Lula participou de reunião e deu aval a sistema de emendas que Dino questiona
Encontro em dezembro de 2024 contou com presença de ministros e dos presidentes de Câmara e Senado




Ranier Bragon
Cézar Feitoza
Marcela Mattos
A ofensiva de Flávio Dino sobre a execução de parte das emendas parlamentares mira uma prática não só da Câmara dos Deputados, palco de busca e apreensão autorizada pelo ministro na semana passada. O Senado também adota o mesmo modelo que, além de contar com a participação do governo federal, foi chancelado em reunião no final de 2024 com a presença do presidente Lula.
Em 9 de dezembro do ano passado, já em meio a uma série de decisões de Dino sobre o tema, Lula convocou uma reunião no Palácio do Planalto com os então presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para tratar do assunto.
O encontro contou ainda com a participação dos ministros Alexandre Padilha (então chefe da articulação política do governo) e Rui Costa (Casa Civil), além dos líderes do governo no Congresso.
À mesa, a discussão sobre qual medida tomar diante da decisão de Dino que, à época, bloqueava a execução de parte das emendas sob o argumento principal de falta de transparência e de critérios claros no manejo de uma verba que, hoje, está na casa dos R$ 50 bilhões ao ano.
As emendas são usadas pelos 594 congressistas para direcionar obras e investimentos aos seus redutos eleitorais.
O resultado do encontro foi a portaria interministerial 115, publicada no dia seguinte à reunião e assinada por Padilha, Fernando Haddad (Fazenda), Simone Tebet (Planejamento) e Esther Dweck (Gestão e Inovação).
O texto reforçava a brecha para que os líderes dos partidos se apresentassem como os responsáveis pelas indicações das emendas de comissão --medida que escondia o verdadeiro autor do direcionamento da verba.
Na prática, oficializava a prática de manejo de parte das emendas do jeito que era feito por Lira e Pacheco e que continua a ser adotado pelos sucessores, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), com participação do governo federal.
A fatia das emendas parlamentares que está no foco da disputa entre Congresso e STF é a chamada "emenda de Comissão", cerca de R$ 11 bilhões que, ao contrário dos R$ 40 bilhões restantes, não são de execução obrigatória.
A distribuição entre os parlamentares dessa verba "não impositiva", então, é usada pela cúpula do Congresso e pelo governo para conseguir sustentação política na Câmara e no Senado.
Dino --que fez carreira política na esquerda e foi ministro da Justiça de Lula até o início de 2024-- liberou a grande parte da execução orçamentária no final de dezembro de 2024, dias depois da portaria interministerial. Não porque tenha manifestado concordância com os argumentos ouvidos de Câmara, Senado e governo, mas porque disse que a manutenção do bloqueio poderia representar um dano considerável a obras e investimentos em curso.
Agora, um ano depois, o ministro do STF autorizou na semana passada busca e apreensão contra a assessora parlamentar Mariangela Fialek, conhecida como Tuca, que desde a gestão de Arthur Lira concentra na Câmara a parte operacional e burocrática das emendas de Comissão.
Usando como base depoimentos de parlamentares que são adversários de Lira e investigações da PF, Dino reproduziu em sua decisão parte de parecer do procurador-geral da República, Paulo Gonet, segundo quem Fialek controlava a operação do "orçamento secreto em benefício de uma provável organização criminosa voltada à prática de desvios funcionais e crimes contra a administração pública".
Fialek foi defendida em nota assinada pelo presidente da Câmara e chancelada por todos os partidos como "técnica competente, responsável e comprometida com a boa gestão da coisa pública", experiência essa que seria "reconhecida por todos os órgãos do Poder Legislativo e do Poder Executivo que elaboram e executam o orçamento federal".
A nota assinada por Motta também frisa ser "importante não confundir o ato político de mera indicação de emendas parlamentares de comissão (que sequer são impositivas e se submetem ao juízo discricionário do Poder Executivo) com a final execução dessas verbas pelos seus destinatários finais".
Bastidores da reunião de 2024
O SBT News conversou com quatro participantes da reunião do Palácio do Planalto de dezembro de 2024. Avaliou-se que não haveria problemas futuros com o STF --e, segundo relatos, Rui Costa disse que, se isso ocorresse, seriam "dois poderes contra um".
Participantes ouvidos também disseram que, na reunião, Lula demonstrou incômodo físico, parecendo estar um pouco aéreo. Ainda naquele dia ele voaria para São Paulo, onde foi submetido a uma cirurgia de emergência na cabeça em decorrência de uma hemorragia intracraniana associada à queda que ele havia sofrido meses antes.
Nos bastidores, deputados também dizem ver uma tentativa do STF de criminalização da atividade política, em especial porque o mecanismo tem participação do governo e do Senado, em um sistema operacional parecido. No caso de Alcolumbre, cabe à servidora Ana Paula de Magalhães Albuquerque Lima, chefe de gabinete da Presidência do Senado, fazer o mesmo serviço feito por Tuca na Câmara.
Líderes da Câmara têm demonstrado incômodo com o que consideram ser pesos diferentes nas investigações relativas a deputados e senadores, afirmando haver "blindagem relativa".
A assessora de Alcolumbre, dizem, jamais foi alvo de batidas policiais, apesar de terem sido encontradas mensagens entre ela e um empresário preso no âmbito da Operação Overclean, que apura fraudes em licitações públicas. O caso subiu para o Supremo Tribunal Federal sob a alegação de haver indícios de envolvimento do deputado Elmar Nascimento (União-BA), aliado de Lira que tentou disputar a Presidência da Câmara neste ano, mas não houve menções à Ana Paula.
Para líderes do Centrão, a medida revelaria um direcionamento das operações conforme o humor do alvo em relação ao governo. A despeito da rusga criada com a indicação de Jorge Messias para o Supremo, Alcolumbre foi um fiel aliado do Palácio do Planalto ao longo de todo o ano e, num gesto que esgarçou a relação com os deputados, enterrou a proposta que dificultaria o avanço de investigações contra parlamentares, conhecida como a PEC da Blindagem.
Logo após a busca e apreensão na Câmara, parlamentares iniciaram contatos com integrantes do STF e da PGR para apresentar a sua versão dos fatos.
O SBT News procurou a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência, a Casa Civil, os ex-presidentes da Câmara e do Senado e a assessoria de Alcolumbre e aguarda uma posição.
Origem e mudança de poder
As emendas de comissão têm origem em uma mudança de poder em Brasília que remonta a 2015.
Naquele ano, o Congresso se aproveitou do enfraquecimento de Dilma Rousseff (PT) e aprovou a impositividade na execução das emendas individuais, aquelas que têm como padrinhos cada um dos 594 congressistas. Quatro anos depois, em 2019, tornou obrigatória a execução também das emendas de bancada estadual, o que diminuiu a margem de manobra de governo e líderes do Congresso para reunir apoio político.
Em 2019, o Congresso começou a alocar os recursos de execução não obrigatória para as emendas do relator-geral, de código orçamentário RP9. Formalmente, o relator figurava como o responsável em distribuir as verbas entre os parlamentares, mas os reais padrinhos, que se mantinham ocultos, eram a cúpula do Congresso e os líderes partidários.
A falta de critérios públicos e de identificação dos reais autores levou o STF a intervir. Em novembro de 2021, Rosa Weber deu uma liminar suspendendo a execução e exigiu transparência, abrindo um período de embates entre a corte e o Legislativo.
Mesmo com alguns ajustes feitos pelos congressistas, o STF sepultou um ano depois a emenda de relator, por 6 votos a 5. O voto de minerva foi do então ministro Ricardo Lewandowski (hoje ministro da Justiça), o que levou deputados a ver ação de bastidor de Lula, então presidente eleito para seu terceiro mandato.
Em 2023, a bolada não obrigatória das emendas passou a ser dividida entre o governo e o Congresso, que naquele ano começou a transferir os valores da emenda de relator (rubrica RP9) para as emendas de comissão (RP8), que até então quase nunca eram usadas.
Ou seja, na prática, o Congresso deu drible no STF, com aval do governo Lula.
Isso porque formalmente as emendas seriam decididas pelas comissões temáticas de Câmara e Senado. Na prática, são decididas pela cúpula da Câmara em acerto com os líderes partidários. No Senado, onde o número de parlamentares é menor (81 contra 513 da Câmara), Alcolumbre tem comandado uma negociação de forma mais individual.
Dino é relator de várias ações e investigações relativas a emendas. Em vários casos, há suspeita de desvio dos recursos nas obras feitas nos estados. O STF deve julgar em março, por exemplo, os primeiros casos de parlamentares acusados de corrupção envolvendo as emendas do chamado "orçamento secreto": Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e o suplente Bosco Costa (PL-SE).







