Tratamento brasileiro contra câncer registra remissão em 80% dos pacientes
Ideia de Dimas Covas, coordenador do projeto, é ampliar estudo para que o tratamento seja introduzido no SUS
Felipe Moraes
Um revolucionário tratamento com terapia celular pode ser a esperança para pacientes brasileiros que lutam contra o câncer. Sob o nome técnico CAR-T cell, o estudo clínico usa as próprias células do sistema imunológico da pessoa com câncer para o enfrentamento da doença. Cerca de 80% dos pacientes que não respondiam aos tratamentos tradicionais tiveram remissão da doença depois do estudo.
+ Leia as últimas notícias no portal SBT NewsDesenvolvido pelo Centro de Terapia Celular (CTC) de Ribeirão Preto (SP), ligado ao Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da Universidade de São Paulo (USP), o protocolo começou a ser gestado em 2014 e teve seu primeiro caso de sucesso em 2019.
Até o momento, já são 15 pacientes "com sucesso sempre maravilhoso", comemora Dimas Covas, coordenador do CTC e do Núcleo de Terapia Celular do Hemocentro de Ribeirão Preto. O médico diz que o tratamento "é simples de explicar, mas complexo de executar".
Como funciona a terapia celular?
Se os tratamentos tradicionais de câncer envolvem cirurgia e quimioterapia, a terapia celular segue outra via, a da imunoterapia. "Reforça o sistema imunológico de forma que o próprio sistema da pessoa combata o câncer", define Covas.
O processo, segundo o médico, é autólogo. "A gente leva as células do sistema imunológico da pessoa com câncer, os linfócitos T, para o laboratório e modifica geneticamente essas células. Faz uma inserção, no DNA dessas células, de um receptor específico para o tumor. É como se colocasse, no DNA das células de defesa, uma chave que vai abrir a fechadura do câncer e destruí-lo", explica o médico.
"Você faz essa modificação, prolifera milhões de vezes e você tem o produto, que são células autólogas do paciente, com esse receptor específico para o câncer. Agora, são milhões de células que vão circular e se ligar especificamente ao câncer. É como se elas tivessem um radar que só reconhece o câncer, o tumor. Como são do sistema imunológico, elas destroem o tumor", continua Covas.
Desafio: fazer o tratamento chegar ao SUS
Os pacientes que já passaram pelo estudo clínico são provenientes das próprias instituições da USP e foram tratados no SUS (Sistema Único de Saúde): treze no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e dois no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Foi financiado por diversas fontes, como CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
O tratamento é chamado de compassivo, quando os pacientes já se submeteram às abordagens tradicionais e não tiveram resultados. Cerca de 80% destas pessoas tiveram remissão - quando o câncer não é mais detectado por nenhum exame.
"São pacientes que já passaram por uma, duas linhas de tratamento. Quase todos já se submeteram a transplante de medula e recaíram. São pacientes fora de opção terapêutica, que já estavam em cuidados paliativos. Nessa população que não respondeu a tratamentos tradicionais, a taxa de remissão tem sido em torno de 80%. Um resultado excepcional", diz Covas.
Agora, o desafio é introduzir o tratamento universalmente no SUS, afirma o médico. O próximo pedido de ampliação do estudo clínico, junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é para que ele contemple mais 80 pacientes. No último mês, um dos pacientes recebeu alta, depois de ter remissão completa do câncer, uma história de superação contada pelo SBT Brasil.
"Esperamos que isso aconteça rapidamente, para que a gente possa dar sequência e registrar o produto na Anvisa. Já temos a fábrica que produz o tratamento. Precisamos simplesmente ganhar velocidade no processo do estudo clínico", espera Covas, que calcula orçamento de em torno de R$ 100 milhões para esta próxima fase. O cronograma prevê que o estudo termine em cerca de um ano. "Espero que a gente consiga abreviar esse tempo", informa o médico.
Comercialmente, na rede hospitalar particular de países da Europa e nos Estados Unidos, cada tratamento custa cerca de US$ 500 mil (aproximadamente R$ 2,4 milhões, na cotação atual). "No estudo clínico que vamos fazer, com toda a parte de produção, controle e despesa hospitalar, vai custar em torno de R$ 1 milhão. Metade do que custa o produto comercial", explica Covas.
O acordo institucional envolve o Hemocentro de Ribeirão Preto, a USP, o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e o Instituto Butantan, que futuramente será responsável pela distribuição do produto ao Ministério da Saúde.
Procurada pelo SBT News, a Anvisa informa que "aguarda as últimas documentações dos desenvolvedores e mantém as discussões com as equipes e continuará a dedicação para promover o mais rápido possível as condições regulatórias para o início dos ensaios clínicos".
"O referido processo está priorizado na Agência, que tem disponibilizado equipes dedicadas de forma a acelerar o início do ensaio clínico, com segurança e com foco em produzir dados confiáveis para uma futura aprovação para uso populacional, a depender dos resultados obtidos", continua a nota.
O Ministério da Saúde também se manifestou sobre o tema em comunicado:
"A inclusão de novas terapias e tratamentos no SUS é avaliada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que atua sempre que demandada, considerando aspectos como eficácia, acurácia, efetividade e segurança. Atualmente, não há registro de pedidos de avaliação de tecnologias em saúde para a terapia com células CAR-T para pacientes com câncer".