Entenda por que a Lava Jato levou Collor à prisão, mas anulou outras condenações
STF forma maioria para manter prisão do ex-presidente Collor; decisão final será tomada pelo plenário virtual da Corte nesta segunda-feira (28)

Rafael Porfírio
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai retomar nesta segunda-feira (28) o julgamento que discute a manutenção da prisão do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
A análise será feita no plenário virtual da Corte, com início às 11h e término às 23h59. Nesse formato, não há debates entre os ministros, cada um registra seu voto eletronicamente no sistema do Supremo.
O julgamento havia começado na sexta-feira (25), mas foi interrompido após o ministro Gilmar Mendes pedir destaque, o que levaria o caso para análise presencial, no plenário físico. No entanto, Gilmar recuou da decisão no sábado (26), e o julgamento pôde ser mantido no plenário virtual.
+Gilmar recua após maioria votar por manter prisão de Collor
Até agora, já há maioria a favor da manutenção da prisão imediata de Collor, como determinou o relator do caso, ministro Alexandre de Moraes. Votaram nesse sentido os ministros Flávio Dino, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Edson Fachin.
Na retomada do julgamento, os votos que já foram depositados permanecerão válidos. Ainda faltam votar os ministros Gilmar Mendes, Nunes Marques, Luiz Fux e André Mendonça. O ministro Cristiano Zanin declarou-se impedido de participar do julgamento.
Fernando Collor foi preso na madrugada de sexta-feira (25), em Maceió (AL), após a rejeição de seu último recurso. Ele foi condenado a 8 anos e 10 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, em um processo relacionado às investigações da operação Lava Jato.
A defesa de Collor pediu ao STF a conversão da pena para prisão domiciliar, alegando problemas graves de saúde, como doença de Parkinson, apneia do sono severa e transtorno afetivo bipolar. O pedido ainda será analisado.
Lava Jato: Collor e os outros casos
A prisão do ex-presidente e ex-senador Fernando Collor de Mello, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), reaqueceu velhas disputas políticas e jurídicas em torno da Operação Lava Jato envolvendo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do papel do Supremo Tribunal Federal (STF) e da atuação do senador e ex-juiz Sergio Moro (União-PR).
Apesar de estarem ligados à Operação Lava Jato, os casos do ex-presidente Fernando Collor de Mello e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tiveram trajetórias muito diferentes na Justiça. Cada processo começou em instâncias distintas e envolveu circunstâncias próprias — o que explica por que Lula teve suas condenações anuladas, enquanto Collor foi preso.
De fato, em março de 2021, o ministro Edson Fachin anulou três processos de Lula na Lava Jato: o caso do triplex do Guarujá (que levou Lula à prisão por 580 dias), o do sítio de Atibaia e o de uma doação para o Instituto Lula.
Depois disso, outros processos envolvendo a Lava Jato também foram anulados, como os do ex-ministro Antônio Palocci e do empresário Léo Pinheiro. Mesmo assim, a situação de Collor é diferente.
O local de julgamento
Um dos motivos para anular as condenações de Lula foi a chamada "violação do juiz natural".
Pela Constituição, um cidadão só pode ser julgado por uma autoridade competente para o caso. O STF entendeu que os processos de Lula foram julgados de forma errada pela 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada por Sergio Moro, porque os crimes atribuídos a ele não tinham relação direta com a Petrobras.
Já o processo de Collor não teve esse problema. Desde o início, a investigação foi feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pela Polícia Federal (PF) no próprio Supremo Tribunal Federal (STF).
Como Collor era senador (2007-2023), ele tinha direito ao foro privilegiado e, por isso, foi julgado diretamente pelo Supremo.
A parcialidade do juiz
Outro ponto importante: em março de 2021, o STF decidiu que Sergio Moro agiu com parcialidade ao condenar Lula no caso do triplex do Guarujá. A decisão anulou todo o processo. Mesmo que Lula fosse julgado novamente, as provas já colhidas não poderiam ser usadas.
Esse entendimento de parcialidade também foi usado para anular processos de outros investigados da Lava Jato.
No caso de Collor, isso não aconteceu. Como tinha foro privilegiado, Collor não foi investigado pela força-tarefa da Lava Jato de Curitiba, nem foi julgado por Moro. Não há alegação de parcialidade no seu processo.
O coordenador do curso de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro, Thiago Bottino, explica que, pelo fato de Collor ser senador na época dos crimes, ele teve o processo analisado, desde o principio, pelo STF. Assim, ficou distanciado do conluio entre o coordenador da lava jato, Deltan Dallagon, e Sérgio Moro, cuja atuação foi considerada parcial pelo Supremo.
"Casos diferentes, provas diferentes, juízes diferentes e decisões diferentes. Porque que o Lula está solto e o Collor está preso? É basicamente por que o processo que havia condenado o ex-presidente, o atual presidente Lula, foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal. O Supremo disse: tudo isso aqui que foi produzido pelo juiz Sérgio Moro, é nulo porque ele atuou de uma forma parcial", explicou o professor e coordenador da FGV Direito Rio
A origem das provas
Por fim, as provas também são diferentes. No caso de Lula, parte importante da condenação veio dos sistemas internos da Odebrecht, que depois foram anulados pelo STF porque havia suspeitas de que tinham sido obtidos de maneira ilegal.
Essas suspeitas surgiram com mensagens obtidas pela operação Spoofing, em que hackers revelaram conversas entre procuradores e Sergio Moro.
Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), Collor recebeu cerca de R$ 26 milhões em propina entre 2010 e 2014. Ele teria usado sua influência para favorecer contratos da BR Distribuidora (então ligada à Petrobras) com a empreiteira UTC Engenharia. A acusação foi embasada em provas robustas: e-mails, documentos, planilhas, mensagens e registros de entrada em empresas.
Dois diretores da BR Distribuidora teriam sido indicados por Collor para facilitar os esquemas. Os depoimentos do doleiro Alberto Yousseff, personagem central da Operação Lava Jato, e de Ricardo Pessoa, ex-presidente da UTC, foram fundamentais. Em 2015, Youssef disse ao Ministério Público Federal (MPF) que entregou dinheiro para Collor diversas vezes. Em seu escritório também foram encontrados comprovantes de transações.