Anatel quer punição severa para abusos de empresas de telemarketing
5G nas capitais fica para o fim de setembro, diz presidente da Agência Nacional de Telecomunicações
Guto Abranches
Em entrevista ao SBT News, o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Manuel Baigorri, garante que Brasil está mais avançado do que nunca para implantação da tecnologia 5G. Ele também comenta que a agência quer punições mais rígidas para coibir práticas abusivas de empresas de telemarketing.
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Confira a entrevista completa:
A data de 31 de julho para o 5G nas capitais mudou, não vai mais ser essa?
Não será mais. Houve uma decisão na semana passada do grupo responsável por fazer a coordenação e execução da implantação do 5G. Numa decisão unânime, o grupo propôs ao conselho diretor a prorrogação do prazo por 60 dias em razão da inexistência dos equipamentos necessários para garantir a continuidade da TV aberta. O sinal do 5G, quando for ativado, interfere na TV aberta e derruba o sinal. Então, enquanto esses filtros e equipamentos não forem instalados nos sistemas de TV não podemos ativar o 5G sem colocar o serviço de TV aberta em risco. A prioridade da política pública do Ministério das Comunicações, liderado pelo ministro Fábio Faria, é sempre proteger a televisão aberta. O 5G é um serviço pago, que as pessoas precisam pagar para utilizar, enquanto a TV aberta é um serviço gratuito e, para muitas pessoas, a única forma de acesso à informação.
Houve a solicitação do grupo, mas vocês já aderiram? É definitivo que fica para daqui dois meses?
Isso foi uma proposta do Grupo Gaispi, aprovada por unanimidade. Agora isso vai ser deliberado pelo conselho diretor da agência. O relator da matéria no conselho diretor é o conselheiro Emmanuel Campelo, que irá, no momento em que ele entender que a matéria está madura para deliberação, trazer ao conselho diretor. [Na sequência] iremos deliberar quanto a isso.
O senhor acredita que a maior probabilidade seja mesmo de uma prorrogação?
Naturalmente. A manifestação do grupo, coordenado e liderado pelo conselheiro Moisés Moreira, também diretor da agência, é no sentido da prorrogação pela questão óbvia da inexistência de equipamentos necessários para garantir a convivência entre o 5G e a televisão aberta.
É o único empecilho?
No momento é o único empecilho.
A estrutura, tecnologia, está pronta?
Tudo resolvido. Há uma previsão de entrega dos equipamentos até meados de agosto. Uma vez recebidos, eles serão implantados e instalados nos sistemas profissionais de TV aberta, e o 5G poderá ser ativado nas capitais conforme previsto no edital.
Estamos mais avançados agora do que jamais estivemos?
Sim. A cada dia damos um passo em direção da plena implantação do 5G no Brasil, colocando o país como uma referência mundial em 5G no stand alone --- o padrão que chamamos de "5G puro" e que é o mais alto, o estado da arte do 5G no mundo. O Brasil será uma referência mundial em 5G no hub de tecnologia e inovação graças à implantação da rede no Brasil.
Qual é a expectativa do consumidor no Brasil para a tecnologia?
O 5G, diferentemente do 4G, foi desenvolvido focando não só no consumidor. Para nós usuários, os smartphones, o acesso à internet, vai ficar mais rápido com menor latência. Mas, um cidadão normal, que acessa as redes sociais, YouTube, não vai ver uma grande diferença. Quem vai sentir mais são aqueles usuários que usam aplicações que demandam baixa latência, muito comum em jogos on-line, por exemplo. Agora, o 5G é uma tecnologia desenvolvida não focada tanto nas pessoas, mas em novas aplicações para a economia como um tudo. O 5G vai vir para conectar coisas, para conectar um carro com uma rede, conectar uma colheitadeira no agro, conectar toda uma planta fabril para garantir a indústria 4.0. O 5G vai ser transformador muito mais para a economia brasileira, para o agro, para indústria, para cidades, para mobilidade urbana, do que para pessoas. É óbvio que para as pessoas vai ter uma melhoria na qualidade de serviço, na velocidade da internet, mas não vai ser algo transformador.
O senhor acredita que um melhor resultado que essa tecnologia possa prover ao usuário do Brasil, inclusive as empresas, vai estar acontecendo daqui a quanto tempo?
O edital traz um cronograma de metas de implantação do 5G que termina em 2029, quando todas as cidades brasileiras terão cobertura. Agora, não é a rede do 5G que vai mudar a vida das pessoas. O que vai mudar na vida das pessoas vão ser as aplicações que vão ser viáveis a partir da rede 5G. A mudança na sociedade, na economia, virá a partir das aplicações. Como essas aplicações acontecem em um mundo de inovações, com startups e coisas que são imprevisíveis neste momento, eu não sei dizer exatamente, mas eu diria que, a partir de 2024, 2025, já teremos o 5G nas capitais brasileiras em nível avançado, o que permitirá o surgimento das aplicações. À medida que o 5G for se interiorizando pelo Brasil, chegando a todas as cidades até 2029, chegando a cidades menores, já haverá aplicações que poderão ser aproveitadas pelas comunidades. Eu diria que depende mais das aplicações que vão surgir no 5G do que a rede em si. Mas posso dizer que, a partir de 2024, as capitais brasileiras estarão com uma cobertura 5G em um nível muito adequado.
O senhor pode exemplificar as aplicações?
Vou te dar uma aplicação que só existe no campo da futurologia. Quando pensamos em carros autônomos, como os desenvolvidos pela Tesla, do Elon Musk, que são carros que têm uma quantidade de sensores e vão sentindo o ambiente. Quando estamos falando de 5G, vamos estar falando de uma frota de carros, talvez centenas, todos conectados numa rede e integrados em tempo real, sabendo onde cada carro está. Não vai ser o carro sozinho lendo o ambiente. Vai ser uma rede de carros atuando de forma integrada, até para ajudar a não bater, ajudar a criar comboios de carros. Todo mundo que dirige percebe isso: está parado no trânsito e está lá o sinal vermelho. De repente o sinal fica verde. Até o seu carro começar a movimentar, todo o carro vai movimentando. Em um cenário eficiente, todos os carros andariam ao mesmo tempo juntos. O sinal fica aberto e começa a andar como se fosse um trem. Um monte de carros engatilhados um no outro. Essa é uma solução. Para que esse cenário acontecesse de fato, todos os carros teriam que estar conectados um ao outro. Essa conexão poderia ser física, em que todos os carros engatados iriam andar ao mesmo tempo, ou a conexão poderia ser lógica --- todos os carros conectados em uma rede, ou conectados entre si, e todos os carros começam a andar ao mesmo tempo, como um comboio. Isso gera uma série de eficiências para a mobilidade urbana. Essa é uma aplicação possível que poderia acontecer com o 5G. E aí são outras diversas. Eu não sou nenhum futurista, e nem tenho essas habilidades, mas certamente tem muita gente, muitas startups, investidores, pensando nas aplicações que vão mudar a vida das pessoas, a realidade do mundo e os negócios.
O senhor pode dar uma estimativa do incremento à economia que a tecnologia vai poder trazer já em um primeiro momento?
Como o 5G é uma tecnologia disruptiva, não temos estudos suficientes para fazer essa relação de casualidade com o crescimento do PIB. Existem estimativas de que o 5G vai gerar transações econômicas e o surgimento de uma nova economia com o valor de aproximadamente US$ 100 bilhões de dólares nos primeiros 5 anos. Ou seja, estamos falando de valor agregado à economia associado à tecnologia. Na literatura econômica, já é conhecido que o principal motor para o crescimento econômico é a inovação e o desenvolvimento tecnológico.
Pegando a carona do 5G, mas para falar do investimento e empenho da Anatel, do senhor pessoalmente, para trazer um quarto player para o mercado de operação de telefonia...Como está isso está caminhando? O senhor está pessoalmente envolvido? Dá para ser otimista?
Sim. A Anatel está toda engajada nessa missão. O conselheiro Vicente Aquino, do conselho diretor, é responsável por liderar esse projeto de fomentar e viabilizar o quarto operador. O Brasil, desde a privatização do sistema Telebras, sempre contou com quatro operadores nacionais de telefonia celular: Vivo, Claro, Tim e Oi. Depois de muito tempo surgiu a Nextel. Então, durante alguns anos, o Brasil contou com cinco operadores nacionais no celular. Por diversos motivos, esse mercado veio se consolidando. Então houve uma consolidação, uma aquisição da Nextel pela Claro e, recentemente, uma aquisão da operação de celular da Oi por um consórcio formado por Vivo, Claro e Tim no âmbito da recuperação judicial da Oi, que está em recuperação judicial desde 2019. O mercado se consolidou, de cinco players nacionais para três. É uma consolidação que acontece por diversos motivos, mas a Anatel tem a missão prevista em lei de promover a concorrência. Cumprindo essa missão legal que nós temos, no edital do 5G, foram criadas condições para a entrada de um novo operador no mercado de celular. Foram previstos lotes regionais. Em cada região do Brasil entrou um novo operador, que tem suas metas. Mas esses operadores são novos, vão surgir. Eles não têm operações celulares. Então, qual é a nossa missão nesse momento: usar todos os nossos instrumentos, as ferramentas que temos, para fazer com que esse quarto operador que está surgindo agora se estabeleça no mercado, ganhe musculatura e se torne, de fato, um concorrente dos outros três operadores de mercado. Nós da Anatel estamos convictos de que essa é a nossa missão, que temos que utilizar todos os meios necessários para garantir que essa visão seja cumprida. Isso envolve também obrigações por parte dessas empresas. A Anatel não vai assumir a parte política, por exemplo, de marketing, de estratégia comercial, de estratégia empresarial. Nós vamos atuar com as nossas ferramentas --- as regulatórias. As principais que temos nesse momento são as condições, ou remédios regulatórios, que foram impostos ao consórcio formado por Vivo, Claro e Tim quando da aquisição da Oi. A operação de compra da Oi foi aprovada pela Anatel e pelo Cade com restrições. Essas restrições foram impostas com o objetivo de promover a concorrência. Então, nós vamos usar essas condições, esses remédios, como instrumentos para viabilizar o surgimento e estabelecimento do quarto player em cada uma das regiões do Brasil.
O Ceará tem os três (players regionais) que já operam e vai entrar o quarto player, que é só do Ceará. No Maranhão serão os mesmos três e um quarto player que é só do Maranhão, não é do Ceará...
É basicamente isso, mas não fizemos a divisão por estados, fizemos por regiões. Então, por exemplo, na região Nordeste vamos ter a Claro, a Tim e a Vivo, que operam no Brasil todo, inclusive na região Nordeste, mas na região Nordeste, o ganhador do estado do 5G foi a Brisanet, que é uma empresa que atua no mercado de fibra óptica naquela região e que, agora, vai ter que operar no mercado celular. A Brisanet ganhou a região Nordeste. Na região Sul, por exemplo, foi um consórcio formado pela Copel Telecom, chamada agora Liga Telecom e a Unifique, que atua no estado de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No Norte, também foi a Liga Telecom. A Liga Telecom ganhou o estado do Paraná, São Paulo e o Norte do país. A Brisanet ganhou o Nordeste e o Centro-Oeste do país. A Unifique ganhou os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e a Cloud2U ganhou a região Sudeste, com exceção de São Paulo. Nessas regiões, vamos ter o quarto player para competir com Claro, Vivo e Tim, que são operadoras nacionais. Vamos tomar as medidas para que essas operadores, que são entrantes no mercado, consigam se estabelecer, ganhar musculatura e disputar mercado com os players nacionais.
Falando sobre o crescimento do número de queixas do consumidor, que recebe ligações dos robôs a qualquer hora, são 372% de aumento, dado da própria Anatel. O 0303 não deu certo?
Nós sabemos que não existe bala de prata para resolver essa situação. É um problema que vai exigir diversas abordagens da Anatel, por ângulos diferentes, para tentar resolver. O 0303 é uma iniciativa, mas nunca foi a expectativa de que ela iria gerar efeitos no curto prazo. Nós temos um conjunto de outras iniciativas, como, por exemplo, o combate ao spoofing, que é quando você fica recebendo a mesma ligação de números diferentes. Muitas vezes esse número não tem dono, é um número não assignado. Mas, de fato, todas as medidas que foram tomadas até agora não têm se mostrado suficientes para impedir a proliferação do telemarketing ativo.
O senhor não está nada satisfeito?
Eu não estou nada satisfeito, mas quem é o grande líder desse projeto no Anatel é o conselheiro Emmanuel Campelo. Ele não está nada satisfeito. Nós, do conselho diretor da Anatel, lhe demos plenos poderes, carta branca, para resolver a situação. Ele não está nada satisfeito, tenho certeza quanto a isso. O conselho diretor não está nada satisfeito, e nós vamos partir para novas iniciativas para garantir que o problema seja resolvido.
A empresa encontra mais formas de burlar o que foi determinado do que tomar iniciativas no sentido de se adequar?
Exatamente isso. Foram colocadas condições, buscada limitações para isso, mas as empresas, que fazem o telemarketing ativo e abusivo encontram sempre formas de burlar as restrições que colocamos. Nós tentamos, por diversas vezes, conversar, tomar medidas mais orientativas, mas não tem surtido efeito e os números refletem isso. O conselheiro Emmanuel Campelo já está avaliando e tem todo o apoio do nosso conselho para tomar medidas mais duras, de âmbito coercitivo, para garantir que isso pare de funcionar.
Ou seja, os senhores vão para cima das empresas?
Nós vamos para cima das empresas. Essa é a direção.
Qual é a medida prática mais provável?
Eu diria que a mais provável é o instrumento mais poderoso que nós temos, que é o sancionamento pecuniar, ou seja, multas, e possível até o bloqueio dos usuários.
Eu li um número que me chamou a atenção: as empresas que não atenderem a regra poderão ter multas de até R$ 50 milhões...
Exatamente. A nossa lei estabelece um limite de R$ 50 milhões por infração. Se nós entendermos que cada ligação indesejada é uma infração, nós estamos falando, no limite, de R$ 50 milhões por ligação abusiva por um telemarketing.
Os senhores vão estabelecer um prazo para esse novo processo? Para a nova ação da Anatel ter efeito ou para que as empresas efetivamente se adequem a partir da novsa determinação?
Os prazos já foram estabelecidos, as regras já foram colocadas. Tem um prazo para adequação dos sistemas por meio das ligações por meio de redes celulares e um outro prazo para ligações por meio da rede fixa. Esses prazos já foram estebelecidos. A regra já foi posta. Agora, é o próximo momento. A regra foi posta, não foi cumprida, hora de punir com todo o rigor da regulamentação.
Ou seja, a espada dos R$ 50 milhões já está pairando no ar...
Já está afiada e pronta para causar seus danos. O nosso objetivo não é prejudicar empresas, não é sancionar, não é aplicar multas. O nosso objetivo é garantir que as regras sejam cumpridas. Essa regra que nós criamos tem o objetivo de atender o interesse público, que é proteger o consumidor e garantir a sua privacidade e sossego.
A partir de 8 de junho, caso o consumidor continue recebendo as chamadas indesejadas, ele deverá reclamar junto à prestadora por utilização indevida de recursos de enumeração. A prestadora é a telefônica?
É isso. As empresas de telefonia que prestam o serviço para o consumidor.
Agora, ele deve reclamar sem usar telefone, porque... Já tentou ligar para a operadora? Pois é...
Exatamente. Nós estamos avaliando outras formas, outros canais de atendimento na Anatel para receber essas reclamações. É um problema tão complexo que nós não temos uma bala de prata, não temos uma solução única. Nós precisamos atuar em diversas frentes. O conselheiro Emmanuel Campelo tem sido o grande orquestrador dessa frente dentro do conselho diretor da Anatel. Nós demos a ele carta branca e plenos poderes para garantir que o problema seja resolvido. Ele incomoda todos os brasileiros. Provavelmente, durante esta entrevista, nós recebemos a ligação de um telemarketing tentando nos vender alguma coisa ou tentando cobrar uma dívida que não é minha e nem sua.
E isso com as possibilidades de bloqueio, Reclame Aqui, e todos os outros recursos para bloquear...
Uma coisa que nós percebemos é que a quantidade de ligações indesejadas feitas pelas operadoras de telecomunicações reduziu muito [depois da nova regra]. O setor de telecomunicações que, durante algum tempo, foi um dos grandes ofensores disso, não é mais. Não é a Vivo, a Claro, a Tim, uma empresa de telecom que está te ligando para tentar vender. Hoje, o problema está em outros setores. As operadoras de telecomunicações implementaram o Reclame Aqui e se você colocar lá o seu nome, ele funciona. Eu coloquei o meu nome e não recebo mais ligações de operadores de telecomunicações, mas recebo de bancos, de seguradoras, de faculdades.
Quer dizer, é um cliente da telefônica?
Um cliente da telefônica. E isso é importante. A legislação brasileira de telecomunicações prevê uma série de direitos para o usuário do serviço de telecomunicações, mas também prevê deveres, que devem ser cumpridos. Se não forem cumpridos, podem sofrer sancionamento por parte da Anatel.
Em termos práticos, é fazer o quê?
Eu te recomendaria registrar os números que ligando, quem está querendo oferecer, qual a instituição. Junte isso, documente, e entre em contato com o call center da Anatel e apresente as informações para os canais de atendimento. Nós temos aplicativo, e-mail. Temos diversos canais de atendimento. Procure os canais de atendimento da Anatel e informe. Isso será utilizado como material para nós sanciornarmos e punirmos as empresas --- não só quem está fazendo telemarketing abusivo, mas quem está contratando os serviços de telemarketing abusivo para incomodar o cidadão.
Assista à entrevista completa: