A vovó de todos os britânicos
É difícil a compreensão da estatura e da dimensão que a Rainha Elizabeth II teve na história e na vida de cada cidadão inglês
Quando cheguei ao Reino Unido, no primeiro dia de setembro de 2011, não conseguia compreender o encantamento dos britânicos pela figura de Elizabeth II. Parecia-me algo velho, sem sentido e, acima de tudo, sem conexão com os tempos modernos e ao futuro aos quais o governo britânico tanto faz referência na tentativa de ter uma papel global de liderança. Não era apenas o inquestionável respeito. Era uma espécie de dependência, aquela que filhos tem de suas mães e netos tem de suas vós.
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É preciso tempo pra entender essa ligação de um povo com a monarca que ficou 70 anos no trono britânico, batendo um recorde que nenhum outro rei ou rainha do país conseguiu. Várias gerações nasceram, cresceram e se foram durante o reinado dela. E testemunharam inúmeros momentos da história em que a Rainha estava presente.
Desde cedo, Elizabeth II aprendeu a importância dos exemplos e dos gestos. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi enfermeira e mecânica. A Rainha sabia trocar pneu. Esteve presente não apenas nas grandes tragédias, mas também nos momentos de glória. Quem não se lembra da cena dos Jogos Olímpicos de Londres, em que ela contracenou com James Bond? Além de tudo, a Rainha era pop.
Situações e aproximações polêmicas
Elizabeth II não parte sem questionamentos. Há quem vá se lembrar da demora dela em se pronunciar depois da morte da princesa Diana e da relação da monarca com regimes autoritários. Em 1968, pouco antes da decretação do AI 5, no período mais obscuro da ditadura brasileira, a jovem Rainha passeava pelo Brasil e se encontrava com aqueles que matariam e torturariam covardemente milhares de cidadãos brasileiros.
Missões de Estado envolvem encontros com líderes mundiais. Com a Rainha, não é diferente. Ela nunca abriu mão de fazer isso em nome de seu país. A mulher de 96 anos que se despede deste mundo tem um currículo quase intocável de serviços prestados.
Monarquia e Rainha são distintas
Quando me tornei cidadão britânico, precisei fazer um juramento de fidelidade à Rainha. Naquele momento, já era uma situação menos desconfortável. Aprendi a ver Elizabeth II como a vovozinha cuja mensagem de fim de ano é esperada por milhões de britânicos, tão tradicional quanto o presente do Papai Noel (Father Christmas e não Santa Claus para os britânicos). Como a maioria nesse país, aprendi quase que instintivamente que uma coisa é a instituição Monarquia e outra coisa é a Rainha.
Termino este texto sem ter ainda a total compreensão do poder desta mulher sobre o imaginário e o coração dos britânicos e com a lembrança das muitas conversas que tive com ingleses que, mesmo sendo a favor da abolição da monarquia, tinham respeito por ela. A imagem de Elizabeth II é tão forte que supera contradições, preconceitos e a legítima insatisfação com o fato de alguém ter tantos privilégios porque nasceu em uma determinada família.
Hoje é um dia triste. Morreu uma pessoa cujo sorriso nos fazia sorrir de volta. Morreu dona Elizabeth, a vovó de todos os britânicos.