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Guerras impactam saúde mental de militares e civis

Segundo psicanalista, síndrome pós-traumática é o principal problema emocional a afetar combatentes

Guerras impactam saúde mental de militares e civis
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Entre as inúmeras consequências de um conflito como a guerra na Ucrânia -- em curso desde 24 de fevereiro --, estão marcas psicológicas nos sobreviventes, sejam eles militares que participaram de embates ou civis que vivenciaram o cenário trágico. De acordo com especialistas, pessoas de ambos os grupos desenvolvem transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ou síndrome pós-traumática, um distúrbio tratado com atendimento profissional.

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Segundo o psicanalista Bruno Gomes, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o TEPT é o principal problema psicológico/emocional a afetar "militares ou até ex-combatentes, pessoas que participaram de conflitos, de guerra". Chamado popularmente de trauma de guerra, ele tem entre seus sintomas -- cujo tempo para aparecer é de até seis meses -- a revivência (na mente) do combate, paranoia e incapacidade de realizar atividades que antes conseguia, nos âmbitos familiar, social e profissional: o indivíduo foca sua energia emocional e psíquica em evitar lembranças e sentimentos relacionados ao trauma e, assim, sofre uma diminuição no interesse em participar de "atividades sociais significativas" e situações capazes de despertar prazer.

No período da Segunda Guerra Mundial, diz o professor, um em cada 20 militares que voltavam do local de combate "apresentavam sintomas relacionados ao estresse pós-traumático". "Teve um estudo também do Departamento de Defesa dos Estados Unidos que mostra que 60% dos militares que estiveram, por exemplo, no Iraque tiveram algum sintoma de depressão grave e de transtorno de estresse pós-traumático", completa.

O trauma, explica a psicóloga Sofia Débora Levy, associada da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), "é justamente uma experiência que o sujeito se defronta frente à qual ele é pego de surpresa, ele não espera exatamente aquela configuração e não tem estrutura interna psicológica para lidar". "Então o aparelho psíquico precisa se reorganizar e fica cheio de informações que precisam ser digeridas, que precisam ser significadas dentro do sujeito. E com essa intensidade da violência tudo isso fica prejudicado, tudo fica difícil de ser digerido, de ser acomodado dentro do sujeito, e o comportamento dele fica marcado, o tempo de responsividade dele para as outras situações, seja na hora da guerra, seja mesmo depois, constituindo a síndrome pós-traumática."

De acordo com Levy, o TEPT perdura por tempo indeterminado e a possibilidade de um militar desenvolvê-lo em decorrência da participação em uma guerra existe porque mesmo se estiver "imbuído de um ideal ou do cumprimento de ordem, na hora H do combate, ele se depara corporalmente com um grau de violência em que ele tem que estar, digamos assim, respondendo em frações de segundos a comportamentos que podem implicar em vida ou morte". No caso dos civis, acrescenta, o risco surge por causa da grande tensão gerada quando, em razão do conflito, a pessoa "passa a viver dia a dia uma incerteza quanto a sua própria sobrevivência, uma incerteza quanto a qual será a próxima organização social".

A probabilidade de um combatente ou um civil apresentar o problema por causa de uma guerra, diz a psicóloga, é "alta, tanto é que tem pessoas que, uma vez tendo vivido num país onde vivenciaram uma guerra, preferem se mudar, podendo não mais voltar a viver lá, porque o clima de insegurança fica como referência daquele lugar, a perda de credibilidade num mundo melhor muitas vezes atinge essas pessoas em termos de um quadro depressivo". Para um indivíduo com TEPT, um simples barulho de sirene, por exemplo, pode trazer à tona novamente a tensão e o medo sentidos na guerra.

Ainda refletindo sobre o impacto psicológico da guerra, Bruno Gomes acrescenta que a exposição a um conflito pode gerar também, no caso dos militares, uma fadiga prolongada e ansiedade crônica, e, no caso dos civis, depressão, ansiedade, trastorno bipolar e esquizofrenia. Segundo pesquisas, afirma o professor, uma em cada cinco populares que vivem em locais afetados por confrontos armados ou vivenciaram eventos do tipo tem algum desses problemas ou TEPT.

"Segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 9% das populações afetadas por conflitos têm algum transtorno de saúde mental, desde moderado a grave. E a gente fica muito preocupado também com as crianças. O que a gente observa mesmo nos conflitos da Ucrânia são crianças que mudaram até a questão do desenho. Se você pegar um desenho de uma criança antes do conflito, eles desenhavam a casa, uma paisagem, um ambiente familiar, e agora estão desenhando cenários do que eles estão vivenciando. Tem criança que já está desenhando até tanque de guerra", pontua.

A recomendação dos especialistas para tratar problemas psicológicos provocados por guerras é buscar um psiquiatra, psicólogo ou psicanalista. Nas palavras de Sofia Débora Levy, "o tratamento de psicoterapia em vítimas de traumas invalidantes é fundamental". "Quer dizer, traumas invalidantes são esses que geram alterações psicossomáticas nas pessoas, psicofisiológicas, comprometendo a sua capacidade de responsividade, comprometendo o seu comportamento regular frente aos estímulos do cotidiano. Então, na psicoterapia, o sujeito vai ter a oportunidade de, ao longo da sessão, primeira coisa, conseguir falar sobre a situação traumática, sobre a situação de violência que gerou um choque". Ela ressalta que existem diversas abordagens psicoterápicas e a pessoa pode buscar aquela à qual melhor se adequa. 

Bruno, por sua vez, pontua que um apoio psicossocial salva vidas e precisa fazer parte das respostas humanitárias a guerras, abrangendo não só os que vivenciaram o cenário, mas também seus familiares também. "E é muito complicado você pensar assim 'ah, quem passou por isso vai pedir ajuda'. Muitas vezes as pessoas não vão pedir ajuda, elas não conseguem. Porque se você perceber, no momento de depressão, por que a pessoa está angustiada, por que a pessoa está triste, e você perguntar para ela, ela vai dizer que está sentindo aquilo, mas não sabe o porquê". O TEPT pode levar ao suicídio.

Impacto à distância

Conflitos como a guerra na Ucrânia podem impactar ainda a saúde emocional daqueles que os acompanham à distância, diz o professor da UFPE. Assim, explica, é preciso "ter um cuidado também na questão do consumir as notícias, então dessa forma você está mais atualizado, mas também isso que aumenta a ansiedade". Para quem não vivencia o cenário de confronto militar, mas busca se informar, ele recomenda ainda chorar, se sentir necessidade; relembrar que, na realidade, se tratam de pessoas lutando, e não países; ignorar pensamentos catastróficos; buscar apenas fontes confiáveis para receber a informação, pois, diz o especialista, as fake news aumentam a ansiedade; realizar processos meditativos; e fazer uma doação para ajudar as vítimas, caso o ato de ajudar o próximo trouxer-lhe conforto.

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