Apenas outras quatro mulheres ocuparam cadeiras na entidade, levantando o debate acerca da diversidade de gênero. A socióloga Michele Asmar Fanini relembrou que a Academia sempre teve um quadro majoritariamente masculino. "124 anos após a fundação da ABL, temos uma instituição formada, em sua esmagadora maioria, por homens brancos. Essa persistente falta de representatividade revela o longo caminho que ainda temos pela frente", declarou a professora da Universidade de São Paulo (USP). Ela destacou a infuência histórica na formação da ABL: "É importante lembrarmos que a Academia foi fundada em uma época em que a mulher era considerada inferior aos homens, menos "vocacionada" às atividades intelectuais", ressaltando que, até 1976, somente candidatos masculinos poderiam ser eleitos imortais.

Como Fernanda, a chegada de Gilberto Gil abre um novo capítulo acerca da pauta da diversidade. Além do cantor, apenas outros dois homens negros já foram eleitos imortais - Machado de Assis e Domício Proença Filho, que esteve à frente da presidência da ABL entre 2016 e 2017. Entre as mulheres, nenhuma é negra.

O escritor e crítico literário Tom Farias relatou encarar como "muito difícil" a ascensão de outros notórios negros à Academia Brasileira de Letras. "Aquilo é um clube. Eles escolhem quem eles querem", afirmou, relembrando o caso da escritora mineira Conceição Evaristo, que chegou a concorrer a uma vaga, mas saiu da disputa sem nenhum voto. "Acusaram a Conceição de não ter feito campanha, não ter procurado os acadêmicos. A Fernanda Montenegro não procurou ninguém. Por que não podia fazer isso também com a Conceição? Acho que pesa essa questão mesmo do preconceito, do racismo, desse olhar enviesado para uma população que é branca e para uma população que é negra".

O escritor reiterou que índigenas e pessoas da comunidade LGBTQIA+ também não são representados no espaço de referência à instituição. "Esse olhar não é um olhar que preocupa a Academia em si, essa questão do ter uma representatividade do negro, do indígena. Quando a Academia olhar isso, esse país vai ser intelectualmente melhor", pontuou o crítico, que é membro da Academia Carioca de Letras.

Novos imortais
No dia 4 de novembro, a atriz Fernanda Montenegro foi eleita a cadeira 17. Na semana seguinte, no dia 11, o cantor Gilberto Gil recebeu 21 de 34 votos e ocupará a cadeira 20. Já em 18.nov, foi a vez do médico Paulo Niemeyer Filho entrar na instituição, eleito à cadeira 12. Por último, foi eleito à cadeira 39, na última 5ª feira (25.nov), o jurista e escritor José Paulo Cavalcanti Filho. 

Aos 92 anos, Fernanda Montenegro, se tornou a nona mulher a fazer parte da Academia Brasileira de Letras. Como atriz, ela participou de mais de 30 programas de televisão, entre séries, novelas e especiais. No teatro, foram 70 peças. Ela também foi a única brasileira a ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz, por sua atuação em Central do Brasil (1998), de Walter Salles. Fernanda também escreveu a autobiografia Prólogo, Ato e Epílogo, publicada em 2019.

Já o baiano Gilberto Gil, de 79 anos, recebeu diversos prêmios musicais ao longo da carreira, como o Grammy Awards e Grammy Latino. O cantor tem cerca de 60 álbuns com composições próprias. Também foi ministro da Cultura, entre os anos de 2003 e 2008, em parte dos dois mandatos do ex-presidente Lula (PT). Gil é autor do livro Todas as Letras, que compila mais de 400 canções de sua autoria.

Entre os quatro imortais, Paulo Niemeyer Filho é o mais jovem, com 69 anos. Médico neurocirurgião e escritor, ele ocupa a cadeira 12. Membro titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, é autor do livro No Labirinto do Cérebro. Para integrar a instituição, o médico recebeu 25 dos 34 votos possíveis.

Por fim, José Paulo Cavalcanti Filho, de 73 anos, é jurista e romancista. Ele foi secretário-geral do Ministério da Justiça e ministro da Justiça interino durante o governo de José Sarney. Com mais de 18 títulos escritos, o autor é um grande conhecedor de Fernando Pessoa e já recebeu diferentes premiações em mais de 9 países. Para fazer parte dos 40 imortais, José Paulo Cavalcanti venceu Ricardo Cavaliere, Godofredo de Oliveira Neto, Luiz Coronel, Camilo Martins e Leandro Gouveia.
  
Como é eleito um imortal 
Apesar da chegada de três novos integrantes, o processo para fazer parte da ABL não é tão simples. A Academia Brasileira de Letras é composta por 40 membros efetivos e uma nova vaga só é aberta com o falecimento de um acadêmico. Após uma cerimônia em memória do colega falecido, a cadeira é declarada vaga e, então, os interessados têm 30 dias para pleitear o posto, enviando uma carta ao presidente. Passado o tempo, a votação para eleger o novo membro da Academia ocorre em até 60 dias. 

A votação é secreta. Atualmente, a ABL conta com 34 votantes possíveis, isso porque uma pessoa não possui condições de votar. Dessa forma, é eleito imortal aquele que receber 18 votos. Em função da pandemia, três modalidades de votos estão autorizadas: carta, presencial e virtual. Depoi da contagem dos votos e a confirmação de quem será o novo integrante, o imortal passa por uma cerimônia de posse.
 
História da ABL
O desejo de criar uma Academia Brasileira de Letras surge com a publicação da Revista Brasileira, do escritor paraense José Veríssimo, considerado o principal idealizador da instituição. O sucesso do semanário fez com que um grupo de escritores se reunisse e desse os primeiros passos para a criação da ABL, fundada em 1897. Machado de Assis, ícone do realismo brasileiro, figura entre os membros-fundadores da Academia, acompanhado pelos escritores Lúcio de Mendonça, Afonso Celso, Graça Aranha, Inglês de Sousa, Medeiros e Albuquerque, Olavo Bilac, Joaquim Nabuco, Teixeira de Melo, Ruy Barbosa e Visconde de Taunay. A entidade segue os moldes da Academia Francesa de Letras, em atividade desde 1634.

Na ABL, 40 brasileiros integram o quadro de notáveis que contribuíram para a cultura nacional. Entre os patronos e atuais ocupantes, estão escritores, poetas, jornalistas, religiosos e artistas que, por meio da literatura e outras manifestações artísticas, retratam a história política e sociocultural do país ao longo das décadas. 
Atualmente, as cadeiras da Academia Brasileira de Letras são ocupadas pelos seguintes membros:

1- Ana Maria Machado --- Jornalista
2- Vacante (eleições serão no dia 16 de dezembro)
3- Joaquim Falcão --- Advogado 
4- Carlos Nejar --- Escritor/Poeta
5- José Murilo de Carvalho --- Historiador
6- Cicero Sandroni --- Jornalista
7- Carlos Diegues --- Cineasta
8- Cleonice Berardinelli --- Professora
9- Alberto da Costa e Silva --- Escritor/Poeta
10- Rosiska Darcy de Oliveira --- Jornalista
11- Ignácio de Loyola Brandão --- Escritor
12- Paulo Niemeyer Filho --- Médico
13- Sergio Paulo Rouanet --- Diplomata
14- Celso Lafer --- Advogado/Ex-ministro
15- Marco Lucchesi --- Escritor/Poeta
16- Lygia Fagundes Telles --- Escritora
17- Fernanda Montenegro --- Atriz
18- Arnaldo Niskier --- Escritor
19- Antonio Carlos Secchin --- Escritor/Poeta
20- Gilberto Gil --- Cantor/Ex-ministro
21- Paulo Coelho --- Escritor
22- João Almino --- Escritor
23- Antônio Torres --- Escritor
24- Geraldo Carneiro --- Poeta/Escritor
25- Alberto Venancio Filho --- Advogado
26- Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça --- Advogado
27- Antonio Cicero --- Compositor
28- Domício Proença Filho --- Professor
29- Geraldo Holanda Cavalcanti --- Diplomata
30- Nélida Piñon --- Escritora
31- Merval Pereira --- Jornalista
32- Zuenir Ventura --- Jornalista
33- Evanildo Bechara --- Professor
34- Evaldo Cabral de Mello --- Escritor
35- Candido Mendes de Almeida --- Professor/Reitor
36- Fernando Henrique Cardoso --- Sociólogo/Ex-presidente
37- Arno Wehling --- Historiador
38- José Sarney --- Advogado/Ex-presidente
39- José Paulo Cavalcanti --- Jurista
40- Edmar Lisboa Bacha --- Economista
*Estagiários sob supervisão de Lis Cappi

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