Símbolo da violência policial no Rio, caso Amarildo completa 10 anos
Seis policiais condenados pelo crime já voltaram a trabalhar na corporação

Liane Borges
Há exatos 10 anos, um caso se tornava símbolo da violência policial no Rio de Janeiro: o desaparecimento e a morte do pedreiro Amarildo, na favela da Rocinha.
13 policiais militares foram condenados pelo crime. Após ganharem liberdade condicional, seis deles voltaram a trabalhar na corporação.
Uma dor que só aumenta. "Cada ano que passa, meu pai nunca vai ser esquecido. Cada ano que passa, data de aniversário, essa data horrível, que é 14 de julho, sempre 'nós' lembra, cada ano, que é a data que ele sumiu", diz Anderson Dias de Souza, filho de Amarildo.
Há 10 anos, o pedreiro foi retirado de um bar na Rocinha e levado por agentes para a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) para averiguações, após um arrastão nas proximidades da favela. A Polícia Civil e o Ministério Público concluíram que ele foi torturado por cerca de 40 minutos e não resistiu. O corpo nunca foi encontrado.
"10 anos de sofrimento que a família tá, 10 anos de desaparecimento do Amarildo, 10 anos sem a ossada pra gente fazer um enterro digno", afirma a viúva Elizabeth Gomes.
Dos 25 agentes investigados, 13 foram denunciados e condenados por tortura seguida de morte, ocultação de cadáver e fraude processual. Nenhum permanece na cadeia. Seis deles foram reintegrados pela Polícia Militar e estão, atualmente, trabalhando na corporação.
É o caso do comandante da UPP da Rocinha na época, major Edson Raimundo dos Santos, que recebeu a maior pena: 13 anos e 7 meses de prisão.
Para a juíza responsável pelo caso, Edson foi o mentor intelectual da tortura com resultado morte, e possibilitou que tudo ocorresse sob seu comando.
Ainda na cadeia, em entrevista ao programa Conexão Repórter, do SBT, em 2015, ele negou participação no crime: eu não tenho dúvidas de que foi o tráfico da Rocinha".
Outros sete policiais também ganharam liberdade condicional por terem cumprido a maior parte da sentença e decidiram recorrer das penas. Os recursos devem ser julgados no mês que vem. Um dos réus morreu e quatro foram absolvidos em 2019. A Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que a corregedoria cumpriu todas as etapas previstas em lei.
Para o antropólogo Robson Rodrigues, ex-coordenador geral das UPPs, a defesa dos PMs se aproveitou de brechas na lei: "a lei da tortura fala praticamente da perda automática da função pública, isso está na sentença, mas por uma série de intercorrências, me parece que foi uma estratégia da defesa de ficar protelando através de recursos, etc".
O sociólogo Doriam Borges, que pesquisou a rotina das Unidades de Polícia Pacificadora, diz que a morte de Amarildo reflete o modo de agir da PM do Rio de Janeiro: "existem vários Amarildos no Rio de Janeiro. Eu acho que a atuação da polícia continua sendo uma ação brutal, com uso excessivo da força e com a letalidade como alternativa a uma política de prevenção".
O filho de Amarildo lamenta: "hoje em dia, eu e meus irmãos temos filhos e meu pai não teve nem o prazer de conhecer os netos dele".