Compliance na relação com terceiros, uma urgência global
Empresas brasileiras se preocupam com a reputação e riscos associados
As empresas de todos os tamanhos e setores enfrentam, todos os dias, problemas complexos que requerem que seus diretores, gestores e funcionários tomem decisões coerentes e confiáveis.
Para lidar com estes desafios diários, as empresas estabelecem contratos com terceiros, que são fornecedores, prestadores de serviços, agentes intermediários e associados que prestam serviços ou produzem insumos.
Em alguns casos, esses terceiros atuam em nome da empresa contratante.
Acontece que existem diversos riscos potenciais que os terceiros podem representar para uma organização, dentre eles, os riscos financeiros, de reputação, operacionais, legais, estratégicos, de conformidade e de segurança da informação.
Quanto maior a dependência de contratos com terceiros que uma organização tiver, maior o risco de se estabelecer essas relações contratuais.
Dessa forma, a implementação de processos contínuos de diligências de compliance, com o objetivo de otimizar o cumprimento das obrigações legais anteriores à contratação, com ações que garantam que esses terceiros sejam avaliados e, posteriormente, monitorados e controlados adequadamente, pode evitar muitos riscos.
Este é um requerimento obrigatório para os programas de compliance, reforçado pela Lei Anticorrupção nº 12.846/2013, que prevê diligências prévias de terceiros, e que se tornou ainda mais relevante com o Decreto nº 11.129/2022, regulamentador dessa lei, com a ampliação das diligências nos casos de contratação de patrocínios, bem como requer que as empresas sejam cautelosas ao contratarem PEP (Pessoa Exposta Politicamente), uma vez que esses agentes têm o poder de influenciar situações favoráveis às partes, o que pode ser usado de forma indevida.
O decreto em questão estabelece, no seu artigo 57, inciso XIII, diligências adequadas, baseadas em risco, para:
a) a contratação e, se necessário, a supervisão de terceiros, tais como fornecedores, prestadores de serviços, agentes intermediários, despachantes, consultores, representantes comerciais e associados;
b) contratar e, de acordo com o caso, supervisionar pessoas expostas politicamente, bem como seus familiares, colaboradores e pessoas jurídicas que estejam envolvidas;
c) realizar e supervisionar patrocínios e doações.
É importante destacar que os riscos que envolvem o relacionamento com terceiros não representam um tema único e, muito menos, uma situação isolada, de um grupo de empresas, porte ou determinado segmento, ao contrário, é algo que afeta toda a cadeia produtiva das empresas, de todo o mundo, e passa por problemas de corrupção e fraudes, como também infrações aos direitos humanos e ao meio ambiente, sendo que as leis estão cada vez mais rígidas, o que exige maior controle, estruturação de diligências adequadas e monitoramentos constantes.
Nesse contexto, é relevante mencionar a recente aprovação de uma legislação na Europa cujo objetivo é prevenir violações aos direitos humanos e ao meio ambiente em suas cadeias globais de abastecimento e exige a eliminação de violações encontradas em qualquer etapa da cadeia produtiva das empresas, desde a extração da matéria-prima até a distribuição do produto final.
A nova legislação terá um impacto direto nas empresas com mais de mil funcionários e faturamento global superior a € 450 milhões.
No entanto, as empresas de pequeno e médio porte que fornecem para grandes corporações ou grupos econômicos e exportam ou possuem outros negócios na Europa serão monitoradas, uma vez que é necessário assegurar a conformidade de toda a cadeia produtiva aos requisitos legais.
É claro que isso terá um efeito colateral: todos os agentes que integram uma cadeia produtiva deverão adotar medidas preventivas para atender aos requisitos estabelecidos.
É evidente que nenhuma grande empresa assumirá o risco de manter relações com outras empresas que não correspondam com o previsto na legislação. Isso ocorre porque há riscos de reputação e financeiros elevados e as empresas buscarão minimizar esses riscos em toda a cadeia de fornecedores.
Assim, passa a fazer parte de todas as empresas, de modo obrigatório, as diligências de compliance para conduzir e orientar os controles e processos adequados de gerenciamento dos relacionamentos com terceiros, de forma sistêmica e integrada a todos os processos organizacionais.
No Brasil, a preocupação com a reputação e os riscos associados a terceiros é crescente.
Nota-se que as empresas perdem contratos por não cumprirem os requisitos mínimos de compliance, tais como, ter programas de compliance implantados, não fazer parte de bancos públicos de empresas que sofreram as sanções previstas na Lei 12.846/2013 e, até mesmo, não ser listada como tendo envolvimento com o trabalho análogo à escravidão.
Atualmente, as questões ambientais e de direitos humanos estão presentes nos programas de compliance, o que ultrapassa as questões que dizem respeito à prevenção e ao combate à corrupção e fraudes. Isto se deve aos novos direcionamentos da Controladoria Geral da União – CGU que ampliam estes programas para o conjunto de princípios, normas, procedimentos e mecanismos para prevenir, detectar e remediar práticas de corrupção e fraude, de irregularidades, ilícitos e outros desvios éticos e de conduta, de violação ou desrespeito a direitos, valores e princípios que possam prejudicar a confiança, a credibilidade e a reputação institucional.
Sendo assim, as diligências de compliance, seja por obrigação legal ou por entendimento da necessidade de prevenção de riscos no relacionamento com terceiros, abrangerão toda a cadeia produtiva, desde a aquisição da matéria-prima para a produção até a entrega ao consumidor final, e serão requeridas de todas as empresas, independente do porte ou do segmento de atuação.
Este contexto global que impõe às empresas brasileiras uma atenção mais apurada aos relacionamentos com terceiros, tendo em vista que o Brasil se insere como estratégico e relevante agente fornecedor de insumos, matéria-prima, produtos e serviços ao mundo, representará avanço no que tange ao aumento da integridade das empresas brasileiras e na efetiva adoção de práticas de prevenção à corrupção, aos danos ambientais e à violação dos direitos humanos.
* Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID), do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Este artigo reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do CEID e INAC. Os artigos têm publicação semanal.