Exclusivo: na fronteira do Afeganistão, esperança e restrições
Repórter do SBT, revela, a partir do Paquistão, os sonhos dos afegãos em retornar ao país que está dominado pelo grupo extremista islâmico
SBT Brasil
Nas ruas cheias e de trânsito caótico de Peshawar, no centro do Paquistão, milhares de pessoas fazem compras, conversam com os amigos ou descansam na sombra que mal disfarça o calorão de quase 40 graus. Nos cenários exóticos da sexta maior cidade do país, próxima à fronteira com o Afeganistão, há um detalhe que chama a atenção de olhos estrangeiros. São quase todos homens.
As mulheres que estão nas ruas ou nas motos -sempre na garupa e sentadas de lado- estão acompanhadas de seus maridos ou de algum familiar. Poucas saem sozinhas. Neste grupo minoritário em espaços públicos, muitas usam a burca, veste feminina que cobre todo o corpo, inclusive o rosto.
Peshawar é uma das cidades paquistanesas com maior ligação cultural com o Afeganistão. Não à toa, é a cidade do Paquistão onde mais se fala o pachto, também conhecido como idioma afegão, uma das línguas oficiais do país vizinho. A cidade de quase 2 milhões de habitantes, capital do estado de Khyber Pakhtunkhwa e centro administrativo do Território Federal das Áreas Tribais, é uma das que mais sentem o impacto do que se passa do outro lado da fronteira que separa os países, mas não os milenares laços culturais.
Hoje, um dos assuntos que mais piscavam nas telas de Whatsapp dos tradicionais, mas extremamente conectados pashtuns -grupo tribal que tem o pachto como língua- eram as últimas notícias do Afeganistão, onde o Talibã anunciava a conquista do Vale do Panjshir, um último bastião de resistência no país.
Muitos ficaram felizes com a conquista. Eram quase 2 da tarde e a temperatura chegava aos 40 graus. Arnahir estava no banco traseiro de um carro que faz transporte ilegal de passageiros. O afegão de 32 anos voltava para o seu país. "O Talibã vai adotar um governo islâmico. Vai ser muito bom", disse o jovem pouco antes de fazer o percurso de 45 minutos entre a periferia de Peshawar, no Paquistão, e a fronteira com o Afeganistão.
No sentido contrário, afegãos não são bem-vindos. A pandemia é o argumento do governo paquistanês para fechar a fronteira para cidadãos do Afeganistão, no momento em que milhares tentam deixar o país. Só atravessa quem já tinha autorização prévia ou quem tem documentos de algum outro governo. Neste caso, é permitido usar o Paquistão apenas como passagem.
No fluxo contrário, no entanto, há muitos fazendo a mesma escolha de Arnahir. "São milhares", conta um motorista que faz o transporte de passageiros até a fronteira. Pouco antes de atravessar, um senhor afegão de barba branca e trajes típicos, aparentando ter mais de 70 anos, aborda a reportagem do SBT News pra dizer que "com o Talibã não tem mais corrupção".
Hermaan Alii também está a ponto de atravessar a fronteira com a esposa e os três filhos pequenos depois de seis meses no Paquistão, onde ele veio fazer um tratamento para um problema cardíaco. Ele também se sente seguro para voltar e diz que "se a mulher não quiser usar a burca, ela nem precisa". Mas Aaiala não reclama da roupa que cobre todo o corpo e rosto, apesar do calor extremo desta época do ano. "Eles são muçulmanos. Eu também sou", explica, sem render muito assunto.
Parte do sentimento dos afegãos que querem retornar ao Afeganistão é movido pelas condições que enfrentam no Paquistão. No mercado conhecido como "Pequena Cabul", em Pashwar, Hamid diz que se sente "90% paquistanês e 10% afegão". Aos 30 anos, ele vive há 22 no Paquistão, mas ainda na condição de refugiado, sem vários direitos que cidadãos paquistaneses têm.
Se a situação de um lado da fronteira não é boa, do outro, ele pensa que é pior. "Eles falam isso da boca pra fora", diz o comerciante, comentando as promessas de moderação do Talibã. Shrid, comerciante de verduras, acredita que "antes era diferente e agora o Talibã é bom", diz o homem de 38 anos, 25 deles vividos no Paquistão. "Eu quero voltar. Quero viver no meu país."