'Adolescência': o que os pais podem fazer quando as coisas não vão bem com os filhos?
Série traz história de garoto de 13 anos acusado de assassinar uma colega de escola e revela abismo entre o menino e a família

Wagner Lauria Jr.
A minissérie "Adolescência", da Netflix, vem trazendo à tona a influência do mundo digital e, principalmente, das redes sociais no comportamento dos jovens e adolescentes. Mas também traz uma questão importante: como os pais não viram o problema?
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A série traz a história de James Miller, um garoto de 13 anos, acusado de assassinar uma colega de escola, Katie Leonard. Com isso, revela-se um abismo na família, que passa a desconhecer o próprio filho.
A relação entre pais e filhos é falha em outros núcleos da série. Um exemplo é o do investigador responsável pelo caso, Luke Bascombe, e seu filho, Adam.
Muitos pais não têm ideia de que os filhos estão em contato com conteúdos "incel" – uma união de "celibatário" e "involuntário" –, usada para se referir a homens que se sentem frustrados sexualmente e acreditam na "regra do 80/20": segundo a teoria, 80% das mulheres se sentem atraídas por apenas 20% dos homens. Os demais não teriam "chance" e estariam fadados ao "celibato involuntário".
Outro termo destacado na obra é o "red pill", grupo de homens que defende uma "masculinidade dominante" e faz referência ao filme de ficção científica 'Matrix', em que o personagem tem que escolher entre uma pílula vermelha, representando a verdade, e a pílula azul, o "retorno à ignorância".
A "verdade", nesse caso, seria tratar mulheres com inflexibilidade e, até mesmo, agressividade para obter o que se quer. O discurso é considerado disseminador da misoginia, ou seja, do ódio contra mulheres e meninas.

Os termos são explicados por Adam para seu pai no meio da investigação de assassinato. Até então, Luke interpretava as interações das redes sociais entre os colegas de escola como de amizade, mas, na verdade, eram uma forma de ridicularização e uma escalada de violência no ambiente digital.
No caso da série, há uma forte influência de grupos misóginos digitais que se apropriam da baixa autoconfiança e do bullying sofrido pelo protagonista.
O SBT News ouviu especialistas para entender quais são os fatores de atenção de que as coisas não vão bem com os filhos – e de que forma é possível estabelecer canais de comunicação, educação e controle sobre o que é consumido por eles na internet.
Sentimento de insatisfação e culpa
A sensação de insatisfação entre os jovens, com sentimento de culpa, pode estar relacionado a uma percepção de fracasso nos relacionamentos, seja com os pais ou com os amigos. O bullying, a falta de autoconfiança e a sensação de não conseguir dar conta de múltiplas atividades também podem ser fatores importantes, aponta Luci Pfeiffer, presidente do Departamento Científico de Prevenção e Enfrentamento das Causas Externas na Infância e Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
Ela ressalta que o primeiro passo para prevenir pode ser entender de onde vem ou, até mesmo, se existe esse sentimento entre os jovens. Isso pode ser feito numa conversa dos pais com os filhos ou em terapia.
Um dos motivos para os sentimentos de insatisfação e culpa, segundo ela, pode vir da tentativa da criança e do adolescente de conseguir satisfazer os pais e, com isso, conquistar o amor deles.
"É importante demonstrar afeto para a criança e o adolescente, com palavras de amor e gestos carinhosos. Afirmar o quanto é bom que ela tenha nascido, que é um prazer estar ao lado dela ou dela", ressalta.
O importante é que as demonstrações de amor não sejam atreladas à execução de alguma tarefa ou à obtenção de algum resultado, de acordo com Luci.
Desafios virtuais e grupos misóginos
Luci ressalta que alguns conteúdos virtuais, apresentados como "desafios" e "brincadeiras perigosas", podem incentivar as crianças a se machucarem, cometerem atos criminosos e, em alguns casos, levar à morte. Isso pode acontecer também na escola, onde a criança, na expectativa de pertencer a algum grupo, acaba se submetendo a desafios que podem ser nocivos para sua saúde mental e física.
Os pais devem tomar cuidado redobrado com o conteúdo a que crianças e adolescentes têm acesso e com quem eles interagem. Uma das maiores dificuldades com a internet, segundo a especialista, é a identificação de agressores e influenciadores em potencial, já que muitos se escondem atrás do anonimato no mundo virtual.

Acompanhar de perto os filhos no mundo digital
A advogada Alessandra Borelli recomenda aos pais acompanhar de perto o que seus filhos estão consumindo na internet. Além disso, é preciso que as crianças sejam orientadas sobre a utilização segura do ambiente digital, com alertas sobre os perigos e a definição de limites. O mais importante é encorajar a criança ou o adolescente a compartilhar com os responsáveis suas experiências pessoais.
"É imprescindível estabelecer um canal de confiança com a criança ou adolescente, deixando-a segura e confortável para compartilhar situações desconfortáveis", ressalta Borelli.
Educação sexual
O psicólogo Denis Gonçalves Ferreira ressalta que a educação sexual nas escolas deveria ser acessível para crianças e adolescentes, de forma que eles possam aceitar mais seu próprio corpo e desejo.
"Quando falo de educação sexual, não é ensinar a fazer sexo: isso seria uma forma de violação sexual. O que falo é construir habilidades protetivas nas crianças, melhorar a confiança em relação a si mesma e aos outros", explica.
Controlar tempo e conteúdo das telas
Sobre o uso de tecnologia, a recomendação da SBP é de que até os dois anos de idade a criança não deva entrar em contato com telas. Depois dos dois e até os cinco anos, o limite é uma hora por dia, com supervisão parental. Na adolescência, o ideal é no máximo duas horas, também sob monitoramento e nunca à noite, antes de dormir. "A tela excita, estimula vários tipos de atividades cerebrais e, com certeza, vai causar um sono agitado e pesadelos".
Segundo Luci, o uso de tecnologia nessa faixa etária "invade" o período da infância e adolescência e devia ser regulado pelo Estado, com uma legislação que proponha limites do que poderia ou não ser consumido.
"O ideal é que as telas nunca substituam completamente ou parcialmente o lazer natural, como correr, brincar, trocar abraços, conversar e se divertir ao ar livre", finaliza Luci.