Déficit de atendimento público estimula saúde bucal privada
Setor gira R$ 38 bi anuais e reduz lacuna de serviços, mas só um em cada dez brasileiros tem convênio
Guto Abranches
Quando começa a doer, não tem jeito. Ainda mais quando se fala em dor de dente. Uma pesquisa entre pacientes que procuraram atendimento de urgência na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) indicou que a dor de dente é classificada entre as piores sensações já experimentadas pelas pessoas. A urgência imposta pela dor é, ao mesmo tempo, uma das principais molas propulsoras do sistema de saúde odontológica privado nas últimas décadas no Brasil.
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Os cuidados com a boca só passaram a fazer parte de uma política pública do Ministério da Saúde, em 2003, quando foi lançada a Polícita Nacional de Saúde Bucal. Surgia o programa Brasil Sorridente, que oferecia tratamento gratuito, com a inclusão de profissionais da área nas equipes de Saúde da Família. De lá pra cá, a oferta desse tipo de serviço público cresceu significativamente, mas ainda está longe de atender às necessidades da população.
O Brasil é o país com mais dentistas no mundo, com cerca de 375 mil profissionais. De acordo com o Conselho Federal de Odontologia (CFO), o setor cresceu em quantidade de profissionais cerca de 42%, de 2010 a 2018, mas grande parte dos cidadãos não tem acesso a tratamentos odontológicos.
Déficit e crescimento
A mais recente Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do IBGE, divulgada em 2020, aponta que 78,2 milhões de pessoas com mais de 18 anos haviam realizado consulta ao dentista nos 12 meses anteriores. Desse total, apenas 19% dos atendimentos foram em unidades básicas de saúde.
O mesmo levantamento aponta que 75% das consultas se deram em consultórios e clínicas particulares. Apenas 14,4% da população brasileira têm algum tipo de convênioi odontológico, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O setor movimenta cerca de R$ 38 bilhões anuais, de acordo com o Conselho Federal de Odontologia (CFO). Os planos privados investem R$ 3,1 bilhões, por ano, para atender a 26 milhões de beneficiários.
Este universo demonstra que apenas um em cada dez brasileiros tem acesso ao atendimento particular. Em 2019, as operadoras privadas realizaram 189 milhões de atendimentos, 4,7 vezes o total realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que prestou 40 milhões de atendimentos.
Tratamento acessível
"Claro que a economia influencia na busca por tratamento, ainda mais em um país onde a cultura de cuidados com a saúde bucal ainda não é tão forte. Em muitos casos, as pessoas vão deixando os tratamentos para depois, até a hora em que a dor de dente fica insuportável", avalia a dentista Claudia Consalter, sócia-fundadora da Orthodontic, a maior rede de ortodontia do país.
A executiva salienta que a busca pelo tratamento é questão de prioridade, e demonstra que, com a ampliação dos serviços, mais gente têm acesso aos planos. "Os tratamentos ortodônticos [implantes e correções na arcada] correspondem a 80% dos serviços prestados ", afirma Consalter.
"Um dos tratamentos odontológicos mais frequentes é a profilaxia, que é um procedimento de limpeza bucal recomendado a cada seis meses, em média. De forma geral, custa muito pouco." - Claudia Consalter, sócia da Orthodontic
Negócio
Se há espaço para ampliar os atendimentos, há igualmente oportunidades a serem conquistadas do outro lado do balcão. Muitas delas estão em discussão no Congresso Internacional de Odontologia de São Paulo, entre 25 e 28 de janeiro. Realizado na capital paulista há mais de 60 anos pela Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas (APCD), é uma das maiores feiras do mercado odontológico, ponto de partida para geração de parcerias.
A própria Orthodontic é exemplo. Tem 300 unidades, faturou R$ 323,7 milhões, em 2021, um crescimento de 10% sobre o ano anterior ( R$ 294,6 milhões), e quer crescer outros 9,7%, em 2023. "Além das questões estéticas, que levam muitas pessoas a buscarem atendimento, a conscientização da população a respeito da importância da saúde bucal contribui muito para a crescente demanda pelos serviços privados", diz Claudia Consalter.
"Em paralelo, as novas tecnologias facilitam a comunicação entre as redes privadas e seus públicos-alvo, ampliando o acesso da população aos serviços odontológicos" finaliza.
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