30 mil contaminados por hepatite e HIV em hospitais do Reino Unido
Inquérito público mostrou resistência do país em entender os erros cometidos no passado
O primeiro-ministro britânico Rishi Sunak definiu o 20 de maio como "o dia da vergonha para o Estado britânico". Horas antes, tinha sido publicado um inquérito público sobre a contaminação de 30 mil pessoas do país por HIV e Hepatites B e C no sistema público de saúde do país, o NHS.
Evitada por vários governos, a investigação foi determinada pela ex-premiê Theresa May. Depois de 5 anos, o resultado mostrou uma série de falhas e omissões de políticos, médicos e servidores públicos, que já causou a morte de pelo menos 3 mil pessoas.
As contaminações começaram no início da década de 1970 e se estenderam até 1991 por causa do uso de sangue contaminado em hospitais por todo o Reino Unido. A maioria foi comprada dos Estados Unidos, onde tinha sido coletada de grupos de risco. Nem norte-americanos, nem britânicos checaram a qualidade do sangue.
Os contaminados estão principalmente em dois grupos: hemofílicos ou aqueles que, por algum motivo, precisaram de uma transfusão de sangue. Entre as vítimas, estão mais de 300 crianças. Em alguns casos, elas foram submetidas a testes sem o consentimento dos pais.
Uma das conclusões do inquérito é que, se o Reino Unido tivesse seguido orientações publicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1952 sobre procedimentos com sangue, boa parte das contaminações não teria acontecido.
"Esse desastre não foi um acidente. As infecções aconteceram porque aqueles no poder – médicos, serviços de transfusão e sucessivos governos – não priorizaram a segurança do paciente", afirmou Sir Brian Langstaff, ex-juiz britânico que comandou o inquérito público.
"A luta pela verdade acabou", disse Jason Evans, que tinha 4 anos quando viu o pai morrer de Aids, na década de 80. Foram quase 1.300 pessoas contaminadas pelo vírus HIV.
Ao mesmo tempo em que vira essa página vergonhosa de sua história, o Reino Unido encara outro inquérito público sobre os erros cometidos pelo país durante a pandemia de Covid-19.
São investigações financiadas pelo governo, mas lideradas por um profissional independente. O resultado não aponta culpados ou inocentes, mas todas as conclusões são tornadas públicas.
Não é um sistema perfeito. Governos podem dificultar investigações que lhes implicam diretamente. No inquérito do sangue contaminado, no entanto, o governo da vez foi obrigado a pedir desculpas e a aceitar fazer mudanças e pagar indenizações, cujos valores podem ultrapassar o equivalente a mais de R$ 600 mil por pessoa.
20 de maio pode ser "o dia da vergonha", como definiu Rishi Sunak, mas também o dia em que um país acertou as contas com um passado que, por diversas vezes, foi varrido para debaixo do tapete. Foi uma das grandes lições do dia.