Brasileiros representam 27% dos deportados pelos EUA neste ano
Crise econômica e desalento levam cada vez mais pessoas a tentar a travessia da fronteira a pé
Giovanna Colossi
Cido Coelho
De imigrantes brasileiros encontrados dentro da carroceria de caminhão a 30 crianças enviadas ao Haiti em voo com mais de 4.300 migrantes deportados, o aumento no número de brasileiros que tentam entrar nos Estados Unidos ilegalmente disparou e passou a chamar a atenção das autoridades.
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Dados disponibilizados pela Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (U.S Customs and Border Protection) mostram que, entre outubro de 2020 e setembro de 2021, 46.410 brasileiros que atravessaram a fronteira com o México foram deportados. Dados gerais do país apontam para a deportação de 47.484 brasileiros, 27% das 1.741.956 pessoas enviadas ao país de origem pelos Estados Unidos, após tentativa de entrar de forma ilegal por aeroportos, portos, e fronteiras.
Na análise de Duval Fernandes, professor do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), a mudança de postura com a troca de poder e o grande período de tempo sem emissão de vistos pelos Estados Unidos, explicam a grande concentração de pessoas tentando cruzar a fronteira a pé, mas não se trata de uma onda migratória. Segundo o professor, esse processo de emigração de brasileiros é quase histórico e teve início na década de 1980, conhecida como década perdida.
"Pode ser considerado onda no sentido de que está acontecendo (de modo) concentrado em fronteira, em um momento de pandemia, mas é parte de um processo quase histórico, em termos dessa migração para os EUA. O que acontece é que, agora, ganha uma relevância maior por causa das restrições sanitárias e postura das autoridades americanas".
"É um fenômeno permanente", afirma o coordenador científico do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), Leonardo Cavalcanti. Ele também explica que, apesar de a questão migratória já ter abalado a relação entre Brasil e Estados Unidos - como em 2004, quando George W. Bush era presidente, e houve a remoção expedita de brasileiros na região fronteiriça entre Texas e México -, não há, no momento atual, "algo que cause algum desconforto diplomático".
Perfil dos imigrantes
" O projeto migratório está no país de destino", explica Duval Fernandes, ao traçar o perfil do emigrante atual. Se, antes, a ideia de retorno era bastante presente, o projeto de vida de quem emigra, hoje, já não inclui mais a volta para o Brasil, o que mostra uma visão de desalento em relação ao país. E essa decisão pode ser justificada pelo que o professor chama de "fatores de expulsão e atração".
Como em 2000, quando a construção civil em países da Europa e nos Estados Unidos estava em alta e havia demanda de mão de obra, existia um grande fator de atração para o migrante em busca de melhores condições. Já em 2010, o Brasil era um país com bastante fator de atração e oportunidades. Mas, hoje, caso as fronteiras se abrissem, o fluxo migratório para outros países seria muito grande, "uma diáspora brasileira". O motivo é "o quadro econômico e o quadro político institucional que não mostram no horizonte uma reversão na economia."
Esse desalento trouxe de volta o imigrante brasileiro "cai-cai", que, sem visto de entrada, fazem a viagem com filhos menores de idade para garantir que os adultos consigam postergar a deportação na apresentação às autoridades locais. No governo do republicano Donald Trump, crianças foram separadas de suas famílias, situação bastante criticada pelo atual presidente, Joe Biden, e pela comunidade internacional.
Dados da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA mostram que 34.636 mil indivíduos com família foram apreendidos na fronteira, diante de 11.612 adultos sozinhos.
América é para todos, nem todos são para América
Há seis anos nos Estados Unidos, Leonardo, 35 anos, aterrissou na Califórnia com um visto de seis meses. Desenhista industrial formado pelo Mackenzie, decidiu tentar a vida no estrangeiro depois de ficar desempregado. Chegou com US$ 3,5 mil e contou com a ajuda de um casal de amigos no primeiro mês.
Fez trabalhos considerados "labour work", mão de obra pesada. Foi entregador, virou cozinheiro, depois assistente de gerente em uma pizzaria. Hoje, trabalha como gerente geral de uma rede de cafeterias. Legal no país desde 2 de setembro deste ano, Leonardo explica que os Estados Unidos " não vivem sem" o imigrante, parte essencial do funcionamento e da infraestrutura do país, o que proporciona um relacionamento de "vista grossa" das autoridades.
Ele conta que o risco de deportação e as dificuldades são maiores àqueles que chegam sem documentação. Entretanto, mesmo ilegal, um brasileiro com passaporte consegue tirar carteira de motorista, e muitos estabelecimentos comerciais aceitam contratar pessoas sem Security Number - uma espécie de CPF dos EUA. " Trabalhou, ganha. Não trabalhou, não ganha", é assim que ele explica a vida americana. Longe de ser fácil, o imigrante consegue garantir uma vida estável à base de horas de trabalho pesado. Os preços do país ajudam muitos a encontrar um estilo de vida que não conseguiriam no Brasil.
Ainda sim, legalizar-se em território norte-americano é penoso. Para Leonardo, só aconteceu quando decidiu se casar com a então namorada - agora esposa -, que é cidadã dos EUA. O processo de greencard demorou um ano e foi cheio de percalços. À época, com quatro anos no país, ele já tinha a ideia de viajar para a Itália, mas, hoje, não pensa em retornar ao Brasil nem sair dos EUA.
Segurança e infraestrutura
Pai de duas filhas e produtor de televisão no Brasil, Fabricio* viajou aos Estados Unidos em condições diferentes de Leonardo, mas a jornada de ambos, em muitos aspectos, se parecem. Portando um passaporte de jornalista, Fabricio chegou em Miami, na Flórida, sabendo pouco inglês. Com as filhas matriculadas na escola logo no dia seguinte, ao procurar emprego teve problemas por não ter o Work Permit - permissão de trabalho. Trabalhou na construção civil, como motorista de aplicativo e cozinheiro. Antes da pandemia, havia começado um novo negócio, como churrasqueiro gourmet, para atender à comunidade brasileira.
Diante da pandemia, se reinventou e começou a fazer marmitas, até ser chamado para trabalhar como chef para programadores de uma empresa do Vale do Silício que passariam uma temporada em Miami. A oportunidade abriu as portas para que começasse a cozinhar três vezes por semana para uma empresa que aluga iates. Ele e a esposa abriram uma empresa e todos os salários foram recebidos por lá. A ideia era construir um caso forte para quando solicitassem a cidadania americana. Hoje, já deram entrada no processo e aguardam respostas das autoridades locais.
Ao ser questionado sobre um possível retorno ao país de origem, Fabricio é categórico ao falar do seu amor pelo Brasil, dos amigos e da família, mas qualidade de vida, segurança e desenvolvimento das filhas nos Estados Unidos pesam mais na balança.