"Economia brasileira vive um momento de estagflação", diz Nogueira Batista
Ex-diretor do FMI nos EUA não acredita em redução dos juros no curto prazo
Os primeiros 100 dias de governo estão aí, a nova regra fiscal foi entregue, o presidente Lula abrandou as críticas ao Banco Central e estabeleceu medidas como retirar os Correios e da lista de privatizações, prometeu rediscutir a regra para a política de preços da Petrobras e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ganha corpo e trânsito entre economistas, mercado financeiro e políticos no Congresso. Sinais de que, ainda que não se possa aferir se todo o proposto se realizará - e muito menos se dará certo - o Lula 3 está funcionando.
Para quem é do ramo e já transitou com desenvoltura entre integrantes do PT - sem nunca ter vinculação formal ao partido - e é capaz de criticar com veemência quem quer que esteja adiante da condução da economia e do Governo, o professor da Fundação Getúlio Vargas, economista Paulo Nogueira Batista Jr, que é ex diretor do FMI em Washington e ex-vice-presidente do Banco do Brics, conta em entrevista ao SBT News o que acha dos rumos que o país está percorrendo. E o que deve estar no foco daqui para frente. Confira a entrevista abaixo.
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O governo Lula se aproxima de seus primeiros 100 dias. Houve avanços?
Os 100 primeiros dias na economia foram razoáveis. Medidas foram tomadas que estimulam crescimento econômico e, ao mesmo tempo, distribuem renda. Reduzem a concentração da renda, como, por exemplo, a retomada do programa Bolsa Família ampliado, o aumento do salário mínimo em termos reais, a elevação da faixa de isenção do Imposto de Renda de um para dois salários mínimos, e outras medidas de natureza social que tem esse impacto econômico mais expressivo porque os beneficiados do aumento da renda disponível tem uma propensão marginal a consumir muito alta, próxima de 1, o que gera um efeito multiplicador maior. Mas de outro lado você tem uma certa vacilação de áreas do governo, dos ministérios de economia, que são muito heterogêneos, como se sabe, e um Banco Central ultraconservador que bloqueia, com juros muito altos, a melhora da situação econômica.
O ministro Haddad tornou pública a proposta para o chamado arcabouço fiscal. O que o Sr. achou?
De positivo tem a desconstitucionalização da regra fiscal; ou seja, aprovada essa Lei Complementar proposta, sai de cena o Teto constitucional, já falido, e entra uma nova âncora definida em Lei Complementar, não mais na Constituição. Outra coisa é que a variável central é o superávit primário, uma variável conhecida, com longa série histórica, observada e não construída por modelos. Também positivo. E em terceiro não é uma meta única, mas uma banda, com um piso e um teto que dá alguma flexibilidade. O resultado primário acima do teto pode gerar aumento de investimento, esse excedente pode ser destinado ao investimento.
Problemas: uma banda para o resultado primário do governo era o que eu vinha defendendo, mas a minha preferência era por uma banda mais ampla do que a que foi estabelecida pelo governo, que me parece estreita demais. E depois tem que verificar se as metas estabelecidas para 2024/25 não são ambiciosas demais, se não aplicam um ajuste fiscal excessivo, para uma economia que está estagnada e precisa de uma política fiscal ativa. Outro problema possível é limitar o aumento dos gastos a 70% do aumento das receitas pode gerar uma rigidez excessiva. Principalmente em casos de descumprimento da meta, de um resultado primário inferior ao piso da banda, você aciona uma regra que limita os gastos a 50% da arrecadação. E finalmente há um piso e um teto para o gasto em proporção do PIB: se a receita crescer fortemente, o gasto estará limitado a 2,5% do PIB. Inversamente, se a receita cair, há um piso para a variação do gasto que é 0,6% do PIB. O que se assegura, então, é uma despesa primária per capita real aproximadamente constante, na vigência do regime.
"Numa segunda olhada, fiquei mais preocupado com as travas ao crescimento econômico, com aqueles dispositivos que limitam o crescimento real do gasto. Isso pode dificultar o uso da política fiscal como mecanismo anti-cíclico, de um lado, e pode impedir algo que me parece importante que é usar a política fiscal junto com outras políticas, para mobilizar a recuperação da uma economia que está estagnada há mais de dez anos" - Paulo Nogueira Batista Jr
Como vê a condução da política monetária?
A visão de que os juros estão altos demais é bastante disseminada dentro e fora do governo, o Banco Central resiste, e na minha opinião essa resistência tem a ver com a dificuldade de entender a situação. Respeito o Banco Central, o corpo técnico, não estou tentando menosprezar, mas a orientação da política monetária dada pelo comando do Banco me parece equivocada.
Entregue o pacote fiscal, já dá para pensar em redução dos juros? Quando?
Já daria para pensar em redução dos juros mesmo antes do pacote fiscal, agora mais uma razão. Mas eu tenho impressão de que se vier a redução dos juros ao longo dos próximos meses vai ser pequena e insuficiente. É 'too little, too late' é o moto do Banco Central. Então eu não acredito que venha da política monetária um estímulo importante para a retomada da economia.
Inflação ainda preocupante (economistas apontam os núcleos com elevações recentes ainda escalando), desemprego em posição não confortável, atividade econômica claramente deprimida....que momento vive a economia brasileira?
A economia brasileira vive um momento de estagflação, uma economia estagnada, até desacelerando mais, desde o final do ano passado, e com um desemprego que começa a crescer, não obstante, a inflação demora a ceder, porque certos componentes da inflação, como destaca o Banco Central, Serviços, por exemplo, que tem um componente inercial bastante expressivo, então o BC está tendo dificuldade em reduzir a inflação mais rapidamente.
Versus o momento da economia internacional, há motivos para uma preocupação maior com o Brasil?
O problema é que fora a China que é importantíssima para nós os outros grandes mercados do Brasil em termos de comércio, Estados Unidos, União Europeia, Argentina, todos estão mal - Argentina principalmente, mas EUA e Europa também - então não é daí que vem um alívio pras nossas exportações, é mais da China mesmo, que deve crescer mais do que a meta oficial para o PIB de 5% em 2023. Então o quadro é misto, mais para negativo. Luz no fim do túnel [quando] é difícil dizer porque o governo não definiu claramente a sua estratégia, há muita vacilação e muita dificuldade de reunir o governo em torno da meta que o presidente há poucos dias voltou a proclamar com ênfase, de crescimento. Ele tá bem consciente com relação a impulsionar a economia, gerar emprego e eu imagino que se esse crescimento não vier ele vá pressionar a equipe econômica a produzir resultados. Tá bem ancora fiscal, minueto com o Banco Central e tudo bem, mas tem que produzir resultado. E resultado é tirar a economia da estagnação.
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