Brasil e Argentina se unem pra defender carne bovina na COP-26
Informação veio à tona com vazamento de documentos revelados pelo canal britânico BBC
Se frente aos holofotes, Brasil e Argentina tem diferenças políticas enfatizadas por seus presidentes, nos bastidores, as duas maiores economias da América do Sul formam uma dobradinha pra fazer lobby e influenciar algumas das decisões tomadas pela Organização das Nações Unidas, a poucos dias do início da Cop-26, a Conferência do Clima, que acontece de 31 de outubro a 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia.
É o que sugere uma reportagem da rede britânica BBC, que publica hoje um levantamento baseado no vazamento de 32 mil documentos. São informações enviadas por governos de todo o mundo para o painel de cientistas da ONU. Estes profissionais vão reunir todas as evidências para elaborar o documento final sobre a melhor maneira de controlar a crise climática e evitar que a temperatura do planeta suba acima de 1,5 grau.
Os vizinhos, segundo a reportagem, fazem lobby pra minimizar os impactos da produção e do consumo de carne bovina, importante para a economia dos dois países. "Brasil e Argentina, dois dos maiores produtores de carne bovina e ração animal do mundo, argumentam veementemente contra as evidências no relatório preliminar de que a redução do consumo de carne é necessária para cortar as emissões de gases de efeito estufa".
O Brasil contesta a informação do relatório preliminar de que "dietas baseadas em plantas podem reduzir a emissão de gases em até 50%". Segundo a BBC, os governos brasileiro e argentino querem que os autores do relatório excluam esta afirmação, assim como o trecho que caracteriza o consumo de carne bovina como nocivo ao meio-ambiente. Os argentinos também fazem pressão pra que seja retirada do relatório a referência à "Segunda-Feira sem carne", campanha que incentiva as pessoas a mudar a dieta por pelo menos um dia da semana.
Um dos últimos grandes levantamentos sobre o tema foi publicado na revista científica Nature Food, em 13 de setembro deste ano. Segundo o estudo, a produção global de comida é responsábel pela emissão anual de 17,3 milhões de toneladas de gases na atmosfera, um terço de todas as emissões que contribuem para o aquecimento do planeta. A produção de carne bovina é responsável por 25% dessas emissões. O cálculo leva em conta a quantidade de terra necessária para pastagem do gado, além daquela usada para produção de ração bovina. Além disso, bois e vacas produzem grande quantidade de metano, um dos gases na lista de vilões do aquecimento do planeta.
Lucas Fernandes, analista político da BMJ, ressalta que esse tipo de comportamento é recorrente em eventos internacionais deste porte e que cada país busca trazer as metas para a sua realidade, no entanto, o relatório é escrito com comprovação científica e evidências. "Esse tipo de comportamento dos países antes da COP é tradição em eventos internacionais desse porte. A reunião vai ser baseada em evidências científicas, mas o grande objetivo é criar metas, reformular ações que já foram pensadas em outros fóruns como o Acordo de Paris. Além disso, há um caráter eminentemente político. Cada país no mundo tem uma realidade diferente. No Brasil e na Argentina há preocupação muito grande com agropecuária, mas outros países, que têm um matriz energética mais poluente, demandam muito das termelétricas e do uso de combustíveis fósseis, então a gente vê uma série de interesses que são colocados na mesa e isso pode sim acabar afetando as metas que vão ser estabelecidas", explica.
Além disso, o especialista afirma que os pedidos do Brasil poderiam até ser ouvidos, não fosse a imagem que o país chega a COP-26. "A emissão de efeitos do efeito estufa vem sobretudo do desflorestamento e da atividade agropecuária no Brasil. Então, no ano passado, como houve o isolamento social, a indústria teve uma redução do ritmo e vários países tiveram uma diminuição de gases. No Brasil, pelo contrário, houve um aumento do desmatamento e a gente já chega como um dos vilões. Junto a isso, a gente tem um comportamento do presidente que é reprovado por boa parte da comunidade internacional", diz. Lucas relembra a importância das metas serem factíveis, pois se muito ambiciosas, têm um custo muito elevado ou uma condição baixa de serem atendidas e podem fazer com que haja o abandono de países que não conseguem perseguir essas metas. "É importante que as metas sejam substanciais para reduzir as emissões de gases poluentes, mas ao mesmo tempo que sejam factíveis também para que a gente não tenha o abandono de outros países", afirma.
O SBT News ainda aguarda resposta do Ministério das Relações Exteriores.