Único a liberar fuzil, Exército vira 'plano A' de quem quer ter arma
Militares têm liberado mais armas para civis do que PF, incluindo fuzil indicado por Bolsonaro a apoiadores
SBT News
Nos últimos três anos, o Exército se consolidou como o plano A para quem quer ter acesso a armas no Brasil. Levantamento do SBT News a partir da Lei de Acesso a Informações (LAI) mostra que 79.334 armas foram registradas a mais na Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC) ligada aos militares do que na Polícia Federal, de janeiro 2018 a julho de 2021. A escalada das autorizações ocorreu no mandato do presidente Jair Bolsonaro. Nos três anos anteriores a 2018, as armas do Exército representavam apenas 61% do total da PF.
Entre as armas autorizadas pelo Exército está o fuzil 7.62, indicado por Bolsonaro nesta 6ª feira (27.ago) para apoiadores. Durante conversa com os correligiários, no Palácio da Alvorada, o chefe do Executivo afirmou que "tem que todo mundo comprar fuzil". Ao ser questionado sobre novidades em relação aos colecionadores de armas, atiradores desportivos e caçadores (CACs), Bolsonaro afirmou que fez tudo o que pôde fazer por decreto ou portaria. "O CAC que é fazendeiro pode comprar um fuzil 7.62. Tem que todo mundo comprar fuzil, povo armado jamais será escravizado. O idiota lá quer comprar feijão, cara, não quer comprar fuzil não enche o saco de quem quer comprar", disse.
O fuzil semi-automático calibre 7.62 só é autorizado pelo Exército para os atiradores, caçadores e colecionadores, os CACs. É um modelo semiautomático e segue como sendo de uso restrito. Mas como os CACs passaram a ter acesso a esse tipo de armamento, eles conseguem não só um, mas até cinco fuzis. O registro na Polícia Federal não permite esse tipo de armamento.
Levantamento do SBT News mostra que em 2021, até julho, foram 90.254 novos registros de armas expedidos pela Polícia Federal. Já em relação ao sistema do Exército foram autorizadas 107.783 armas, a partir de uma média mensal feita para efeito de comparação com os números da PF. Confira detalhes no gráfico:
Diferenças entre registros
No Brasil, existem duas formas para conseguir o acesso a armas: por meio do Sistema Nacional de Armas (Sinarm), no qual a autorização é concedida pela Polícia Federal; e a outra é por meio do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), coordenado pelo Exército. No Sinarm é possível requisitar a posse de arma e o porte (para casos excepcionais), já no Sigma, é preciso solicitar o pedido de registro como caçador, atirador ou colecionador (CACs) para ter acesso a armas.
Para conseguir o registro na Polícia Federal, o requerente precisa: ter idade mínima de 25 anos; declarar a efetiva necessidade de possuir arma de fogo; comprovar idoneidade, com certidões negativas de antecedentes criminais e não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal; apresentar comprovação de ocupação lícita e de residência e comprovar capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo. Ao todo são quatro etapas, desde a solicitação da autorização de aquisição até o registro da arma de fogo e o custo é de R$ 88.
Já no Exército, o único requisito é ser colecionador de armas de fogo, atirador desportivos e caçador. São cinco critérios que os solicitantes devem comprovar por meio de documentação: identificação pessoal, idoneidade, capacidade, condições das instalações e entrega de um termo de responsabilidade. São três etapas desde o requerimento da concessão do certificado de registro (CR) para CAC até o recebimento do certificado. A taxa para concessão do certificado de registro para CAC R$ 100.
Segundo Bruno Langeoni, do Instituto Sou da Paz, o processo é um pouco mais demorado no Exército. No entanto, tem atraído mais pessoas porque possibilita acesso a mais tipos de armas, inclusive as de uso restrito. Outro ponto para esse aumento de registros no Exército, segundo o especialista, é o "porte de trânisto". "E principalmente porque inventaram uma burla ao Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03), que é um porte de arma disfarçado. Chamam de 'porte de trânsito', mas é um porte de arma na prática", ressalta.