Ressarcimento aos minoritários das Americanas pode levar 10 anos
Escritório que representa acionistas diz que recuperação integral das perdas pode até não acontecer; entenda
Guto Abranches
O impacto foi imediato. A recuperação pode - e deve - ser muito demorada. Assim que o grupo Americanas foi a público, via divulgação de Fato Relevante ao mercado, tornar de conhecimento oficial que encontrara um rombo contábil de cerca de R$ 20 bilhões de reais, os papéis da companhia (AMER3) vieram abaixo. Nos pregões imediatamente posteriores àquele 11 de janeiro de 2023, as perdas se sobrepuseram, até chegar aos 94% de prejuízo aos proprietários das ações. "Um choque para os acionistas minoritários e até para nós", atesta a advogada Thaynara Rocha, do escritório Daniel Gerber Advocacia, que representa cerca de 30 investidores donos de ações ordinárias (ON) ou de pequenas participações em ações preferenciais (PN) da empresa. Por questão de sigilo, o escritório não divulga o montante reivindicado pelos acionistas em caráter de ressarcimento e nem os valores aportados por eles em Americanas.
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De um patamar de R$ 12,00 aproximadamente pelo lote de ações unitário, a cotação foi rapidamente parar abaixo de R$ 1,00. Ainda que, nas últimas semanas, tenha havido alguma retomada no valor comercializado em bolsa - na sexta-feira (10.fev) o papel saía a R$ 1,10 - nem de longe os donos das ações divisaram qualquer prognóstico de recuperar o dinheiro investido. Reflexo de um movimento que se iniciou com uma queda de 77,33% no dia seguinte à divulgação do rombo financeiro - maior perda em bolsa desde 2008. A companhia de R$ 10,8 bilhões rapidamente passou a valer R$ 2,4 bilhões. E contando.
Entenda o que aconteceu
- O grupo Americanas tem como sócios referenciais - donos de 30% do capital da empresa - os empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto "Beto" Sicupira
- No dia 11 de janeiro o grupo Americanas comunicou o mercado que havia detectado "inconsistências contábeis" no total de R$ 20 bilhões
- Os lançamentos apontados de forma inadequada pela companhia diziam respeito a anos anteriores - incluindo 2022
- O mercado financeiro "precificou" [negociou os papéis da companhia sob o peso do que considerou "fraude"] puxando as ações para baixo
- O CEO (executivo-chefe) da empresa, Sérgio Rial, que estava no cargo havia 9 dias, renunciou
- O Grupo Americanas ingressa na justiça com pedido de Recuperação Judicial e ganha prazo de 60 dias para apresentar plano de ação para se reerguer
- Até o momento não é correto dizer que Americanas "faliu" ou que "quebrou": tal tratamento só poderá ser adotado a partir do curso do processo judicial
Justiça e responsabilidade
O Ministério Público é o Titular da Ação Penal que tem por objetivo apurar o que ocorreu e definir os responsáveis. Aos olhos de boa parte dos investidores, o procedimento caracteriza fraude financeira. Em Ação Civil Pública, os minoritários buscam responsabilizar também a auditoria PWC ( Price, Waterhouse and Coopers) pelo desgaste imposto aos investidores.
Eles consideram que uma especializada em auditoria não poderia ter deixado passar despercebida uma lacuna contábil desse tamanho. "Ingressamos com pedido de afastamento dos majoritários [Leman, Sicupira e Telles] e dos demais executivos responsáveis pelo que consideramos uma fraude", expõe a advogada Thaynara Rocha. O objetivo é tentar garantir recursos capazes de ressarcir financeiramente os acionistas.
Mas vai além. "Entramos com Medida Cautelar de bloqueio de valores e bens dos principais executivos, conselheiros e demais responsáveis. Outro requerimento é no sentido de conseguir a quebra do sigilo telemático dos envolvidos. E-mails, mensagens de aplicativos e "etc" podem ajudar a esclarecer pontos importantes das decisões que levaram ao rombo contábil e financeiro", aponta ela.
Por envolver eventuais delitos contra o sistema financeiro nacional e mercado de capitais, o responsável pela apuração dos fatos é o Ministério Público Federal (MPF). No caso, a Regional de São Paulo instaurou o procedimento investigatório para esta apuração preliminar, a fim de reunir indícios que permitam oferecer denúncia à Justiça, se for o caso. Ainda que tomados todos os cuidados e providências, os advogados já fazem saber que não há decisão tomada de véspera. E que ela não necessariamente será a mais esperada.
" O processo até o ressarcimento pode levar de cinco a dez anos. Eles [os minoritários] só serão ressarcidos se a fraude for judicialmente constatada. E, mesmo assim, não há garantias de que eles receberão a integralidade do que perderam. Partimos e temos por finalidade esse objetivo, masa depender do curso do processo, talvez o melhor resultado a se perseguir seja perder o menos possível" - Thaynara Rocha, advogada de Daniel Gerber Advocacia
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