Acordo que garantiu Ednaldo na Presidência da CBF pode ser anulado na Justiça
Condições cognitivas e de saúde do coronel Nunes, ex-presidente da entidade, podem colocar em xeque a legalidade do acordo

Paulo Sabbadin
O deputado federal Sargento Gonçalves (PL-RN) solicitou uma audiência pública na Comissão do Esporte da Câmara para discutir o acordo judicial que garantiu a permanência de Ednaldo Rodrigues no cargo de presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
No pedido, o parlamentar cita uma série de reportagens que questionam as condições cognitivas e de saúde do coronel Nunes, ex-presidente da CBF, que assinou o acordo.
Documentos revelados pelo Portal Leo Dias e obtidos pelo SBT News mostram que Nunes teve, em 2023, um quadro de ataxia com déficit cognitivo. Já em ação judicial datada de 2024, o coronel afirmou que não possuía saúde para procurar o Ministério Público e celebrar um acordo sobre pensão alimentícia.
Em 2021, a esposa do coronel, Maria Venina Rosa de Lima, enviou um comunicado à CBF informando que o marido estava sob efeito de medicamentos e "forte pressão" quando foi convencido pelo então presidente afastado da entidade, Rogerio Caboclo, a assinar uma procuração que dava a ele poderes para escolher o presidente interino da CBF enquanto estivesse suspenso.
"Em que condições físicas e mentais ele se encontra hoje? Em que circunstancias foi realizada a assinatura do acordo? O Coronel Nunes conhece o teor desse acordo ou não, como ocorreu em 2021? O acordo foi assinado de livre e espontânea vontade ou num contexto de pressão e de efeitos de medicamentos, como ocorrido em 2021?", questiona o parlamentar em seu requerimento.
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Apesar de todo o histórico, em janeiro deste ano, Nunes foi um dos dirigentes que fez parte do acordo para encerrar a disputa judicial que gerou, em 2023, o afastamento de Ednaldo Rodrigues da Presidência da CBF.
Para o advogado Kevin Sousa, especialista em direito civil, o acordo pode ser anulado se for comprovado que Nunes apresentava um quadro de incapacidade no momento da assinatura
"Se esse comprometimento cognitivo for relevante a ponto de quem assinou não ter a capacidade de entender os efeitos jurídicos do ato que ele assinou, ou seja, os termos e o que aqueles termos do acordo refletiriam de resultado, então o acordo pode ser anulado judicialmente", afirma o advogado.
"O Código Civil Brasileiro protege a validade dos atos jurídicos, exigindo que todos os envolvidos na Constituição do fato tenham plena capacidade de compreender e consentir com aquilo que eles estão assinando. Se houver uma condição de falha, o negócio que foi assinado perde a legitimidade", completa Kevin.
Ainda de acordo com o especialista, os demais dirigentes que participaram do acordo podem ser responsabilizados caso seja comprovada a ciência deles sobre a suposta condição de Nunes.
"Se for comprovado que os demais sabiam do comprometimento mental do dirigente e, ainda assim, exploraram essa situação pra obter vantagem, podemos estar diante de um ato praticado de má-fé, que pode implicar não só na anulação do acordo em si, mas na responsabilidade civil e até mesmo penal", diz o advogado.
Caminho para anulação
Para que o acordo seja derrubado, é necessária uma ação de anulação, que pode ser promovida por uma chapa concorrente ou até mesmo por um ente interessado.
A incapacidade de Nunes teria, então, que ser analisada com base em depoimentos de testemunhas que acompanharam a assinatura do acordo, provas periciais e declarações de um médico independente que ateste as condições.
Para o neurologista Flavio Augusto Sekeff Sallem, não é possível afirmar se o quadro de déficit cognitivo diagnosticado em Nunes no ano de 2023 foi pontual ou permanente.
“O paciente tinha, provavelmente, hidrocefalia de pressão normal. Pela cirurgia feita, o déficit cognitivo pode ter se resolvido, mas é difícil afirmar isso categoricamente sem avaliar. Em geral, nestes casos, o déficit cognitivo não melhora muito. Mas não é possível afirmar, no caso do dirigente sem acompanhar o histórico”, diz o médico.
Reunidos todos esses elementos, a Justiça poderá determinar então se o acordo é legal ou passível de anulação.
Procurada pela reportagem, a CBF ainda não se manifestou.