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Onda Verde: Discussão sobre o aborto avança na América Latina

Voto de Rosa Weber e manifestações a favor do aborto em diversos países latinos mostram como esse debate segue

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Mulheres aglomeradas em manifestação sobre direitos reprodutivos. Algumas delas seguram faixas verdes. Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil
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Prestes a se aposentar, a então ministra Rosa Weber fez questão de se posicionar sobre a descriminalização do aborto no Brasil até 12 semanas de gestação. Dessa forma, em 22 de setembro, ela votou a favor da proposta, que, a pedido do ministro Luís Roberto Barroso, será julgada em plenário presencial - ainda sem data prevista para acontecer.

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O Brasil não é o único país latino que tem debatido essa questão, demonstração clara disso foi a série de manifestações a favor dos direitos reprodutivos no Chile, México, Argentina, Equador e El Salvador, quase uma semana depois da declaração de Weber. 

A então ministra do STF Rosa Weber votou em setembro de 2023 a favor da descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação | Valter Campanato/Agência Brasil

Essa movimentação recebeu o nome de "Onda Verde" ou "Maré Verde". Janaína Penalva, professora da Faculdade de Direito da Unb (Universidade de Brasilía), explica que "a Onda Verde é uma denominação que o movimento feminista latino americano criou para denominar um esforço conjunto, organizado e refletido em direção à garantia do direito ao aborto".

A "Onda Verde" começou no Uruguai e na Argentina e logo se espalhou por toda a América Latina. Marcelle Souza, doutora pelo Prolam-USP (Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo) e pesquisadora do tema, acrescenta que o movimento não "surgiu do nada". "Já havia mulheres organizadas em movimentos pedindo o fim da violência. Foi algo sendo construído pouco a pouco no movimento feminista".

Os avanços recentes acerca dos direitos reprodutivos é resultado de movimentações de anos de coletivos feministas | Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Esses coletivos, apesar de terem propostas semelhantes, estão em esferas diferentes de reivindicação. Isso porque, além das diferenças socioculturais de cada movimento, os países latinos se diferenciam e muito quanto aos estágios sobre os direitos reprodutivos.

A advogada Penalva esclarece essa diferença: "Quando o aborto é legalizado, o Estado tem que formular políticas públicas para garantir o acesso ao procedimento, os profissionais da saúde precisam ser capacitados, as escolas precisam informar, o orçamento tem que incluir [essa demanda]. Quando há descriminalização, o aborto deixa de ser considerado um crime, mas não há o mesmo compromisso de investimento público para o direito seja garantido a todas as pessoas que gestam, em todos os lugares e conforme suas necessidades".

Legenda: Manifestação em frente ao MASP, em São Paulo, reivindica acesso ao aborto no Brasil | Rovena Rosa/Agência Brasil

Quando o aborto é proibido, isto é, é crime pela lei, pessoas envolvidas com essa prática podem ser presas por isso. Entretanto, em algumas nações latinas, mesmo com a criminalização, há exceções. Como é o caso, inclusive, do Brasil, onde o aborto é legal em três condições específicas. Souza argumenta que "criminalizar o aborto não é garantir que ele não vá acontecer", uma vez que "em todos os países onde ele é crime, ele continua acontecendo". E como é a legislação dos demais países?

SITUAÇÃO DO ABORTO NA AMÉRICA LATINA:

Imagem: Laura Yoshikawa e Raquel Galvão/SBT

Argentina - legalizado
A Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE, na sigla em espanhol), de nº 27.610, foi sancionada em dezembro de 2020. Sendo assim, a legislação prevê que o aborto seguro e gratuito até a 14ª semana de gestação.


Bolívia - proibido, com exceções
No Código Penal boliviano, a interrupção da gravidez é tida como um delito e a punição pode chegar a até três anos de prisão. Entretanto, não é criminalizado quando praticado antes das oito semanas de gravidez, por conta de má formação do feto ou coloque a vida da pessoa gestante em risco, quando a pessoa gestante é estudante ou tenha algum dependente, quando feito por adolescentes ou se a gravidez é por decorrência de estupro ou incesto.


Brasil - proibido, com exceções
Há somente três casos em que o aborto é permitido no Brasil: gestação por violência sexual, risco à vida da pessoa gestante e anencefalia do feto. De acordo com a lei, no primeiro caso basta a palavra da vítima para a realização do aborto, enquanto nos outros é exigido um laudo médico para comprovar a condição. Excluídas as exceções, tal prática pode levar até três anos de cadeia.


Chile - descriminalizado
No Chile, o aborto é descriminalizado, ou seja, ao fazê-lo ninguém será preso, mas não há uma regulamentação sobre a prática. O estado só assegura o procedimento em casos de risco de morte, má formação fetal e violência sexual.


Colômbia - descriminalizado
O governo colombiano não enxerga a interrupção da gravidez até a 24ª semana como delito desde fevereiro de 2022. Em casos de estupro, incesto, má formação genética e risco à vida da pessoa gestante, o aborto é legalizado desde 2006.


Costa Rica - proibido, com exceção
O aborto só é legal em caso de risco à saúde da pessoa gestante.


Cuba - legalizado
Na ilha, o aborto é totalmente legalizado para todos os residentes cubanos. Essa prática recebe punição somente quando é feita com pretensão de lucro, fora de instituições hospitalares ou sem o consentimento da pessoa gestante. 


Equador - proibido, com exceções
O aborto do Equador é legal quando há gravidez decorrente de violência sexual ou risco à saúde da pessoa gestante. Vale mencionar que a legislação equatoriana estabelece critérios diferentes de avaliação de caso quando a pessoa gestante é portadora de deficiência mental ou é indígena, ou moradora de áreas rurais. Quando a pessoa se encaixa nesses grupos, por exemplo, o aborto sob as devidas condições pode ser realizado até a 18ª semana, enquanto noutros casos é até a 12ª semana.


El Salvador - proibido
El Salvador é conhecido por ter um dos Códigos Penais mais rígidos contra o aborto. Além de proibir a prática em quaisquer circunstâncias, a Justiça trata os casos como homicídio e prevê pena de prisão que vão de 2 a 50 anos. Essa legislação vale, inclusive, em casos de abortos espontâneos.


Guatemala - proibido, com exceção
Na Guatemala, o aborto é proibido e pena pode chegar até a 10 anos de prisão, se devido ao procedimento a pessoa gestante falecer, o médico responsável pode pegar até 50 anos de reclusão. A única exceção é quando a gravidez apresenta risco de morte à gestante.


Haiti - proibido
O aborto no Haiti é completamente proibido em quaisquer circunstâncias. A pena para a pessoa gestante presa pela prática pode ser perpétua.


Honduras - proibido
Honduras é o país latino mais regressivo contra o aborto. Exemplo disso, é o fato de que a venda, distribuição e compra de remédios anticoncepcionais de emergência são proibidos, porque se acredita que no direito há vida desde a concepção do feto. Além disso, em janeiro de 2021, legisladores mudaram a constituição do país para tornar praticamente impossível futuramente a legalização da interrupção voluntária de uma gestação.


México - legalizado
No México, há certa autonomia entre os estados, por isso, algumas leis entre eles. Entretanto, a descriminalização é consenso desde setembro de 2023. A partir dessa resolução o Congresso mexicano deverá regulamentar a prática para todos os casos de interrupção voluntária da gravidez.


Nicarágua - proibido
Na Nicarágua, o aborto é criminalizado em todos os casos. As penas de prisão para a pessoa gestante que cometer o delito pode chegar até dois anos de prisão, enquanto a do profissional responsável pelo procedimento até três anos.


Panamá - proibido, com exceção
O Panamá permite em apenas três situações: má formação do feto, risco de vida a pessoa gestante e estupro. 


Paraguai - proibido, com exceção
O Paraguai permite a prática do aborto somente quando a pessoa gestante corre risco de vida.


Peru - proibido, com exceção
No Peru, o aborto é criminalizado em quaisquer circunstâncias, com exceção de quando a gravidez apresente risco de vida ou dano grave à saúde da pessoa gestante.


Porto Rico - permitido
Em Porto Rico, o aborto é legal desde a década de 70, as únicas restrições desse direito se referem ao limite de semanas da gestação. É permitido durante o primeiro e segundo trimestre de gravidez. 


República Dominicana - proibido
A República Dominicana criminaliza a interrupção voluntária da gestação sob qualquer circunstância.


Uruguai - legalizado
O Uruguai foi o primeiro país da América do Sul a legalizar o aborto até a 12ª semana. Decisão foi tomada em 2012 pela Câmara de Deputados, a diferença na votação foi um voto.


Venezuela - proibido, com exceções
Na Venezuela, apenas quando há risco à saúde da pessoa gestante é permitida a prática do aborto, nas demais ocasiões é crime.

Especialistas argumentam que aborto é uma questão de saúde pública e não religiosa | Fernando Frazão/Agência Brasil

Os países latinos, então, têm divergências significativas quanto ao acesso ao aborto, até porque essas diferenças perpassam desde questões do que é a concepção da vida até como a legislação prevê a punição. Enquanto alguns países passam pelo processo de descriminalização, como a Colômbia, outras endurecem suas leis, como Honduras. "Os países vão se diferenciar entre progressistas e conservadores conforme a história do valor que a comunidade dedica às mulheres", esclarece a professora Penalva.
Ela ainda acrescenta que "os países latino-americanos têm uma história própria de negação de direitos sexuais e reprodutivos, principalmente em razão da escravidão negra e indígena". Dado esse contexto, a especialista Marcelle Souza acredita que a interrupção voluntária da gravidez é além de uma questão de saúde pública, é também, uma questão de justiça social.

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