A covid no sertão baiano: o colapso na saúde da cidade com três leitos
Município precisou transferir pacientes e criar nova unidade às pressas; hoje, distância atrasa vacinação
SBT News
Tem morador que duvidou... mas o novo coronavírus chegou, em junho do ano passado, à pequena Quijingue no sertão da Bahia, a 340 quilômetros de Salvador. O município só tem um hospital. São apenas três leitos, que não oferecem suporte ventilatório. A Prefeitura precisou criar uma unidade de atendimento que foi incorporada ao hospital. Com isso, foram abertos mais quatro leitos para atender pacientes graves. Como encarar, com esta estrutura, a maior crise sanitária que o mundo já enfrentou? Foi a pergunta que eu fiz quando chegamos à cidade. Me surpreendi quando soube que cinco foi o número máximo de pessoas internadas, o que causou um colapso no sistema de saúde. No pico da pandemia, a saída, muitas vezes, foi transferir pacientes para outros municípios.
Foi o que aconteceu com dona Eremita. Ela foi levada para um hospital em Salvador. A família quase não tinha notícias. O neto, Vagner, me disse que todos ficaram felizes quando conseguiram, com a ajuda dos médicos, fazer uma ligação por vídeo para ela. Menos de 24 horas após a ligação, dona Eremita, de 74 anos, foi intubada. Morreu 5 dias depois. Ela foi o primeiro caso confirmado de covid-19 em Quijingue. "Ela reclamava de falta de apetite, um leve resfriado, não era nada pesado. Teve tontura mas não era nada grave no início, tanto é que ela saiu daqui consciente, conversando", contou o neto.
"E quem vive na zona rural? Doentes, essas pessoas são obrigadas a pegar estrada para chegar ao centro urbano. Ali, quase ninguém tem carro e detalhe: não há transporte público."
A chegada da vacina serviu de esperança mas não encurtou o caminho de quem mora longe. O posto de saúde mais próximo da comunidade de Tatu, por exemplo, fica a uma distância de 8 quilômetros. É longe para ir a pé. A maioria dos moradores usa o serviço de mototáxi. O trajeto ida e volta custa R$ 12. Achou barato? Eles não. "Pra gente que tem necessidade com 4 filhos pra criar, sem trabalhar, R$ 12 já dá para comprar o fubá para meu filho poder comer", diz Jaqueline. Essa é a realidade de quase todo mundo que vive no pequeno povoado.
Mesmo diante de tantas dificuldades, todos os moradores da cidade com mais de 18 anos tomaram a primeira dose da vacina. O problema é que o atraso na entrega dos lotes dificulta o agendamento da segunda dose. Os postos de saúde comunicam os moradores quando uma nova remessa chega. Por esse e outros motivos, a maioria dos estados do Nordeste tem a média de vacinação abaixo do índice nacional.
Dona Eremita, a avó do Vagner, morreu 8 meses antes do início da imunização no país. Ela está entre os quase 600 mil brasileiros que perderam a vida para a covid-19. Os parente e os amigos que ficam são obrigados a conviver com a saudade. E pra essa aí, não existe vacina.
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